A quadrilha que vestia jaleco branco



Segundo polícia, esquema comandando por funcionários do Conjunto Hospitalar de Sorocaba fraudava licitações e pagava plantões para médicos fantasmas. Enquanto recursos públicos eram sugados, população sofria com atendimento precário

Heitor Cosani (à dir.),  diretor-geral do Centro Hospitalar de Sorocaba, é preso durante a madrugada pelo delegado José Umberto Urban Filho
Mayco Geretti
Agência BOM DIA

Médicos que nem sequer pisavam no CHS (Conjunto Hospitalar de Sorocaba) recebiam pagamentos por plantões de atendimento que  jamais foram oferecidos à população. Esta e outras fraudes ocorridas na principal unidade de saúde da região foram trazidas à tona nesta sexta-feira (17), com a prisão de 12 pessoas. Entre os detidos estão o diretor do CHS, Heitor Consani, e dois antecessores.

A operação – batizada de Hipócrates em alusão ao pai da medicina – foi deflagrada ainda durante a madrugada numa ação conjunta da Delegacia Antissequestro de Sorocaba e promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial ao Crime Organizado). Heitor Consani foi o único a ser preso em Sorocaba, por volta das 6h, em sua casa que fica em um condomínio de alto padrão em Votorantim. Também foram presos Ricardo José Salim (ex-diretor do CHS) e Antônio Carlos Nasi, que esteve à frente da DRS-16 (Diretoria Regional de Saúde) de Sorocaba e também dirigiu interinamente o CHS.

Foram detidos ainda Tânia Maris de Paiva, Célia Chaib Arbage Romani, Márcia Regina Leite Ramos, Tânia Aparecida Lopes, Tarley Eloy Pessoa de Barros, Kleber Castilho, Maria Helena Pires Alberici, Vera Regina Boendia Machado Salim e Edson Brito Aleixo. Uma 13ª pessoa envolvida teve prisão decretada, mas está foragida.

Fantasmas/ Uma das frentes de atuação da quadrilha, segundo a polícia e o MP, diz respeito ao pagamento de honorários por plantões que jamais foram realizados. A investigação mostra que havia médicos, enfermeiros, dentistas e outros profissionais que simplesmente recebiam sem ter de trabalhar. “Alguns trabalhavam em um plantão e recebiam por vários. Outros pagamentos eram efetuados em nome de funcionários fantasmas que tinham as assinaturas falsificadas por integrantes do esquema”, afirma o promotor Wellington Veloso. Alguns beneficiados recebiam mais de R$ 10 mil por mês por plantões inexistentes.

O promotor salienta um diálogo monitorado durante a investigação no qual uma médica beneficiada afirma a um dos coordenadores da fraude que nem sequer sabia como chegar ao CHS.

O delegado Wilson Negrão, que coordenou a operação, disse que para fins de despesa, os médicos fantasmas tinham o peso de médicos que trabalham de forma correta. “A folha de pagamento contemplava os falsos plantões, no entanto, a população jamais tinha acesso a esses atendimentos.”
Segundo as autoridades, o esquema teria desviado cerca de R$ 2 milhões, mas o valor total ainda será apurado através da perícia dos documentos apreendidos.


Heitor Cosani (à dir.),  diretor-geral do Centro Hospitalar de Sorocaba, é preso durante a madrugada pelo delegado José Umberto Urban Filho

Os crimes
Os envolvidos presos nesta sexta-feira (17) serão indiciados por formação de quadrilha, estelionato, fraude em licitações, falsificação de documentos e peculato (quando servidor público se apodera de dinheiro público).

Prisão temporária
Os envolvidos estão detidos mediante prisão temporária de cinco dias que poderá ser renovada por mais cinco. Eles poderão ser colocados em liberdade a qualquer momento se colaborarem com a investigação.

Fraudes teriam lesado cerca de 300 mil pacientes
Estimativa leva em conta número de atendimentos que deveriam ser realizados pelos plantonistas fantasmas desde o segundo semestre de 2008

As autoridades fizeram uma estimativa de quantos pacientes da região teriam sido lesados pela falta de atendimento decorrente da atuação dos plantonistas fantasmas. Levando-se em conta o mês de setembro de 2008, quando as fraudes teriam começado a ser aplicadas, o número de fantasmas e a média de consultas diárias atendidas por plantonista são assombrosos: cerca de 300 mil pessoas teriam deixado de  receber cuidados.

“É um dado que demonstra um pouco do mal que essa quadrilha fez à sociedade. É por isso que não temos receio em tratar esse bando como uma organização criminosa”, diz o promotor Wellington Veloso.

Já a promotora Maria Aparecida Castanho  afirma que as autoridades estão investigando alguns casos específicos de óbitos que teriam sido decorrentes da falta de atendimento. Se ficar provado que as mortes são fruto da negligência, os envolvidos poderão chegar a responder por homicídio culposo (sem intenção).

Tentáculos no governo/
 O Gaeco não descarta que o esquema possa também ter ramificações na Secretaria Estadual de Saúde.

Para isso, a investigação conta com o respaldo da Procuradoria Geral do Estado, que terá a incumbência de assumir os trabalhos caso a investigação aponte algo nesse sentido.

Polícia vai indiciar mais de 40 beneficiários

A Polícia Civil e o Ministério Público não pretendem pedir a prisão de outros envolvidos, mas adiantam que todos os médicos,  enfermeiros e demais funcionários da saúde, que se beneficiaram através do recebimento de pagamento por plantões jamais realizados, serão indiciados e responderão a processo. Na lista de possíveis beneficiados há mais de 40 pessoas.
A promotora Maria Castanho disse que alguns dos beneficiados apresentavam registro em até quatro unidades médicas, algumas situadas em cidades distintas. “Alguns recebiam pagamentos por mais de um plantão num mesmo dia. Como sabemos que nenhum dos envolvidos tem o dom da onipresença, a fraude fica claramente constatada.”

O delegado Wilson Negrão afirma que muitos funcionários que trabalham de forma séria no Conjunto Hospitalar sabiam das irregularidades, mas não  denunciavam ou por temer represálias, ou por não querer se envolver. Apesar disso, foi uma denúncia feita por funcionários que deu início à investigação.

O promotor Cláudio Bonadio, do Gaeco, informa que no Conjunto Hospitalar foram apreendidos documentos e computadores, conteúdo semelhante ao coletado nas casas dos acusados e em 11 hospitais nos quais eles também atuavam, principalmente na Capital e Itapevi.  “Não descartamos que a fraude atinja outras unidades de saúde.”

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