Brasil vai oferecer cidadania a pessoas que não têm nacionalidade

Governo vai incorporar à legislação do País a garantia de proteção a essas pessoas; estima-se que há 10 milhões de apátridas no mundo 



BRASÍLIA - O governo brasileiro vai oferecer cidadania a pessoas que, hoje, não tenham direito a nenhuma nacionalidade, os chamados apátridas. Depois de 60 anos da aprovação da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, aprovado pelas Nações Unidas, o Brasil finalmente decidiu incorporar na sua legislação a garantia de proteção a essas pessoas. 
Apenas 65 países assinaram a convenção sobre apatridia e um menor número adotou legalmente os princípios de proteção. Nas Américas, 20 assinaram, mas apenas o México inclui os apátridas na sua legislação sobre imigração. No momento, apenas o Brasil e o Uruguai preparam leis a respeito. "Podemos considerar que o Brasil está avançado. É um dos poucos que assinou as convenções. O fato de o governo brasileiro ter decidido incorporar à sua legislação é um passo muito significativo", afirmou André Ramirez, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados no Brasil (ACNUR). 
O projeto brasileiro determina que o Estado classifique como apátrida todas as pessoas que não sejam consideradas nacionais por nenhum país e conceda a elas a possibilidade de adotar a nacionalidade brasileira se assim o desejarem, estendida também a seus familiares. Além disso, se tiver sua condição reconhecida pelo governo brasileiro, mesmo que não queira adotar a nacionalidade do país, o apátrida terá os mesmos direitos de outros imigrantes que vivem legalmente no Brasil. 
A lei exclui dessa possibilidade pessoas que, mesmo sem nacionalidade reconhecida, tenham cometido algum delito grave antes de vir para o Brasil, crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade, ou tenham sido condenados criminalmente em caráter definitivo por algum tribunal nacional ou internacional "em atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas". 
O Conselho Nacional de Refugiados passará a ser de Apátridas e Refugiados e terá a função de analisar casos e determinar quem se enquadra nessa condição. O anteprojeto de lei, apresentado esta semana pelo Ministério da Justiça, foi encaminhado para a Casa Civil e deve ir ainda este ano para Congresso. 
Apátridas. O ACNUR estima que cerca de 10 milhões de pessoas no mundo não tenham nenhuma nacionalidade. As causas são várias. Muitos nasceram em países que hoje não existem mais - caso de nacionais da antiga União Soviética - ou são minorias que vivem dentro de territórios em que o Estado não os reconhece. Ou ainda são filhos de estrangeiros que nascem em países em que só se reconhece o chamado de jus sanguinis, o direito à nacionalidade passado pelo sangue, ao mesmo tempo que seus pais vêm de países em que apenas se reconhece o jus solis - em que só é cidadão os que nascem em seu território. 
Levantamento do ACNUR mostra que a Tailândia tem a maior quantidade de apátridas, cerca de 3,5 milhões. São originalmente de Myanmar, fugidos da ditadura militar, que perderam sua cidadania original mas não receberam o status de refugiados. Nepal, onde uma criança só recebe a cidadania se tiver mãe e pai nepaleses, e Myanmar, onde um grupo étnico do norte do país não tem direito à cidadania, vêm em seguida, com cerca de 800 mil apátridas. 
Mesmo o Brasil correu um grande risco de criar uma população de 200 mil crianças sem nacionalidade. Uma emenda constitucional de 1994 exigia que filhos de brasileiros vivessem no Brasil a partir dos 18 anos para ter direito à cidadania, o que deixaria apátridas milhares de crianças de famílias imigrantes que vivem em países que adotam o jus sanguinis. Uma alteração na lei, feita em 2007, permitiu que a cidadania fosse concedida aos filhos de brasileiros nascidos no exterior e registrados em postos diplomáticos.   

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