Onda de furtos ameaça patrimônio histórico do Cemitério da Consolação

Primeiro espaço público para sepultamentos da capital tem sido alvo de saques nos últimos meses; bandidos levam de peças de mármore a vitrais e estátuas



Onda de furtos ameaça patrimônio histórico do Cemitério da Consolação
"AE"
Primeiro espaço público para sepultamentos de São Paulo, inaugurado em 1858, e único tombado pelo patrimônio, o Cemitério da Consolação é alvo de uma onda de furtos que tem feito desaparecer parte de seus 156 anos de história. Algumas dezenas de obras de arte - esculturas em bronze, estátuas, vitrais do século 19 - que transformaram o local em ponto turístico oficial da cidade de São Paulo sumiram nos últimos meses. Entre os 22 cemitérios administrados pela Prefeitura, o da Consolação é o campeão no registro de furtos.
Parte desse tesouro que desapareceu estava exposta em túmulos de dois ex-presidentes da República, dos escritores Monteiro Lobato e Mário de Andrade e da pintora Tarsila do Amaral. Até portas de bronze e colunas de mármore Carrara de capelas com mais de cem anos, construídas por famílias que tiveram papel de protagonismo no início da industrialização paulista, estão sendo levadas pelos ladrões.
Desde janeiro de 2013, quando a administração do cemitério passou a fazer boletins de ocorrência para todos os casos de furto, já foram contabilizadas mais de 500 peças levadas - incluindo 216 portões de bronze de jazigos e capelas. Em um único dia - 23 de março deste ano - foram levados 45 portões de bronze.
É impossível andar mais de 20 metros sem observar um túmulo violado. Os "remendos" feitos muitas vezes só com tijolo e cimento em jazigos, sem nenhum acabamento, estão mudando a paisagem do cemitério tradicional. No lugar das portas de bronze com adornos em detalhes que remetiam à época cafeeira ou às iniciais dos sobrenomes das famílias estão agora sacos de lixo pretos, presos com fitas ou esparadrapo.
Da guirlanda dourada de Monteiro Lobato a uma porta com 200 quilos de bronze da família Jafet, jazigos de personalidades que ajudaram a fazer a história da cidade, indicados até em um guia de visitação da Prefeitura, têm sido a preferência dos ladrões. Alguns túmulos recém-furtados chegam a ficar abertos, com as caixas onde ficam os ossos dos mortos enterrados expostas para a observação de quem passa.
É nessa situação que o Estado encontrou, por exemplo, o túmulo do escritor modernista Mário de Andrade (1893-1945) na manhã da quinta-feira, por volta das 10 horas: completamente aberto e com as gavetas visíveis. É um dos jazigos indicados para turistas no encarte oficial da Prefeitura - as visitações com guias turísticos acontecem todas as terças e sextas-feiras no cemitério.
As lápides com o nome do escritor modernista e de seus parentes, dois vasos e duas estátuas também foram furtados do túmulo. Nos últimos três meses também foram registrados furtos nos túmulos dos ex-presidentes Campos Sales (1845-1913) e Washington Luís (1869-1957), do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), do jornalista e médico Líbero Badaró (1798-1830), do conde Armando Álvares Penteado (1884-1947) e do advogado Cásper Líbero (1889-1943).
Capelas. Outro alvo dos assaltantes têm sido as capelas construídas no final do século 19 por algumas das famílias mais tradicionais da cidade. Neste mês foram roubadas as portas em bronze das capelas mantidas pelas famílias Jafet, Crespi e Marzullo, com destaque na industrialização da capital, no início do século 20.
De dentro da capela os ladrões levaram lustres, estátuas, correntes e castiçais com mais de cem anos. Da capela mantida pela Beneficência Portuguesa foram levados vitrais italianos e pedaços de mármore branco do altar.
Mauro de Paula Custódio, de 73 anos, presta serviços para famílias donas de túmulos há meio século. Seu pai também era coveiro no local. "O cemitério está sumindo aos poucos. Já está tudo muito diferente de quando eu conheci aqui. Isso era um museu a céu aberto", disse o prestador de serviço.
Desmonte. "O cemitério está sendo saqueado. Estou vendo tudo sumir semana após semana, sem ninguém fazer nada", afirmou o advogado José Roberto Bernardez, de 47 anos. Proprietário de túmulo furtado e um "apaixonado pela história do cemitério", Bernardez tem cobrado da Polícia Civil e da administração do cemitério providências contra os furtos. "Mas nada acontece. Nesse último domingo (dia 20) furtaram mais de dez portas de bronze dos túmulos de novo."
Informado pela reportagem sobre o furto na capela de sua família, Basílio Jafet, de 57 anos, vice-presidente do Secovi (sindicato da Habitação), indignou-se. "É realmente lamentável. Muita história de paulistanos que construíram a cidade está ali. Dá vergonha de saber que estão roubando até peças de um local como um cemitério."
Os túmulos do coronel Silva Telles, do ministro Pedro Chaves e da família Bernardini (donos da Cutrale) também foram furtados. Até um busto em bronze com mais de cem quilos do túmulo do médico Otaviano Alves de Lima (que deu nome à Marginal do Tietê) foi levado. É até difícil encontrar um túmulo no cemitério que esteja 100% intacto. A maior parte deles já trocou a antiga porta de bronze por uma de granito. "Mas até as portas de granito o pessoal está roubando agora", disse um coveiro à reportagem.
No domingo passado, também tentaram levar uma guirlanda em bronze do mausoléu da Família Matarazzo, o maior da América Latina - tem três andares e 25 metros de altura do subsolo ao topo. Mas não conseguiram porque a peça estava presa à parede com soldas colocadas recentemente.

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