Professora que processou o pai desabafa



'Eu busquei uma relação, mas ele negou', diz Luciane, que é a primeira indenizada por abandono afetivo

TATIANE PATRON 


Por 38 anos, a professora Luciane Nunes de Oliveira Souza tentou a aproximação com o pai, o dono dos postos de combustíveis Ruff, Antônio Carlos Jammas dos Santos. “Busquei diversas vezes uma relação, mas ele não quis”, desabafou durante coletiva que concedeu na manhã desta sexta-feira (4) no escritório do seu advogado, João Lyra Netto. 

O caso entra para a história da Justiça brasileira, já que este é o primeiro processo por danos morais causados por abandono afetivo ganho. O anúncio do julgamento foi feito pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) na quarta-feira. A vítima deve receber do pai a indenização no valor de R$ 200 mil. “Acredito que a Justiça foi feita e estou feliz por isso”, desabafa a moça.
 

A ação caminhou na Justiça por 12 anos.  Luciane acredita que servirá de exemplo e espera que outros tantos filhos que não são reconhecidos pelo pai tomem a mesma coragem para recorrer seus direitos na Justiça. “Pai é aquele que cuida e abandonar um filho é crime”, destaca o advogado Lyra.
 

Antônio não quis comentar a entrevista da filha. Ele entrou com recurso novamente na Justiça.
Longa história/ Fome, falta de abrigo, ausência da figura paterna, entre tantas outras dificuldades vividas por Luciane e sua mãe, Maria Olinda Nunes – que assumiu o papel de pai –, são relatadas na linha do tempo abaixo. 
Mar de rosas

Maria Olinda Nunes e Antônio Carlos Jamas dos Santos se conheceram no bairro Parque Bela Vista, em Votorantim. Eles tinham apenas 14 anos. O casal se apaixonou e namorou por oito anos.
Luz

Luciane Nunes de Oliveira nasceu em 21 de janeiro de 1974, em Votorantim. Maria Olinda teve o apoio de seus pais para criar a menina sozinha.
Obrigação 

Desde o nascimento de Luciane, Maria Olinda foi atrás dos direitos da filha e pediu na Justiça para que seu ex-companheiro, além de reconhecer a paternidade, pagasse a pensão alimentícia. Depois de muita luta judicial o homem começou a pagar cerca de dois salários mínimos referentes à época. No entanto, nunca teve contato com a menina.
Briga com a madrasta

Sempre em busca de uma aproximação com o pai, Luciane ligava e ia até a casa, no condomínio Angelo Vial, Parque Campolim. Mas Antônio nunca foi receptivo. “Quando tinha cerca de 11 anos liguei na casa dele. Quem atendeu foi a esposa do meu pai. Ela foi agressiva e até me chamou de vagabunda.”
Auxílio financeiro
Quem tem filhos menores de idade é obrigado a pagar Pensão Alimentícia. O valor é 30% da renda do responsável.  Ao completar 18 anos, o filho não recebe mais o auxílio financeiro. Se a pessoa estiver estudando ou com problema de saúde, a pensão deve continuar sendo paga.  Se for incapaz, o pagamento é para toda vida.
Início do processo

Já que nunca teve relações com o pai, mesmo o procurando diversas vezes, Luciane ingressou na Justiça a ação por danos morais por abandono afetivo contra o próprio pai. “Nunca sentei no colo do meu pai, nunca recebi um carinho, um beijo, um abraço”, declara. “Usei os meus direitos ao entrar com o processo.” A partir de então pai e filha se cruzaram nos corredores do fórum, porém o homem nunca concedeu a conciliação.
Causa quase ganha

Pela primeira vez na história, o STJ definiu que o pai indenize a filha por abandono afetivo, pagando o valor de R$ 200 mil. A relatora do processo é a ministra Nancy Andrighi. O julgamento ocorreu em  24 de abril e o anúncio na quarta-feira.  “Estou muito feliz. O meu caso vai abrir a porta para pessoas que estão na mesma situação ou que não conhecem o pai.  Entrei na Justiça porque me senti excluída a vida toda, mas não tenho rancor dele. Foi feita a Justiça.” Segundo o advogado de defesa de Antônio, Antônio Carlos Delgado Lopes,  seu cliente não quer comentar o assunto, pois entrou com recurso por entender que deu assistência material.
Valor da indenização

Durante oito anos, Luciane e Antônio participaram de audiências. A professora perdeu a primeira instância. Os recursos foram feitos em São Paulo e a partir daí, ela teve sucesso no processo. O Tribunal de Justiça concedeGravidez indesejada pelo pai.
Após um longo relacionamento, Maria Olinda engravidou. Ela foi abandonada pelo pai de sua filha assim que descobriu a gestação. 

A mãe tinha  21 anos. Antônio tornou-se empresário de postos de combustíveis, conheceu outra mulher e casou-se, com quem continua até hoje. Com a esposa teve mais três filhos, dois homens e uma mulher.
indenização de R$ 415 mil. O empresário entrou com recurso e o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) determinou que fosse pago R$ 200 mil.
Gravidez indesejada pelo pai

Após um longo relacionamento, Maria Olinda engravidou. Ela foi abandonada pelo pai de sua filha assim que descobriu a gestação.
 
A mãe tinha  21 anos. Antônio tornou-se empresário de postos de combustíveis, conheceu outra mulher e casou-se, com quem continua até hoje. Com a esposa teve mais três filhos, dois homens e uma mulher.
Adoção

Os alicerces foram ao chão quando Maria Olinda perdeu os pais. O homem morreu em um acidente e a mãe se foi seis meses depois de tristeza. Ela  teve de batalhar para continuar criando Luciane que tinha apenas dois anos. As duas enfrentaram os piores momentos juntas. Sem lugar para morar, Maria Olinda  quase entregou a filha para a adoção em convento. “Minha mãe disse à freira que não desistiria de mim”, contou durante a coletiva cedida na manhã de ontem, no escritório de seu advogado, João Lyra Netto. Um amigo ofereceu abrigo em um hospital onde trabalhava. “Acho que era no Hospital Jardim das Acácias. Dormíamos perto do necrotério.” Elas  passaram por dificuldades para suprir necessidades básicas, como se alimentar.
 

Depois que a mulher conseguiu emprego como enfermeira a vida começou tomar um rumo diferente. Enquanto trabalhava, a menina ficava em uma creche.
Espaço vago preenchido

Aos 7 anos de idade, Luciane começou a frequentar a escola. Foi então que  percebeu a falta que fazia um pai. Nos Dias dos Pais, as atividades artísticas eram produzir lembracinhas aos genitores. “Meus coleguinhas me perguntavam se não tinha pai”, conta. “Levava o presente para a casa e dizia para minha mãe que não tinha para quem dar. Ela dizia: ‘dá para mim’. Ela foi minha mãe e meu pai.” No mesmo ano, Maria Olinda conheceu o metalúrgico Vanderlei com quem teve mais duas meninas. “Ele me cria como filha, mas aquele sentimento de rejeição do pai verdadeiro continua aqui.”
Momentos importantes

Ao completar a maioridade, aos 21 anos, Luciane perdeu a pensão alimentícia. Seu sonho sempre foi tornar-se professora. Para poder ingressar a faculdade de pedagogia pediu ao pai para que não cortasse a remuneração. Porém, ele não lhe deu ouvidos. Sua mãe sempre batalhou. Então,  quando tornou-se adulta seguia o único exemplo que teve por toda vida. “Enquanto os três filhos do casamento tinham tudo, eu tinha nada.” O advogado Lyra destaca que com a falta de ajuda para os estudos, Antônio também foi autor de abandono cultural.
 
Considerado um dos momentos mais importantes da sua vida, Luciane queria a presença do pai e o convidou para seu casamento com Fernando de Oliveira Souza. “Convidei meu pai para o meu casamento, queria a presença dele nos momentos importantes da minha vida, mas ele não foi.”
Rejeição
Luciane tornou-se mãe em 2006. Em um passeio com sua família, a professora se deparou com o pai em um restaurante. “Entreguei meu filho para ele com a intenção de apresentar o neto. Disse que ainda havia tempo para construirmos uma amizade. Ele rejeitou. Disse poucas palavras e foi embora.”
Sequestro 
A filha de Antônio gerada no casamento foi sequestrada em meados de 2002. Os criminosos pediram recompensa de R$ 5 milhões.

Herança
O filho que processa o pai continua tendo direito à herança, de acordo com o STJ.
12 
anos durou o processo de Luciane contra Antônio
200 
mil é o valor da indenização

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1 Comentários

  1. Boa tarde, estou fazendo um trabalho no meu curso de Direito aqui no Espirito Santo. Poderia por favor dizer a fonte da história de antes do processo, por exemplo da história que a mãe conta. Ou se você possuir mais informações sobre os antecedentes.
    Desde já agradecido.
    Vou ficar de olho aqui no blog esperando a resposta.
    Abraços
    Peter Leite Souza, estudante do 2° Período de Direito.

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