A cada dois dias, nasce um bebê com problemas de saúde gerados pela droga


Mulheres dependentes químicas acabam tendo uma gravidez considerada de alto risco pelos médicos


Daniela Jacinto
daniela.jacinto@jcruzeiro.com.br

Ela ficou grávida se prostituindo para fumar crack e não conseguiu interromper o uso após saber sobre a gestação. Foram cinco meses de gravidez consumindo a droga até se conscientizar e procurar ajuda. Acolhida pelo abrigo da ONG Lua Nova há duas semanas, P., 23 anos, engrossa a lista de mulheres com gravidez considerada de alto risco em Sorocaba. Aqui na cidade, nasce uma criança a cada dois dias com problemas ocasionados pelos efeitos das drogas no organismo, as ilícitas como maconha, cocaína e crack, e as lícitas como o álcool e o cigarro.
 
Dados dos cartórios apontam para aproximadamente 30 bebês nascidos vivos e registrados por dia no município. Com base nesses números estima-se que aproximadamente 1,6% do total de recém-nascidos no município são filhos de mulheres com dependência química. Todos os dias é possível encontrar pelo menos um bebê internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por causa de sintomas como problemas respiratórios, aceleração do batimento cardíaco, tremores e até mesmo convulsão como consequência das substâncias absorvidas através da mãe.

O número de mulheres dependentes químicas que faz o pré-natal em Sorocaba é subestimado, já que muitas não procuram por atendimento e outras não se declaram usuárias de drogas, mas todas as que procuram pelas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) nessas condições são encaminhadas para a Policlínica Municipal de Especialidades, que desde o início do ano até agora informa que atendeu 23 casos com essas características.

É possível imaginar o quanto esse número está subestimado comparando os atendimentos. Sorocaba conta hoje com 31 UBSs. Em apenas uma unidade, a da Vila Barão, foram atendidas este ano 12 gestantes com dependência química. A explicação para poucos casos chegarem à Policlínica é que grande parte não se dirige até lá para dar continuidade ao pré-natal. 

Conforme a médica pediatra Maria Laura Hannickel Prigenzi, docente de pediatria da PUC Sorocaba, especializada em neonatologia, e que trabalha na UBS do Jardim Lopes de Oliveira, na unidade neonatal do Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS) e na unidade neonatal do Hospital Santa Lucinda, tem mães que mantém a gestação sem fazer o pré-natal. "Às vezes tem casos que temos de fazer visita domiciliar porque elas fazem a primeira consulta e não dão sequência, e existe um serviço na UBS de tentar localizar essas mães, mas temos muitos casos que a mãe dá endereço falso, telefone falso", diz. 

Como trabalha na unidade neonatal do CHS, Maria Laura afirma que todos os dias tem bebês na UTI ou internados na unidade neonatal devido aos efeitos da droga no organismo. "Podemos dizer que nasce uma criança a cada dois dias com problemas ocasionados pelas drogas em geral", informa. Questionada se existe UTI para tantos bebês, ela esclarece que isso é possível porque nem todos precisam de ventiladores para uma assistência respiratória.
 
"Como a gente não sabe quais serão os efeitos da droga nessa criança, muitas vezes deixamos o bebê 24 horas, 72 horas em observação na UTI, que é o local que a gente consegue monitorar melhor essas crianças", esclarece. Ainda de acordo com a médica, alguns casos são de Sorocaba e outros da região. "Infelizmente a gente tem muitos casos sim, inclusive agora estamos com uma criança em estado bastante grave no Regional", diz. 

No hospital Santa Lucinda, onde também trabalha, a médica afirma que lá aparecem menos casos. "É porque lá são atendidos os casos de baixo risco. Normalmente quando as mães são usuárias de drogas referenciamos para as unidades de alto risco", esclarece. Quem procura as UBSs, portanto, recebe encaminhamento para a Policlínica, onde fará o pré-natal, e depois terá o seu bebê no CHS, no Santa Lucinda ou na Santa Casa. Os casos mais complexos, como prematuridade e má formação vão para o CHS e os de baixo risco para os demais.
 
"Uma situação como essa penaliza muito a gente porque são bebês que já nascem com o prognóstico reservado. A gente ainda não sabe a extensão dessa droga no bebê, o que sabemos é que nascem com insuficiência respiratória, tremores, sinais de agitação que parecem um quadro de abstinência pela droga", observa Maria Laura.
 
Afeta o desenvolvimento 
A médica pediatra Maria Laura Hannickel Prigenzi conta que já precisou fazer a assistência de um parto complicado. "A mãe tinha usado cocaína pouco antes de dar entrada na maternidade, em trabalho de parto. Talvez até a droga tenha induzido e o bebezinho convulsionou na sala de parto. Quando acontece isso é preciso dar medicação para cortar a convulsão. A medicação é um suporte para ver se o organismo consegue eliminar essas drogas, mas um bebê não tem o mesmo metabolismo que os adultos e às vezes evolui para um óbito", diz.

Maria Laura lembra que essa mãe que usa drogas, e não faz pré-natal adequado, em muitos casos não sofre apenas com as consequências das drogas em seu organismo. "Ela pode ter doenças como o HIV, sífilis, infecção urinária... Além disso a droga pode fazer com que ela entre em trabalho de parto prematuro, o que é mais complicado pois os bebês que nascem com menos de 20 semanas têm poucas chances de sobreviver".

Nos hospitais que a médica trabalha existe um suporte por parte da equipe de assistência social, que atua em conjunto com o Conselho Tutelar. "Quando suspeitamos de risco para o recém-nascido nós temos de avisar. Essa situação será analisada e em alguns casos, quando é constatado que aquela mãe não tem condições de criar a criança, ela perde a guarda. Então a criança sofre abandono além de tudo". 

A médica esclarece que quando se refere a mães usuárias de drogas está falando em crack, cocaína, maconha, álcool e cigarro. "Mas é claro que o crack e a cocaína apresentam sintomas mais evidentes", frisa. Para ela, o que mais chama a atenção quando nasce um bebê cuja mãe é dependente química, é o quadro neurológico. "O bebê não consegue fixar o olhar, tem uma agitação diferente do que se espera de um recém-nascido. A longo prazo a droga afeta o desenvolvimento dessas crianças, o aprendizado escolar", esclarece.

Maria Laura afirma que atua nessa área há 15 anos e na sua opinião nos últimos cinco anos houve um aumento bem importante de mulheres grávidas usuárias de drogas. "Talvez tenha aumentado o tráfico de drogas, mas o que posso dizer é que me sinto impotente. Estamos tentando ver qual é a melhor abordagem, tentamos minimizar, dar um conforto para essas crianças, evitar que o quadro se agrave... Uma mãe que usa drogas, por exemplo, não pode amamentar, então temos de providenciar a doação de leite. Em alguns locais temos banco de leite, mas tudo isso é algo que causa muita tristeza para a gente".

A médica afirma que é preciso desenvolver na cidade mais programas sociais. "É necessário rastrear onde tem foco de crack, onde estão essas pessoas, tentar localizar de onde está vindo essa droga, e desenvolver um trabalho de ajuda a essas pessoas. É complicado, um problema sério. Às vezes a droga está na vida da pessoa de uma forma que ela não consegue sair e por isso precisa de ajuda. A pessoa está com alterações importantes no organismo, como fará isso sozinha?", questiona.

Ainda conforme Maria Laura, é importante tentar entender por que as pessoas vão para as drogas. "Será que é por que estão desempregadas? Por que tiveram curiosidade em experimentar a droga? Temos de nos questionar como cidadãos. São pessoas abandonadas pela família? Será que Sorocaba está crescendo muito? Aumentou o índice de pobreza? Será que a população está vivendo em uma condição social adequada? O recém-nascido é uma vítima disso tudo, então entender por que isso está acontecendo é a melhor forma de lidar com a situação", acredita a médica. Para ela, essa não é uma questão só de saúde mas que envolve assistência social. "Acho que temos de fazer uma intervenção importante na cidade senão a coisa tende a se complicar."

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