do jornal da estância
Simone Judica
A violência decorrente da rivalidade
entre torcedores de times de futebol adversários tem espaço cativo na
mídia, já há alguns anos.
No
Brasil, muitos jogos considerados clássicos e finais de campeonatos têm sido
marcados por brigas entre membros de torcidas, organizadas ou não, resultando
em mortes, ferimentos e patrimônios público e privado depredados, em nome da
afirmação da suposta superioridade de um clube sobre outros e de seus seguidores
sobre os simpatizantes de seus rivais.
Manifestações
violentas repetem-se mundo afora. Neste mês de fevereiro, o palco foi um
estádio no Egito. Torcedores do time da casa, ao término da partida, invadiram
o campo agredindo jogadores e torcedores adversários e deixando um saldo de
quase 80 mortos e 1.000 feridos.
Esse
episódio, em particular, está vinculado a tensões de política interna que há cerca
de um ano mobilizam o Egito, relacionadas à queda do ex-presidente Hosni
Mubarak e à transição política em curso.
Noutros
casos, contudo, não há qualquer fundo político a manipular ou inspirar a
violência e o vandalismo que norteiam torcedores desordeiros. Suas ações são
fruto da intolerância de uns para com outros e vêm imprimindo ao futebol marcas
de tristeza e desrespeito incompatíveis com as características próprias do
esporte: harmonia, respeito aos adversários e companheirismo.
Nota-se
que mesmo onde havia harmonia entre torcedores de agremiações diversas hoje
existe intolerância: no ano passado, no interior de uma escola, em São Roque,
um adolescente foi agredido por colegas de classe ao comparecer à aula vestindo
a camisa de seu clube, pois seu traje incomodou os rivais!
Há
bem poucos anos a situação era outra. Recordo-me das escolas onde estudei e de
ambientes profissionais e sociais que freqüentei, em que palmeirenses,
corinthianos, são-paulinos, santistas etc. conviviam pacífica e
harmoniosamente. O que havia eram brincadeiras, sadias, em que uns amolavam os
outros, sempre de modo divertido, sobre a superioridade ou inferioridade que
atribuíam aos times e seus jogadores, técnicos e torcidas. Nada além disso.
O
futebol servia para unir os amigos, torcessem ou não para o mesmo time, pois o
que importava era estarem juntos, comentarem os lances e o desempenho dos
jogadores.
De
uns tempos para cá, as coisas tomaram novo rumo: no lugar da rivalidade
saudável e divertida, vem crescendo uma odiosa intolerância, um mal-querer que
visa a maltratar, humilhar e até eliminar aqueles que torcem ou apenas nutrem simpatia
por times adversários. Torcedores de hoje, mais que a vitória dos seus times,
querem a desgraça dos adversários!
Verdade
seja dita, o futebol também mudou muito! Onde antes se via o chamado
“futebol-arte”, a valorização do talento, o amor ao esporte e o respeito aos
adversários, tratados como colegas que estavam do outro lado do campo, hoje se
vê, na maioria dos jogos, times e atletas, a ostentação, a agressividade e a
busca desenfreada de fama e lucro.
Talvez
seja assim porque a sociedade vem mudando seu modo de pensar e agir. Os valores
deste século estão firmados no ter e não no ser; crianças, desde pequeninas,
aprendem a competir e exibir
superioridade sobre as outras; vaidade e consumismo são vigas mestras do
comportamento; e egoísmo e busca por vantagens, antes tidos como pecados e
defeitos de caráter, foram rebatizados com os nomes de determinação e esperteza
e hoje são louvados.
Esses
novos moldes de comportamento são transportados para todos os segmentos da vida
em sociedade e o futebol não escaparia, até mesmo por ser o esporte das
multidões, que mais mobiliza e envolve as pessoas.
É
necessário e urgente virar esse jogo, promovendo um resgate de valores e
conceitos éticos, para que, na vida e no futebol, adversários e concorrentes
deixem de ser considerados inimigos a eliminar, e a convivência harmoniosa e
pacífica triunfe sobre a intolerância.
Simone Judica é
advogada, jornalista e colaboradora do Jornal da Estância
(simonejudica@ig.com.br)
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