Água tratada de esgoto tem dobro do custo e será jogada em represa poluída

O projeto anunciado pelo governo estadual de tratar esgoto para consumo humano pode aliviar o impacto da crise hídrica a curto prazo, mas vai custar ao menos o dobro do que o tratamento convencional. Além disso, depois de a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) produzir a água de reuso de alta qualidade, com 99% de pureza, vai lançá-la em represas poluídas e reiniciar o tratamento antes de distribui-la à população.
O processo é uma exigência da legislação brasileira, que não tem regulamentação específica para a água de reuso e, por isso, impede seu uso direto.
A ausência de regra é uma das causas do encarecimento do sistema, mas não é a única. A tecnologia empregada no tratamento do esgoto e o elevado consumo de energia elétrica aumentam muito os custos em relação ao modelo usual, desenvolvido nas Estações de Tratamento de Água (ETAs).
Segundo levantamento feito pelo Estado com empresas e especialistas do mercado, cada metro cúbico (mil litros) de água de reúso vai custar ao menos R$ 4 à Sabesp, sem contar os investimentos iniciais na construção e na manutenção das Estações de Produção de Água de Reúso (Epars). Como efeito de comparação, a mesma quantidade de água tratada do modo convencional pelos sistemas existentes custa até R$ 2,10 - exemplo do futuro Sistema São Lourenço. A Sabesp não forneceu a comparação oficial.
"É o dobro do preço mesmo. Mas o problema é que não temos alternativa melhor a curto prazo. Além disso, a tecnologia usada hoje proporciona água ultrapura. O tratamento com base no uso de membranas permeáveis, superfinas, é capaz de remover micro-organismos, até mesmo íons. Não há nada mais moderno hoje", afirma Marcelo Zanini, diretor do Unigroup Brasil, especializado em tratamento de água e geração de energia sustentável.
Além do uso de membranas, a Sabesp planeja realizar ainda a chamada osmose reversa, ou por foto-oxidação, processo baseado em bombas de alta pressão capazes de eliminar as bactérias e vírus restantes (veja quadro abaixo). O funcionamento dos equipamentos exige alto consumo de energia elétrica, sendo, portanto, uma das etapas mais caras.
E é justamente esse gasto com eletricidade que pode dificultar, a longo prazo, a manutenção do sistema. Para o engenheiro de alimentos Edson Aparecido Abdul Nour, chefe do Departamento de Saneamento e Ambiente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a água de reúso "é tão boa que dá até dó de jogar na represa". Mas só a qualidade do produto não é suficiente para sustentá-lo.
"O custo da manutenção ainda tem de ser avaliado. Hoje nós temos facilidade para conseguir os recursos para a construção. Agora, financiar o gerenciamento da estação é mais complicado. Quando se faz água de reúso é preciso vendê-la para alguém", afirma.
Capacidade. Apesar de moderno, o modelo de Epar escolhido pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB) não é novo. Desde 2012, a Aquapolo, estação desenvolvida pela Sabesp e a Odebrecht Ambiental, já transforma esgoto em água de reúso. Instalada no limite de São Paulo com São Caetano do Sul, pode produzir até mil litros por segundo, quantidade capaz de abastecer 300 mil pessoas. Atualmente, porém, só atende ao Polo Petroquímico do ABC paulista.
O diretor-superintendente da Odebrecht Ambiental, Guilherme Paschoal, afirma que a Aquapolo poderia ajudar a recarregar as represas antes de dezembro de 2015, prazo estabelecido pelo Estado para o início das novas estações.
© Márcio Fernandes/Estadão
"Atualmente, usamos metade de nosso potencial por falta de clientes. Alguns estão em estudo, mas, se a Sabesp quisesse, poderíamos adiantar esse processo, e em outros mananciais, como a Represa Billings", diz Paschoal.

A Sabesp afirma que as duas estações que vai construir - uma na zona sul e a outra em Barueri, na Grande São Paulo - terão capacidade para produzir 3 mil litros por segundo, suficientes para abastecer 900 mil pessoas. Será um ganho, mas ainda pequeno perto da demanda. Só o Sistema Cantareira abastece 6,5 milhões de pessoas. A Represa do Guarapiranga, onde a água da Epar da zona sul será jogada, fornece água para 4,9 milhões de paulistanos.

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