Antropóloga explica importância de imagem e disputa pelas terras


Jornal Cruzeiro do Sul

O furto da santa foi um ataque à estrutura base, à origem, de uma comunidade que hoje habita os seis alqueires. Essa é a opinião da antropóloga e pesquisadora Rebeca Campos Ferreira do programa de doutorado da Universidade de São Paulo (USP), que há cinco anos atua no bairro do Carmo auxiliando no reconhecimento e titulação da comunidade como quilombola. A antropóloga diz que no imaginário coletido dos moradores a santa é a "mãe" de todos eles, já que a comunidade surgiu ao redor daquela imagem. "É uma luta pela terra sempre atrelada à imagem", resume. Segundo ela, há cem anos a comunidade tinha 2.175 alqueires dos seis alqueires que restaram, o que representa uma perda territorial de 99,72%.

Rebeca Ferreira conta que na década de 30 começaram os primeiros conflitos pela terra, em que os moradores narram que invasores ateavam fogo nas casas e a imagem sempre era preservada porque o histórico de conflito e Nossa Senhora do Carmo sempre foram atrelados. Segundo ela, há documentos no Fórum que coincidem com a versão desses ataques. Entre outras questões que acompanharam a relação entre a imagem e a comunidade, Rebeca fala sobre as versões de que antigos padres chegaram a levar a imagem embora porque entendiam que era muito bonita para ficar no meio dos negros, mas a santa sempre voltava no dia seguinte.

A imagem foi encontrada pelos escravos antepassados dos moradores do Carmo, naquele mesmo local, uma fazenda da Ordem do Carmo, Província Carmelita Fluminense. "Segundo narram, foi encontrada por escravos, em um baú, enquanto eles capinavam aqui na fazenda. Certamente havia aqui algum tipo de depósito dos padres que forneciam imagens para demais conventos", diz a antropóloga. Ela complementa que há documento de 1886 que faz menção à imagem nos arquivos da Justiça.


Reconhecimento e titularidade


Há 12 anos, desde 1999, tramita um processo para o reconhecimento da comunidade quilombola e consequente titularidade da área. Desde então, segundo a antropóloga, duas associações disputam a titulação, mas nenhuma delas têm sede na comunidade ou é composta por pessoas que continuam morando no bairro do Carmo. "São descendentes remanescentes que não residem aqui", explica.

Desde o início deste ano os moradores do Carmo querem a sua própria associação e estão se organizando para fundá-la. "Quando o Incra chegar para fazer as medições, a terra será titulada em nome de alguém, à associação civil responsável pelo manejo da terra, por tratar-se de interesse coletivo, de terras que não podem ser vendidas, alugadas ou desmembradas", esclarece a antropóloga. (L.N.)

Postar um comentário

0 Comentários