'Libra não terá dinheiro do Tesouro'

Ministro diz que a estatal tem caixa para pagar sua parte no leilão, de pelo menos R$ 4,5 bi, e não vai precisar de ajuda


João Villaverde, Adriana Fernandes, Lu Aiko Otta e Marcelo Moraes - O Estado de S.Paulo
A Petrobrás tem totais condições de pagar sua parte bilionária no leilão do bloco de pré-sal do campo de Libra, que ocorre nesta segunda-feira, 21, e, por isso, não contará com nenhuma ajuda do Tesouro Nacional. A informação é do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que também é o presidente do conselho de administração da estatal do petróleo. "Não haverá qualquer interferência do Tesouro no leilão de Libra", assegurou Mantega, em entrevista exclusiva ao Estado, concedida de seu gabinete em Brasília.
Ministro Guido Mantega garante que o ano eleitoral não vai alterar a condução da economia em Brasília e arrisca que o PIB pode chegar a 4% - Dida Sampaio/Estadão
Dida Sampaio/Estadão
Ministro Guido Mantega garante que o ano eleitoral não vai alterar a condução da economia em Brasília e arrisca que o PIB pode chegar a 4%
Como, pelo regime de partilha da produção, que será inaugurado com a exploração do bloco de Libra, a Petrobrás vai deter no mínimo 30% do consórcio que vencer o leilão de segunda-feira, a estatal também terá de pagar, no mínimo, o equivalente a 30% do bônus de assinatura do contrato. O bônus foi definido em R$ 15 bilhões, e a parcela da Petrobrás será de pelo menos R$ 4,5 bilhões. "A companhia tem caixa para isso", disse Mantega.
Ao tirar qualquer possibilidade de o Tesouro auxiliar a Petrobrás, o ministro da Fazenda sinaliza com um objetivo maior, que é o de melhorar a situação fiscal do País. Principal alvo das críticas de economistas, investidores internacionais e agências de rating, a política fiscal brasileira tem sofrido, entre outros aspectos, pelos recorrentes repasses bilionários de recursos do Tesouro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na entrevista ao Estado, Mantega informou pela primeira vez a quantia que o BNDES receberá do Tesouro em 2013 - serão R$ 35 bilhões, ao todo.
Assim, um empréstimo de R$ 20 bilhões do Tesouro para o BNDES será autorizado nos próximos dias, uma vez que uma primeira parcela de R$ 15 bilhões já foi transferida em junho, por meio de aumento de capital do banco.
Mantega também falou sobre os rumos da política fiscal, garantiu que o ano eleitoral de 2014 não vai alterar a condução da economia em Brasília, e arriscou que o Produto Interno Bruto (PIB) do ano que vem pode crescer 4% caso a economia mundial melhore de forma mais consistente.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Muito tem se falado que, dada a situação de caixa da Petrobrás, por causa do congelamento do preço da gasolina e a obrigação de realizar investimentos, que o Tesouro Nacional poderia auxiliar a estatal no leilão de Libra. É verdade?
Absolutamente não. O Tesouro não dará nem nunca deu ajuda para a Petrobrás. Não cabe a ele fazer isso. O Tesouro não vai participar da operação de Libra, não tem por que participar. Na capitalização da empresa, em 2010, foi outra história. O governo vendeu 5 bilhões de barris à Petrobrás, e ela nos pagou por isso, em exploração. Mas não haverá qualquer interferência do Tesouro no leilão de Libra.
Mas, com as dificuldades de caixa, a Petrobrás terá condições de pagar pelo menos R$ 4,5 bilhões pelo bônus de assinatura do contrato? Isso se ela não superar os 30% de participação mínima, o que vai exigir ainda mais recursos...
Claro que terá condições. A Petrobrás tem caixa para isso, eu sei porque sou o presidente do conselho de administração da empresa. O caixa da Petrobrás tem várias dezenas de bilhões de reais. Não vou dizer quanto porque isso é confidencial. Mas posso dizer que o caixa da Petrobrás é semelhante ao de empresas do seu porte e magnitude. Ela tem caixa, e quando falta ela faz captações externas, para complementar as necessidades. Neste ano ela deve investir ao todo R$ 97 bilhões, e no primeiro semestre captou US$ 11 bilhões.
O leilão de Libra é muito criticado pela esquerda, porque ele representa a entrega do petróleo para multinacionais, e pela direita, que o considera estatizante, diante da participação obrigatória da Petrobrás. Como o sr. vê?
O leilão de Libra não é estatizante. Ele será fruto de uma parceria entre o setor publico e o privado, porque a Petrobrás não tem o monopólio como tinha no passado. Ela tem 30%, pode ter até um pouco mais, e deverá se juntar a grupos privados para a exploração desse poço maravilhoso que é um dos mais rentáveis do mundo. Para nós é importante não só pelo bônus, mas porque ele vai provocar um volume de investimentos inéditos, US$ 180 bilhões em 35 anos. Nos primeiros 10 anos, R$ 80 bilhões. Vai causar um grande estímulo para a economia. Vai ter que construir navios, barcos... O Brasil vai ser um grande produtor. Tem um grande potencial que vai ser aproveitado pelos brasileiros.
Um reajuste no preço da gasolina não daria uma folga para a Petrobrás? O controle do preço força a empresa a vender o combustível mais barato do que ela compra no exterior, certo?
Não há política de controle de preços, mas sim de ajuste, algo que se dá ao longo do tempo. Quando o câmbio sobe, a Petrobrás fica mais apertada, mas aí ele cai e isso dá uma aliviada. A gente sempre vem buscando aperfeiçoar esses modelos de preços. O câmbio foi a R$ 2,40 e em razão da crise na Síria, o preço do barril de petróleo também subiu. Mas agora o preço do barril caiu, e também a taxa de câmbio, então houve uma aproximação dos preços.
O sr. vem falando em mudança no papel e, principalmente, no tamanho do BNDES. Como será isso, e quando começará efetivamente?
Temos desenvolvido o mercado de capitais, que a meu ver é a melhor fonte de financiamento das empresas. Desde, é claro, que a Selic não esteja em patamar elevado, como houve nas últimas décadas, porque ela inviabiliza o mercado de capitais. Então uma reforma importante que nós fizemos foi baixar a taxa, e isso permite que o mercado de capitais ganhe força. Temos criado novos produtos, como um mercado forte de debêntures e também de FIDCs. O movimento da Bovespa aumentou dez vezes de 2002 para cá. A essa altura o BNDES pode diminuir o seu raio de ação e se concentrar no seu básico, no seu ideal. Em infraestrutura ele estará presente, mas temos conversado com todos os bancos privados e eles vão entrar na infraestrutura também. Há uma evolução no papel dos bancos privados. Então, estamos caminhando muito na expansão do mercado de capitais, e o BNDES vai ficar para trás. Você acha que eu gosto de dar subsídio para o BNDES? Isso afeta o Tesouro e me dá uma dificuldade maior para fechar as contas, e para nós fechar as contas é fundamental.
Ainda assim, um novo aporte do Tesouro ao BNDES terá de ocorrer nos próximos dias, para completar as necessidades para o fim do ano...
É verdade. Este ano vai chegar a R$ 35 bilhões, ao todo. Vamos seguir nossa trajetória de repasses menores, ano a ano. Foram R$ 100 bilhões em 2009, seguidos de R$ 80 bilhões em 2010, R$ 55 bilhões em 2011, e R$ 45 bilhões no ano passado. O BNDES deve ficar mais focado, e onde ele não for mais necessário, ele vai sair. Temos de dar condições do setor privado entrar.
O Brasil ainda precisa fazer superávit primário tão alto?
Temos sempre de fazer esforço fiscal, tem de ser permanente. Temos de entregar um superávit que seja suficiente para estabilizar e reduzir a dívida pública. Mas há flutuações na economia ao longo do tempo. Tivemos uma flutuação em 2012 a partir de um benefício que demos na economia. Fizemos muitas desonerações e isso pesou na nossa arrecadação, é claro. Agora, é importante ou não desonerar a folha de pagamentos, a cesta básica e outros itens? Todo mundo não reclamava dos tributos no Brasil? Aí faço desonerações e passam a reclamar que o superávit primário não foi o mesmo.
O sr. é favorável à proposta do seu ex-secretário executivo Nelson Barbosa, de criar uma banda para o superávit primário?
Sou tão favorável que ela já existe. A banda já está formalizada na LDO. Ela estipula que o superávit primário será de 3,1% do PIB, mas dele posso abater até determinado volume em investimentos e desonerações. Com isso, você sabe qual é a banda inferior e a banda superior da meta fiscal. Não é um sistema de banda? Já temos isso há muito tempo. Sempre estamos atentos à questão fiscal, aqui não tem moleza nem com a inflação nem com a política fiscal.
Essas medidas todas têm sido tomadas por causa dos alertas recentes das agências de classificação de risco, que ameaçam reduzir a nota do Brasil?
Eu não fico olhando para elas, não é isso que pauta a nossa política econômica. Seria ridículo. Nós fazemos a mesma política fiscal de sempre. Em alguns momentos tivemos dificuldades, e elas foram por causa das desonerações. Nós demos uma desoneração de R$ 50 bilhões no ano passado. Os Estados e municípios também fizeram um esforço menor. A situação vai melhorar.
A meta fiscal então será maior em 2014 do que em 2013?
Nós paramos de fazer desonerações, não haverá novas desonerações. O custo vai diminuir e a economia vai crescer mais, e quando ela cresce mais a arrecadação aumenta. Em 2012 a economia cresceu pouco, e minha arrecadação sofre quando crescemos apenas 0,9%. Agora vai crescer 2,5%, e continuamos em ritmo ascendente, então certamente 2014 será melhor em termos fiscais.
Dá para crescer mais que 3% no ano que vem?
É claro que dá. Mesmo sem grande recuperação da economia mundial, o PIB vai crescer 3% no ano que vem, e se houver uma boa recuperação pode chegar a 4%.
Como o sr. vê o horizonte para a taxa de câmbio e o papel do Banco Central?
O papel do BC é o de diminuir a volatilidade no mercado. O câmbio é flutuante, e ele deu sinais positivos nesse sentido. A turbulência arrefeceu, mas se o BC vai continuar ou não isso é assunto dele, não meu. Sei que aquele dólar a R$ 2,40 era um câmbio estressado. Espero que o mercado seja sábio e com a ajuda do BC deixe o câmbio em um patamar adequado.
A condução da política monetária e da política econômica como um todo pode mudar em 2014, por ser um ano eleitoral?
A gestão da economia não vai mudar. Quero deixar isso muito claro: em 2010, por exemplo, nós subimos os juros. Se precisar, sobe. Este ano, que já é quase eleitoral, os juros estão subindo. O que tem de ser feito, mesmo que não seja algo popular, será feito. Não nos pautamos pelo ciclo eleitoral.
Se o BC precisar elevar a Selic para dois dígitos, como ele sinaliza que precisará, ele vai poder?
Se ele precisar elevar, ele vai. Agora é preciso saber se ele quer elevar. O mercado é que está dizendo. Eu não vi o BC falar nada disso. Você viu o BC? Não confunda o BC com o mercado. Mas é claro que o BC tem a liberdade para fazer o que achar o necessário.

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