‘Países como Brasil têm de decidir entre os sírios ou Assad’


'Chanceler’ europeia pede que brasileiros ampliem pressão sobre o Irã e a ditadura síria


Jamil Chade - CORRESPONDENTE / GENEBRA
GENEBRA - A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, desembarca amanhã no Brasil em busca do apoio do governo de Dilma Rousseff a uma resolução patrocinada pela Liga Árabe contra o regime do ditador sírio, Bashar Assad. Em entrevista exclusiva ao Estado, a "chanceler" da União Europeia (UE) pediu apoio do Brasil aos manifestantes pró-democracia na Síria. Segundo ela, a comunidade internacional precisa decidir se está do lado do povo sírio ou de um regime repressor. Ashton elogiou a evolução econômica e o protagonismo político do País na cena mundial, mas evitou respaldar a intenção brasileira de obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A seguir, trechos da entrevista:
'Chanceler’ europeia pede que brasileiros ampliem pressão sobre o Irã e a ditadura síria - Eric Vidal/Reuters
Eric Vidal/Reuters
'Chanceler’ europeia pede que brasileiros ampliem pressão sobre o Irã e a ditadura síria
Estado: Como o recente avanço econômico dos países emergentes afeta a diplomacia da UE?
Catherine Ashton: A UE estará sempre comprometida com seus valores principais - direitos humanos e democracia - e contribuirá para engajar os demais parceiros para fortalecer o sistema multilateral. Mas novos cenários sempre exigem mudanças em políticas. A UE desenvolveu relações mais próximas e de cooperação com os principais emergentes.
Estado: Esses países deveriam assumir novas responsabilidades?
Catherine Ashton: Todos devem ter responsabilidades. E, certamente, quanto maior seu peso, maior sua responsabilidade. O Brasil é um ator-chave. Podemos vê-lo buscando maior peso político e atuando mais em atividades de manutenção da paz, como no Haiti. O País também tem sido ativo nas discussões ambientais e compartilhamos com o Brasil o compromisso em ver um sistema de governança global mais representativo.
Estado: A senhora apoia um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU?
Catherine Ashton: A UE apoia a reforma dos principais órgãos da ONU, para aumentar a representatividade, transparência e eficiência do sistema. Os membros decidirão no momento certo quais países devem ter a vaga permanente.
Estado: As posições que o Brasil adota em relação ao Irã e Síria minam essa pretensão?
Catherine Ashton: A situação sobre a candidatura brasileira precisa ocorrer no contexto da ONU. Não há dúvida de que o Conselho precisa ser reformado. O desafio é como fazê-lo.
Estado: Que mensagem a senhora leva em relação ao embargo ao Irã?
Catherine Ashton: O embargo ao petróleo iraniano não é um fim em si mesmo. O objetivo é conseguir que o Irã volte a negociar para encontrar uma solução para o problema do programa nuclear. Sobre isso, acho que o Brasil e a UE estão na mesma sintonia e acredito que o Brasil também queira ver o Irã de volta às negociações. Precisamos sentar e conversar. Ainda estou esperando uma resposta e espero tê-la em breve.
Estado: O Irã mantém relações comerciais importantes com a América Latina. Isso é um problema no seu esforço para pressioná-lo?
Catherine Ashton: É importante entender que a UE não impôs um embargo comercial e nossas sanções não têm impacto extraterritorial. Não queremos punir países que têm comércio com o Irã.
Estado: O Irã alega que poderá interromper a exportação de petróleo antes do prazo estipulado pela UE, que acaba em julho. Isso criará problemas para a economia europeia?
Catherine Ashton: Quando adotamos o embargo, estabelecemos um período de transição para dar aos países tempo de ajustar. Já começamos esse processo e estamos em consultas com fornecedores alternativos para mitigar o potencial impacto do embargo. Mais uma vez, queremos que o Irã volte a negociar. Precisamos de forma urgente de medidas para restabelecer a confiança e também para a estabilidade da região, que está cada vez mais preocupada sobre o que está ocorrendo.
Estado: Qual seria a reação da União Europeia diante do fechamento do Estreito de Ormuz?
Catherine Ashton: Não quero especular. Meu convite procura evitar uma escalada na insegurança na região. Ormuz também é importante para o Irã. A maioria do petróleo iraniano passa pelo estreito.
Estado: Sobre a Síria, a senhora vê um futuro na região com Assad ainda no poder?
Catherine Ashton: A UE pediu a Assad que deixe o poder e permita a transição. A UE apoia o plano de ação da Liga Árabe e consideramos que Assad perdeu credibilidade e legitimidade.
 
Estado: O Brasil mantém uma posição que não é bem-vista por ativistas de direitos humanos em relação a Damasco. Qual será sua mensagem ao Brasil no que se refere à Síria?
 
Catherine Ashton: Nossa mensagem para um parceiro como o Brasil, assim como para os membros do Conselho de Segurança, é a de pedir apoio ao rascunho da resolução sobre a Síria, apresentada pela Liga Árabe. O Conselho de Segurança precisa agir diante da gravidade da situação na Síria. Os países precisam decidir se estão do lado do povo sírio e sua aspiração legítima por democracia ou do lado do regime repressor.
Estado: Há o risco de uma guerra diante das atitudes da Síria e Irã?
Catherine Ashton: A crise na Síria traz um sério risco para a estabilidade e segurança de todo o Oriente Médio. Milhares de pessoas foram expulsas de suas casas e procuraram refúgio em países vizinhos. É por essa razão que consideramos que o Conselho de Segurança deve finalmente agir.
Estado: Sobre Cuba, o Brasil mantém a tese de que o diálogo é a melhor forma de lidar com a situação. A senhora concorda?
Catherine Ashton: Um engajamento construtivo é a base para a política da UE em relação a Cuba, com um diálogo político construtivo e aberto. A UE decidiu em 2008 relançar um diálogo político com Cuba e, nesse contexto, houve um debate aberto e franco.
Estado: Em Davos, o chanceler Antonio Patriota chegou a dizer que a situação de direitos humanos em Cuba não era emergencial. Como a senhora vê isso?
Catherine Ashton: Saudei a libertação de prisioneiros políticos, assim como o anúncio de reformas econômicas. Mas o recente surto de prisões temporárias de manifestantes pacíficos é alvo de preocupação para a UE. Eu já reiterei em várias ocasiões que os cubanos precisam evoluir para um total respeito de todos os direitos civis e políticos do povo, incluindo a liberdade de expressão.
  

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