Batalhadora por lei detona: “Decisão do STF corrobora a corrupção. Dilma é exceção, será uma ficha limpa punida por fichas-sujas”

22 de agosto de 2016 às 09h53

VIOMUNDO
Jovita e o STF - novo
por Conceição Lemes
Câmara dos Vereadores ou Tribunal de Contas municipal é o órgão competente para julgar as contas de prefeitos? Desaprovação pelo Tribunal gera inelegibilidade, como estabelece a Lei da Ficha Limpa?
Em sessão realizada em 10 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim a esses questionamentos.
Por 6 votos a 5, o STF decidiu que é exclusivamente da Câmara de Vereadores a competência para julgar as contas de prefeitos. Cabe ao Tribunal de Contas apenas auxiliá-la, emitindo parecer prévio e opinativo, que somente poderá ser derrubado por decisão de 2/3 dos vereadores.
O ministro Gilmar Mendes logo saiu atirando: “Parece que [a lei] foi feita por bêbados”.
Investida que convém a Michel Temer (PMDB), inelegível justamente por conta da lei, atentou oGGN:
O ataque de Gilmar Mendes à Lei da Ficha Limpa vem em momento muito oportuno para o grupo que incentiva a candidatura de Michel Temer (PMDB) em 2018, caso seu governo tenha sucesso o bastante para tentar uma reeleição.
“Vergonha!”, diz, indignada, Jovita Rosa. “Com essa decisão, o STF corrobora a corrupção, será conivente.”
Jovita Rosa participou ativamente da criação da Lei da Ficha Limpa. Ela preside o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), entidade que faz parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Viomundo – O que achou da declaração do Gilmar Mendes sobre a Lei da Ficha Limpa?
Jovita Rosa — O sonho nos embriaga, a democracia nos embriaga, o controle social nos embriaga, a mobilização nos embriaga, a transparência nos embriaga, a probidade nos embriaga. O Brasil sem corrupção nos embriaga. Quem dera que essa embriaguez contagiasse, ao menos, todos os ministros do STF e todo o Congresso Nacional.
Se, ao longo do tempo, a Justiça eleitoral tivesse levado em conta a vida pregressa dos candidatos, não teria necessidade de a sociedade se mobilizar para construir essa lei que tanto nos embriaga (risos).
Viomundo — Por que a decisão do STF corrobora a corrupção?
Jovita Rosa — Mais de 80% das inelegibilidades decorrem de contas rejeitadas na forma que está previsto na Lei da Ficha Limpa.
O julgamento um Tribunal de Contas é técnico, seguindo o relatório de auditor que realizou uma verificação in loco. O julgamento do legislativo é político, sendo raríssimo ele seguir as recomendações dos tribunais.
Viomundo – O que prevê a Lei da Ficha Limpa?
Jovita Rosa — Quando elaboramos o texto, pensamos que dentre as causas de inelegibilidade estaria também aquele gestor, que no uso de seu cargo, desviasse recursos públicos e tivesse as contas rejeitadas pelo órgão de contas, ou seja, um Tribunal de Contas.
Sabendo que nem sempre o Tribunal de Contas, em seu plenário, segue as recomendações dos auditores que realizaram as verificações in loco, a Lei, na sua alínea g, é explícita:
os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; “
A Lei da Ficha Limpa dispõe sobre o que já estava previsto na Constituição Federal de 1988: a inelegibilidade como decorrência da análise desfavorável da vida pregressa de candidato. Enfim, a lei só regulamentou o que estava previsto e ninguém seguia.
Viomundo – Mas em que medida a decisão do STF é conivente com a corrupção?
Jovita Rosa — Os tribunais de contas analisam as contas dos gestores e dão parecer sugerindo a aprovação ou rejeição delas. Acontece que as câmaras de vereadores muito raramente acatam esse parecer. Geralmente, fazem um julgamento político de conveniência, muitas vezes regado de barganhas.
Veja bem. Nós sabemos que a rejeição de contas por uma Câmara de Vereadores de um prefeito ordenador de despesas é tão rara como o cometa Halley.
Logo, o STF, quando diz que quem deve julgar as contas é o legislativo, corrobora com a corrupção, pois já sabermos, de antemão, que raramente a punição ocorrerá.
O julgamento do legislativo é político. O de um Tribunal de Contas é técnico, em tese, mesmo que tenha indicações políticas nesses órgãos.
Viomundo – Mas o julgamento de um Tribunal de Contas também é político. A prova maior disso foi o julgamento das contas da presidenta Dilma pelo TCU, concorda?
Jovita Rosa — Sim, o coletivo de ministros dos Tribunais de Contas tem suas indicações políticas, mas também tem um contraponto: os nomeados “de carreira”, que são técnicos.
Isso dá um pouco de equilíbrio, mas mesmo assim ainda vemos julgamentos políticos.
Viomundo – O que seria o correto na sua avaliação?
Jovita Rosa -- O correto é permanecer com o julgamento dos tribunais de contas, para fins de inelegibilidades, conforme prevê a Lei e isso evita muitas negociações, “mensalinhos e mensalões”.
Veja bem. Suponhamos que a gente faça, por exemplo, uma auditoria numa secretaria de saúde e constate que o gestor desviou R$ 20 milhões que seriam para a compra de medicamentos.
Nós redigimos um relatório, encaminhamos ao gestor auditado para que ele justifique aquele valor, pois realizou a despesa e não comprovou com o quê.
Ele tem quinze dias, prorrogáveis para essa justificativa. Ele é notificado a devolver aquele valor. Se não o faz, abre-se uma Tomada de Contas especial onde é identificado o gestor, data do fato gerador e quantificado o dano.
Encaminha-se, então, ao Tribunal de Contas da União.
No TCU, o gestor é notificado. Se quiser, ele pode apresentar os comprovantes que desejar. Se não o faz, ele será julgado.
Acontece que esse processo é muito lento, dura de 5 até 10 anos para chegar a julgamento. Aí, ele é condenado e recebe uma multa de 2% do valor desviado, ou seja, altamente lucrativo.
Depois desse julgamento é que se entra na Justiça para tentar recuperar esse valor de volta aos cofres públicos.
Daí, a Lei da Ficha Limpa. Ela diz: esse cara vai ficar inelegível por oito anos a partir da data em que foi julgado.
Só que, agora, vem o STF e diz: nada disso, quem vai fazer esse julgamento será o legislativo em cada esfera de governo, o que é a coisa mais rara acontecer.
Viomundo – A decisão em relação à presidenta Dilma foi uma exceção nas esferas de julgamento?
Jovita Rosa — Quem analisou as contas do governo da Dilma e constatou que houve as malditas e falsas pedaladas foi o TCU.
Uma avaliação equivocada, como já está cabalmente demonstrada. Mas o julgamento coube à Câmara Federal que, utilizando desse artifício, abriu o processo de afastamento.
Viomundo – Mas o parecer do TCU sobre as contas da presidenta Dilma não foi meramente técnico. Foi político também, dando brecha para Câmara fazer o que fez.
Jovita Rosa – Lamentavelmente, uma exceção. Será uma ficha limpa punida por fichas-sujas.

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