Escuta flagra ação de máfia da merenda em SP


do Jornal da Tarde

Diálogos de funcionários do Grupo Geraldo J. Coan grampeados a mando de diretores da própria empresa mostram que as principais fornecedoras de merenda do País montaram um cartel para fraudar a licitação de R$ 200 milhões da Prefeitura de São Paulo. A suspeita é do Ministério Público, que analisa telefonemas interceptados por arapongas que teriam sido contratados pela Coan para monitorar seu quadro de funcionários.
As escutas clandestinas estavam arquivadas em CDs que foram confiscados na sede da J. Coan, em Tietê, no interior paulista, no dia 1º de julho de 2010, durante batida realizada pela promotoria e pela polícia. Entre 12 de abril e 9 de maio de 2009, foram interceptadas, ao todo, 1.513 ligações.
Algumas gravações teriam sido feitas em 2006, pouco antes da renovação do contrato da merenda escolar com a Prefeitura. Nelas aparece o então diretor comercial da J. Coan, Bartolomeu Vasconcelos, o Vasco, conversando com uma funcionária, identificada como Sandra. Em um trecho captado pela máquina de grampos, o diretor afirma que no dia seguinte iria a São Paulo participar de um encontro.
“Essa reunião em São Paulo é pra tratar da renovação do contrato da merenda de São Paulo”, informa Vasco. Ele também comenta sobre problemas com o fornecimento de alimentação da empresa para um Centro de Detenção Provisória (CDP).
Em outra ligação, uma funcionária da SP Alimentação faz contato com a J. Coan em busca do diretor comercial da empresa. Como não o encontra, ela deixa recado: “É sobre uma reunião que nós estamos agendando para amanhã aqui na SP Alimentação, com todas as empresas, e seria muito importante que ele viesse às 10 horas. É as 10 horas, com o senhor Eloízo”.
Parceria
O Ministério Público está convencido de que o “senhor Eloízo” é o empresário Eloízo Durães, proprietário do Grupo SP, maior fornecedor de merenda escolar no País. Nas licitações, a Coan e a SP aparecem como rivais, oferecendo menor preço, mas os grampos indicam que elas atuam em parceria – supostamente para dividir o bolo.
Promotores examinam a amplitude das conversas e as revelações nelas contidas acerca de licitações em prefeituras de ao menos cinco Estados – São Paulo, Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Maranhão. Foi aberto procedimento de investigação criminal pelo Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Sorocaba (SP) para investigar crime de escuta clandestina.
Para a promotoria, a escuta que pegou Vasconcelos comprova a formação de cartel. O contrato da merenda terceirizada da Prefeitura de São Paulo foi fechado no valor de R$ 200 milhões – correspondentes a 52% do pacote total da merenda.
A suspeita dos promotores é que a direção da Coan contratou arapongas para grampearem funcionários com receio de quebra de confidencialidade e traição comercial. Além dos grampos, cerca de 1 milhão de documentos foram apreendidos na Coan.
Conversas analisadas pelos peritos servem da base a relatório compartilhado entre cerca de 30 promotores da força-tarefa contra fraudes em quase todo o País. Eles se reuniram em São Paulo em junho para traçar estratégia conjunta contra o cartel. “Técnicos do Tribunal de Contas da União estão nos auxiliando nesse trabalho”, disse o promotor Fabrício José da Fonseca Pinto, de Ribeirão das Neves (MG).
Outro lado
Responsável pela defesa da J. Coan, o criminalista Edson Torihara negou que diretores da empresa tenham contratado arapongas para realizar escutas clandestinas em seus funcionários. “A empresa não tem conhecimento. Posso afirmar que não houve ordem de interceptação”, afirmou Torihara, que disse ainda “estranhar” os CDs dos grampos telefônicos.
O advogado afirmou também que, um ano depois da busca na sede da empresa, na cidade de Tietê, no interior do Estado, a defesa ainda não teve acesso ao material apreendido. “Só conseguimos acesso a parte da documentação”, protestou Torihara.
Segundo ele, a defesa pediu ao juiz de Ribeirão das Neves (MG) acesso às provas do suposto conluio entre fornecedores de merenda escolar e foi informada que elas estavam em São Paulo.
Já a SP Alimentação informou, por meio da assessoria de imprensa, que “não tem participação em qualquer processo fraudulento, bem como não contribuiu para formação de cartel”. A empresa também afirmou que “desconhece as gravações”. Ao lado da J. Coan, a SP é suspeita de chefiar um esquema que movimentou R$ 280 milhões em notas frias, fraudou licitações e corrompeu políticos e funcionários públicos.
A Secretaria de Governo e Negócios Jurídicos da Prefeitura, por sua vez, informou que “está à disposição e vai colaborar no que for necessário” com as investigações do Ministério Público.
Fausto Macedo e Marcelo Godoy

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