TSE aprova com ressalvas conta da campanha de Dilma

Relator Gilmar Mendes afirmou que grande parte das irregularidades refere-se a gastos declarados.
BRASÍLIA – O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou nesta terça-feira com ressalvas a prestação de contas apresentada pela presidente Dilma Rousseff e pelo PT referente à campanha deste ano. O relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que grande parte das irregularidades apontadas pela equipe técnica do tribunal refere-se a gastos declarados muito depois da emissão do recibo correspondente, o que é proibido pela legislação. O ministro ponderou que a norma determinando a prestação de contas parcial entrou em vigor na eleição deste ano. Por isso, o tribunal poderia considerar a dificuldade das campanhas para se adequar à regra.
O ministro recomendou, no entanto, que os problemas detectados sejam enviados a órgãos competentes para a investigação de ocorrência de crime. A prestação de contas será encaminhada ao Ministério Público Federal, à Receita Federal, ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Secretaria de Fazenda Estadual de São Paulo e à Secretaria de Fazenda Municipal de São Bernardo do Campo.
— Voto pela aprovação com ressalvas das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff. Essa conclusão não confere chancela para impedir investigações futuras. Pelo contrário. As irregularidades devem ser investigadas — afirmou.
Os outros seis ministros concordaram com o relator. No voto, Gilmar ressaltou como um dos problemas mais graves na prestação de contas o fato de que a segunda maior fornecedora da campanha de Dilma ter como um dos sócios administradores uma pessoa que, até o ano passado, era motorista. O caso foi revelado pelo jornal “Folha de São Paulo”.
Localizada em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, a Focal Confecção e Comunicação Visual recebeu R$ 24 milhões da campanha. A empresa declarou serviços na área de montagem de eventos e teve notas fiscais apontadas como irregulares por técnicos do TSE.
— A conduta configura, em tese, crime de falsidade ideológica. Há indício sério de que houve crimes. Não se pode rejeitar a possibilidade dos serviços pagos não terem sido prestados. Foi a segunda maior prestadora de serviço da campanha, com R$ 24 milhões pagos. O valor sugere que os fatos merecem apuração — disse o ministro.
O órgão técnico do TSE apurou irregularidades em relação 13,88% dos gastos, correspondentes a R$ 48,5 milhões. Desse total, R$ 30 milhões teriam sido utilizados antes da primeira prestação de contas parcial, mas só foi declarado depois. Gilmar afirmou que, sem a prestação parcial das contas, o eleitor não tem acesso à movimentação financeira da campanha antes das eleições, o que seria uma forma de garantir transparência às candidaturas.
O ministro ponderou que, nas eleições de 2010, não havia a obrigatoriedade de prestar contas parciais. Ele lembrou que há julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) de casos semelhantes autorizando a entrega dos recibos apenas no fim do prazo, no fim de novembro. Para o ministro, não seria conveniente mudar a jurisprudência de forma tão brusca. O correto seria dar às campanhas o direito de se adaptarem à nova exigência.
— As contas prestadas parcialmente não refletem com precisão o efetivo movimento financeiro da campanha naquele momento. Os candidatos são obrigados a entregar à Justiça Eleitoral as prestações de contas parciais, com a discriminação da arrecadação e dos gastos realizados — disse Gilmar.
Último a votar, o presidente do TSE, ministro Dias Toffoli criticou as doações milionárias feitas por empresas a candidatos. Ele sugeriu a instituição de regra limitando esse tipo de contribuição a um valor específico, e não a um percentual do faturamento, como é hoje. O ministro também defendeu que haja limite nos gastos de campanha e também a prestação de contas na internet, para dar mais transparência às candidaturas.
A área técnica do tribunal apontou impropriedades em 5,22% das receitas declaradas pela campanha da presidente Dilma, que representam R$ 18,3 milhões. Os especialistas também detectaram irregularidades em 4,05% do valor arrecadado, ou R$ 14,18 milhões.
Horas antes do julgamento, o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, enviou parecer ao TSE recomendando a aprovação com ressalvas das contas de Dilma. O procurador afirmou que o documento elaborado pelos técnicos do tribunal apontando irregularidades na prestação de contas continha falhas. “Não se constatou na presente prestação de contas doações de fontes vedadas ou utilização de recursos que não tenham sido contabilizados. Quer-se com isso dizer não ter se verificado a presença de vícios graves que apontassem a prática de ilícitos eleitorais”, escreveu Aragão.
Sobre os R$ 30 milhões gastos pela campanha antes da primeira prestação de contas parcial, mas declarados depois, Aragão explicou que o regime contábil exigido pelo tribunal é diferente do adotado pelos candidatos. Para o tribunal, o gasto deve ser registrado no momento da liquidação. Para os candidatos, o registro deve ocorrer apenas quando o dinheiro é gasto. “Não seria correto exigir dos candidatos que declarassem na primeira parcial a contratação de bens ou serviços que sequer haviam sido liquidados”, observou Aragão. A defesa lançou mão do mesmo argumento em sustentação oral feita no plenário do TSE.
— A nota não é paga instantaneamente. Uma nota fiscal não paga representa efetiva comprovação de gastos? Desde quando? — questionou o advogado Arnaldo Versiani.
No início da sessão, Toffoli, reclamou da demora da presidente Dilma Rousseff em indicar um substituto para o ministro Henrique Neves para a corte. O mandato de Neves terminou em 13 de novembro. Na sessão de ontem, o ministro Admar Gonzaga atuou como substituto, porque não havia titular para a cadeira.
— Estamos aqui com seis titulares, deveríamos estar com sete. Não se pode ter esse menoscabo com o Poder Judiciário Eleitoral da nação brasileira. Há que se compor, escolhendo-se nas listas tríplices a tempo e a hora, os juízes para esse TSE — reclamou Toffoli.
O ministro afirmou que a lista tríplice com possíveis ocupantes da cadeira de Neves foi encaminhada há cerca de um mês pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O vice-presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, reforçou o pleito em nova reunião com Cardozo.
A situação ficou particularmente delicada porque Neves foi sorteado relator do processo de prestação de contas de campanha de Dilma. Como não houve recondução à tempo, ou preenchimento da vaga por outro ministro, o caso teve de ser sorteado novamente. O processo foi reencaminhado a Mendes.
O novo sorteio foi alvo de recurso da Procuradoria Geral Eleitoral. O órgão argumentou que não deveria ser feito outro sorteio porque, segundo o Regimento Interno, o processo deveria ser encaminhado a outro integrante do TSE nomeado na vaga da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A vaga ocupada por Neves era da cota da OAB e a de Gilmar, do STF.
Toffoli negou o recurso em plenário. Afirmou que cabe ao presidente do TSE fazer novo sorteio nesses casos. E criticou o recurso apresentado pela Procuradoria, com o tom de voz alterado.
— A redistribuição foi realizada mediante sorteio eletrônico entre todos os ministros, de acordo com a regra do Regimento Interno — declarou.
Mendes estava ainda mais irritado e insinuou que a Procuradoria agiu com interesse político.
— Não há notícia nas mesmas condições, observando as normas regimentais, de que a Procuradoria Geral tenha agravado em situação semelhante. E por que fez isso? Por que se interessava em um processo, e não em outro? Estava a defender a ordem jurídica, ou estava a defender interesses específicos? E se estiver a defender interesses específicos, está impedida de fazer. Não poderá ter assento aqui. Assuma a postura de advogado. De advogado, o candidato não precisa, tem toda essa gama de advogados — disse, olhando para os defensores contratados por Dilma presentes à sessão.
O ministro disse que o recurso era “totalmente incabível” e que o tribunal poderia estar julgando algo importante, em vez de se debruçar sobre a questão. Mendes defendeu o “impeachment contra a burrice”, referindo-se ao autor do recurso. Quando concluiu o voto, mais tarde, o ministro retomou o assunto, dizendo que não fazia questão alguma de relatar o processo por motivação política.
— É preciso que haja respeito. Se eles (que insinuaram interesse político na relatoria) não têm respeito próprio, que respeite o outro — protestou.

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