Sorocaba fica vulnerável às chuvas

A alta impermeabilização do solo é um dos fatores que contribui com o aumento de alagamentos
Regina Helena Santos
regina.santos@jcruzeiro.com.br 

A falta de planejamento da administração pública, ao longo de décadas, fez com que Sorocaba se tornasse vulnerável às catástrofes urbanas causadas pelo clima. Nos primeiros meses deste ano, a tão esperada chuva chegou, porém com índices bem abaixo dos esperados para o período. Ainda assim, no início de março a cidade assistiu a cenas que a maioria dos sorocabanos comenta não se lembrar de ter visto, como o trasbordamento do córrego Itanguá, com uma força de águas que carregou um homem enxurrada abaixo, e o alagamento das pistas das avenidas Antonio Carlos Comitre e Barão de Tatuí, na região do Campolim.

Dentre todos os fatores que fazem a diferença na hora de enfrentar uma forte chuva, a alta impermeabilização do solo é um deles. Segundo o coordenador do curso de gestão Ambiental da Universidade de Sorocaba (Uniso), Nobel Penteado de Freitas, uma área impermeabilizada, ou seja, forrada de cimento ou qualquer tipo de construção, não deixa a água infiltrar e faz com que o resultado da chuva chegue muito mais rápido no curso d"água. "Imagine a água da chuva correndo no meio da floresta e no asfalto, qual corre mais rápido?", exemplifica. 

Em Sorocaba, o percentual mínimo de permeabilidade de solo, por imóvel, é estabelecido pelo Plano Diretor e só foi instituído a partir de 2004 - antes disso, não havia qualquer exigência por parte da legislação. O plano em vigor até o ano passado determinava o mínimo de 10% de área permeável para todos os imóveis instalados em terrenos superiores a 500 metros quadrados da Zona Central (ZC), Zona Predominantemente Institucional (ZPI), Zona Residencial 1, 2 e 3 (ZR1, ZR2 e ZR3) e Zona Industrial (ZI). Com a aprovação da revisão do Plano Diretor, a partir de agora a permeabilidade destas áreas deve ser de 5% para terrenos com até 200 metros quadrados, 10% para aqueles com metragem entre 200 e 499 metros quadrados e 20% para terrenos com área superior a 500 metros quadrados. A ZI foi a única que se manteve com índice mínimo de 10%, independente de sua metragem. "A gente vem ajustando de acordo com a dinâmica da cidade", falou o arquiteto João Luiz Areas, que atuou no processo de revisão.

Se, por um lado, o novo Plano Diretor aumentou a exigência de manutenção de áreas para infiltração de água de chuva nas zonas residenciais e industriais, nos Corredores de Comércio e Serviço (CCS), o índice que era de 20% para terrenos com área superior ou igual a 500 metros quadrados foi reduzido a 10%. E na Zona de Conservação Ambiental (ZCA), a permeabilidade exigida de 80% caiu para 20%. Para os ambientalistas, estes índices, somados à redução da área rural do município - de 80,22 quilômetros quadrados para 64,08 quilômetros quadrados - são fatores que só irão prejudicar ainda mais a permeabilidade do solo em Sorocaba. "Não podemos responsabilizar o novo Plano Diretor pelos alagamentos de hoje, mas em alguns pontos ele possivelmente será um agravante, numa situação que já não é adequada para o que se espera de sustentabilidade com relação às estruturas de escoamento superficial em áreas urbanas densamente povoadas. O plano diretor anterior foi omisso, a verdade é essa", acredita o engenheiro ambiental da Unesp, Roberto Wagner Lourenço. "Quando Sorocaba teve um "boom" de crescimento, a partir de 2002, esse momento deveria ter sido acompanhado de políticas rígidas para organização e planejamento estruturado das regras ambientais do uso do solo. O problema é que o Plano Diretor deixar de tratar ou trata superficialmente alguns destes temas importantes."

Os arquitetos João Luiz Areas e Michele Bossolan, da Prefeitura, defendem que a revisão do Plano Diretor apresentada e aprovada em 2014 preserva ainda mais as áreas que precisam ser cuidadas. Eles argumentam que houve um entendimento equivocado em relação aos espaços destinados às Zona de Conservação Ambiental (ZCAs), que aumentaram. Eles explicam que antes a lei previa a preservação de uma faixa de 250 metros dos dois lados dos leitos de rios e córregos, por exemplo, porém com 50 metros deste total como APP. O novo plano, dizem, aumentou a APP em 150 metros. "Temos que lembrar que os 150 metros de APP é totalmente permeável. Demos função bem maior desta área de APP, possibilitando a cobertura vegetal para recomposição de mata ciliar", disse Areas. A mudança, alegam, fez a área de ZCA nos entornos de rios e córregos cair de 20,88 quilômetros quadrados para 11,58 quilômetros quadrados. Porém, em contrapartida, apresentam que as APPs, nestas áreas, subiram de 5,01 quilômetros quadrados para 12,22 quilômetros quadrados.

Segundo especialistas, o problema é mais amplo
Segundo especialistas em clima, meio ambiente e planejamento urbano, as ações para conter as enchentes e alagamentos, num município, vão além da manutenção de áreas permeáveis. Elas estão diretamente ligadas à falta de planejamento do crescimento das cidades ao longo das décadas, já que, muito antes das leis, a população sempre se abrigou próximo aos rios e córregos, para garantir acesso mais fácil à água. De acordo com Nobel, a má situação de conservação dos mananciais e da bacia hidrográfica dos rios - no caso, o Rio Sorocaba - é fator predominante para que uma cidade do tamanho de Sorocaba comece a sofrer os impactos do clima. "No caso da região do córrego Itanguá, por exemplo, a bacia está praticamente toda impermeabilizada. Mesmo com uma zona rural próxima, neste caso específico não vai mais ajudar muito."

O engenheiro civil e professor da Faculdade de Engenharia de Sorocaba (Facens), Marco Pontes, concorda que não dá para pensar apenas em zona rural. "Como elas estão mais afastadas da cidade, têm um escoamento mais localizado. Temos é que preservar as áreas próximas aos rios, onde vamos receber essa água. Se fizermos isso, pode até diminuir a área rural, mas continuará havendo um escoamento melhor. É o que não foi feito no Centro, que cresceu, invadiu Áreas de Proteção Permanente (APPs), as pessoas não respeitam. Não discutimos os recursos naturais de forma adequada em determinadas fases do crescimento da cidade." 

Os cuidados com os mananciais que abastecem o Rio Sorocaba e estão na área do município são estabelecidos pelo Plano Municipal de Macrodrenagem Urbana, datado de 1998 e que norteou ações da administração municipal como as construções das bacias de contenção do Parque Campolim, do Parque das Águas e a obra da bacia projetada para a região do cruzamento das avenidas Washington Luiz e Visconde do Rio Branco - parada há alguns anos. Segundo João Luiz Areas, este plano deve ser atualizado em breve. "A gente consegue preservar onde a urbanização ainda não chegou. Do contrário, teria que indenizar toda a cidade, demolir tudo, o que é impraticável", falou Areas. Segundo ele, a mudança na legislação das ZCA irá ajudar a preservar o entorno do Rio Sorocaba entre a região do Ibiti do Paço e a divisa com Iperó, além das regiões do Córrego Tapera Grande e Rio Pirajibu.

Canalização

Em Sorocaba, situações como a canalização dos córregos Supiriri e Lavapés, que cortam regiões totalmente urbanizadas, são exemplos de como a falta de preocupação com a proteção dos mananciais, no passado, tem papel direto na má estrutura que a cidade tem hoje para conter uma chuva muito forte. "A canalização resolveu a situação das cheias, até porque o entorno já estava todo urbanizado. Mas, por estar pavimentado, isso aumenta a velocidade com que a água chega ao Rio Sorocaba", falou Nobel, que já visualiza sérios problemas na marginal que a Prefeitura anunciou que deve construir às margens do córrego Itanguá - o mesmo que transbordou de maneira intensa durante as chuvas do início de março. "Uma obra como essa não é adequada. A própria rodovia é mais área impermeabilizada, mais água ainda para chegar no rio. Obras assim facilitam as pessoas chegarem mais perto, construções irregulares, além de ser uma fonte de poluição enorme para o curso de água. A cidade pode esta com todo o esgoto coletado, quando chove a água lava o asfalto e leva para os rios e córregos restos de óleo, gasolina, sujeira."

Postar um comentário

0 Comentários