Saci ‘critica’ violência e consumo exagerado



MONIQUE ABRANTES
Em meio à correria do dia a dia em uma cidade como São Paulo, a presença de um personagem do folclore brasileiro não passa despercebida. Ainda mais se ele “aparece” para criticar os problemas deste lugar. Essa é a proposta do Saci Urbano, personagem criado pelo artista plástico Thiago Vaz, que ironiza a violência, a falta de espaços de lazer e o consumo exagerado.
Vaz explica que a ideia surgiu em 2008 e que buscou na sua infância o personagem para fazer as contestações. “Em São Paulo existem muitos indícios indígenas, vemos isso nos nomes das ruas, dos bairros e dos parques. O saci é exatamente isso que vemos por aqui, a união da ciência com o folclore. Ele é a inteligência ignorada”, diz.
O critério para fazer os desenhos é a sua observação de problemas nos bairros da capital e em cidades da Região Metropolitana. “Quando vejo que ele pode ‘aparecer’ em determinado local apenas faço a marcação.” Segundo Vaz, mais de 200 intervenções já foram feitas nas ruas da capital.
O Saci Urbano divide opiniões. Para o comerciante Márcio Alexandre, dono de uma floricultura no Conjunto Zarvos, que é tombado, o desenho feito por Vaz na parede que fica voltada para a Rua da Consolação, no centro, polui a cidade.
“Faz um bom tempo que esse e outros trabalhos foram feitos aqui e o conselho responsável pela manutenção de patrimônios históricos não faz nada”, diz Alexandre. O artista retrata seu ponto de vista sobre a abordagem policial a negros.
De acordo com o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), as intervenções que interferem no “nível de proteção do tombamento” precisam ser avaliadas. Mas a manutenção é de responsabilidade do proprietário do imóvel, particular ou público.
A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) afirma que não recebeu denúncias sobre discriminação policial.
E há também quem elogie os trabalhos. “Acho legal a forma como ele retrata os problemas da cidade. Muitas pessoas passam por aqui e ficam observando o trabalho. Alguns até fotografam”, diz a comerciante Elenir Dias da Mota Teixeira, dona da banca de jornal perto do Viaduto Armando Puglisi, no Bexiga.
Vaz desenhou o saci nas pilastras do viaduto para criticar a Prefeitura, que pintou os grafites que havia ali.
Um tipo de postura bem diferente do adotado em países como França e Cuba, diz Vaz, onde o Saci Urbano já “apareceu”. O artista foi a esses países a convite do fotógrafo francês Eric Marshall, criador do projeto Arte de Rua Sem Fronteiras. O tom de crítica é o mesmo, mas o desenho é colado, e não feito diretamente nas paredes.
Lá fora, diz Vaz, sua arte foi valorizada. O Saci Urbano só deixou Paris quando se descolou da parede. “Mesmo na capital francesa, tombada como patrimônio da humanidade, o Saci Urbano ficou por um bom tempo.”

Permissão
Os trabalhos de grafitagem, como os desenvolvidos por artistas como Thiago Vaz, criador do Saci Urbano, não são proibidos na capital, segundo a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras.
Mas a Prefeitura afirma, entretanto, que é necessário haver um acordo com o órgão responsável pelo espaço público para que seja emitida uma autorização para uso do local. Caso o procedimento não seja feito, o artista está sujeito às ações policiais.
O delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Carneiro de Lima, explica que o dono de imóvel pichado ou grafitado sem sua autorização pode registrar um boletim de ocorrência. A regra vale para bens públicos ou particulares. “O dano ao patrimônio só é punido caso não haja autorização prévia”, explica Carneiro.
De acordo com o artigo 163 do Código Penal, a pena prevista em espaços particulares é de um mês a seis meses de detenção, além de multa, e de seis meses a três anos de prisão, caso o desenho seja feito em patrimônio público.
O artista Thiago Vaz diz seguir a regra à risca. Ele afirma que pede autorização em todos os casos de imóveis particulares. Mas admite não pedir permissão para desenhar em locais públicos, como pilastras de viadutos.
“A partir do momento em que a arte de rua precisar de autorização para ser feita, que ela seja burocratizada, ela perde a sua essência, que é de ser subversiva à lei. Sei o risco que corro.”

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