Justiça não autorizou doação de bens

Pelo menos duas das famílias prejudicadas devem entrar com ações na Justiça requerendo indenização


Míriam Bonora
miriam.bonora@jcruzeiro.com.br 


A doação dos móveis, eletrodomésticos e objetos pessoais de quatro famílias pela Nova Pirâmide Empreendimentos Imobiliários não tinha autorização da Justiça. A empresa é responsável pelos bens desde fevereiro de 2013, quando houve a reintegração de posse de um terreno no Jardim Iporanga 1, em Sorocaba, até então ocupado por 16 famílias. 

Depois da publicação de reportagem sobre a doação dos pertences, no jornal Cruzeiro do Sul, no último sábado (20), o juiz responsável pelo caso, José Carlos Metroviche, fez um despacho para explicar o que houve no processo. A reportagem não tinha conseguido contato com o magistrado nem acesso aos autos, que estavam sob posse dele na semana passada. 

No texto, remetido na segunda-feira (22), o juiz escreve que a Nova Pirâmide pediu judicialmente para que deixasse de ser a depositária fiel dos bens e que pudesse "destinar como convier os bens descritos nos autos de depósito", caso as famílias não se manifestassem em determinado prazo. Metroviche negou o pedido. "Fica a observação de que em nenhum momento este magistrado liberou a Nova Pirâmide do depósito dos bens, e nenhum momento foi determinado que a Nova Pirâmide efetuasse doação dos bens colocados em depósito. Se o fez foi por sua conta e risco", diz o despacho assinado pelo juiz. 

Os pertences de cinco famílias, que não tinham para onde levá-los, ficaram sob responsabilidade da Nova Pirâmide após a reintegração, e foram armazenados em um galpão na avenida Ipanema. Para retirar seus objetos, as famílias precisavam de uma autorização judicial, solicitada por um advogado. Uma delas conseguiu recuperar os bens ainda no ano passado. 

Outra família teve o pedido concedido pelo juiz, mas o oficial de justiça não encontrou o galpão na avenida Ipanema, em abril deste ano, para realizar a intimação. Duas famílias, do pedreiro Sebastião Luiz Gonçalves e Antonio Ramos, foram representadas pela primeira vez em agosto de 2013, com pedido para recuperarem os bens, mas a petição só foi apreciada este ano, com liberação do juiz remetida na sexta-feira (19). 

Por meio de seu advogado, a Nova Pirâmide afirmou que, com relação ao despacho proferido nos autos do processo, a empresa tomará as medidas judiciais necessárias. Por e-mail, a empresa não respondeu por que os bens das famílias foram doados sem autorização, nem porque não providenciou um novo local para armazená-los, já que o galpão onde estavam os objetos foi desocupado e demolido no ano passado, dando lugar a uma nova construção. 

O Grupo Ellenco, que havia respondido as questões da reportagem na semana passada, e também após a reintegração de posse, no ano passado, desta vez encaminhou as questões para os advogados da Nova Pirâmide e afirmou que é apenas contratada para execução de obras de infraestrutura. A reportagem fez contato com a Ellenco pois um funcionário da empresa é registrado como fiel depositário dos bens das famílias e já havia dado esclarecimentos anteriormente. 

Outro motivo é de que a Nova Pirâmide não possui qualquer registro na internet ou outros meios, como website e telefone para contato. Os advogados citados no processo também haviam sido procurados, mas não foram encontrados no escritório, por telefone. Foi localizado, no site da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), apenas o endereço da Nova Pirâmide, que tem sede em São Paulo, mas não há telefone de contato. 

Lentidão 

Sobre a demora em analisar a petição para devolução dos bens dessas duas famílias, Metroviche afirma em seu despacho que o pedido não foi analisado porque foi apenas juntado aos autos, sem "abertura de conclusão a este juízo e, como o processo é volumoso e com muitos detalhes, novas petições foram entrando aos autos, como a de fls.246 a 247 que foi despachada diretamente com este magistrado". 

O juiz relata que a advogada de Antonio e Sebastião deveria ter despachado diretamente com ele, mesmo procedimento realizado pelo advogado de uma outra família, que conseguiu a liberação dos bens no mesmo dia requerido. 

A advogada citada, que pediu para que seu nome não fosse divulgado, se defende relatando que protocolou a petição com pedido de urgência e que é obrigação do cartório em receber o documento, juntar e remeter a apreciação do magistrado no prazo legal, independentemente de quantas petições, réus ou volumes o processo tiver. 

"Com relação ao ato de "despachar pessoalmente" (no gabinete do juiz), esta não é uma atitude obrigatória. Não é justo que o advogado seja responsabilizado única e exclusivamente pela inércia e morosidade do Judiciário. Não é certo, principalmente, com o cidadão, maior vítima da lentidão", diz a advogada. 

Indenização 

Pelo menos duas das famílias que tiveram seus bens doados afirmaram que devem entrar com ação pedindo indenização por conta do ocorrido. O pedreiro Antonio Ramos, 44, já imaginava que os pertences não poderiam mais ser recuperados, diante do tempo em que os objetos ficaram no galpão. "Vou entrar com ação contra a empresa também por danos morais, pelo que nós passamos. Não pode ficar assim essa situação. Perdemos tudo o que era nosso". 

A dona de casa Isabel Mariano Gonçalves, esposa de Sebastião, diz que acreditava na possibilidade de ainda recuperar os bens, entre eles fotografias como o álbum de seu casamento, além de móveis, computador e livros que o filho usava para estudar. "Esta semana já vou atrás de um advogado para pedirmos indenização".

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