A dura aprendizagem de Glen Greenwald sobre a mídia brasileira

viomundo

24 de setembro de 2016 às 14h47
  
da Redação
Logo depois da eleição presidencial de 2006, o repórter Rodrigo Vianna foi informado pela TV Globo de que não teria seu contrato renovado.
O jornalista sentou-se diante de um computador da redação de São Paulo para escrever uma carta de despedida. Um preposto dos irmãos Marinho pretendia expulsá-lo às pressas, mesmo tendo Rodrigo uma longa carreira de bons serviços prestados à emissora e da excelente relação pessoal com repórteres, editores e colegas em geral.
Hoje apresentador do Bom Dia Brasil, Chico Pinheiro interveio, sugerindo ao preposto que permitisse a despedida.
Aquela carta se tornou pública e continha afirmações graves: Rodrigo denunciou que, na campanha presidencial de 2006, a Globo não tinha se comportado de maneira isonômica com os candidatos. Tentou prejudicar o então presidente Lula, que disputava a reeleição.
A Globo respondeu oficialmente à carta de Rodrigo. Seguiu-se intensa polêmica.
Olhando em retrospectiva, aquele foi um alerta importante. Apesar da história de omissões e manipulações da Globo ser antiga e imensa, nunca uma denúncia havia sido feita com tanta força — e por uma testemunha ocular — através das nascentes redes sociais.
Ou seja, atingiu um imenso público em todo o território brasileiro, via internet. Com isso, milhares e milhares de pessoas tomaram para si a tarefa de monitorar a Globo e fazer suas próprias denúncias.
É um dos motivos pelos quais, nas manifestações de hoje, não faltam cartazes denunciando o caráter partidário, não isonômico, do jornalismo da emissora.
Agora, aos poucos, essa massa crítica vai se tornando internacional, graças aos correspondentes internacionais baseados no Brasil.
O caso mais recente — e grotesco — foi o da completa omissão da confissão de Michel Temer, feita em Nova York, de que o motivo para o impeachment de Dilma Rousseff foi o fato dela não ter aderido ao programa Ponte para o Futuro, do PMDB, de cunho neoliberal.
Não saiu absolutamente nada na Globo — nem em qualquer outro veículo brasileiro.
A colunista conservadora Lucia Guimarães, do reacionário Estadão, ainda tentou desqualificar a denúncia do Intercept.
Foi isso o que mudou desde a denúncia de Rodrigo Vianna em 2006: depois de praticamente banir os que pensavam diferente das redações, numa verdadeira limpeza ideológica,  as empresas passaram a formar e promover uma verdadeira legião de militantes políticos que se apresentam como jornalistas imparciais ou comentaristas neutros.
Porém, além das redes sociais temos agora jornalistas estrangeiros radicados no Brasil, como Glen Greenwald, para testemunhar e denunciar:
Grande mídia ignora confissão de Temer, exceto por acusação falsa de colunista do Estadão
Ontem, Inacio Vieira do The Intercept Brasil expôs uma das mais significativas provas das verdadeiras motivações por trás do impeachment da presidente eleita, Dilma Rousseff. Em palestra para um grupo de empresários e dirigentes da política externa americana, o atual presidente, Michel Temer, admitiu que não foram as pedaladas fiscais que deram início ao processo de impeachment, mas a oposição de Dilma à plataforma neoliberal, composta de cortes em programas sociais e privatizações, proposta pelo PMDB.
Mas o que é ainda mais revelador do que o casual reconhecimento das motivações golpistas de Temer é como a grande mídia brasileira — unida em torno do impeachment — ignorou completamente o comentário do presidente. Literalmente, nenhum dos inúmeros veículos do Grupo Globo, nem o maior jornal do país, Folha, e nenhuma das revistas políticas sequer mencionou os comentários surpreendentes e incriminadores de Temer. Foi imposto um verdadeiro apagão. Enquanto diversos jornalistas e sites independentes abordaram a admissão do recém-empossado, nenhum dos grandes veículos de comunicação disse uma só palavra.
A única exceção à cortina de silêncio que se fechou foi a colunista do Estadão, Lúcia Guimarães, que investiu horas no Twitter humilhando-se, num enorme esforço em negar que Temer havia dito o que disse. Começou por insinuar que o The Intercept Brasil teria feito um “corte” suspeito no vídeo que alterava sua genuinidade — basicamente acusando Inacio Vieira de cometer uma fraude — sem apresentar nenhuma prova quanto a isso. Tudo em função de proteger Temer.
Após um colunista da Folha enviar um link para o vídeo completo, Lúcia escreveu que só poderia acreditar que Temer havia feito a afirmação quando visse os drives originais das câmeras exibidos simultaneamente. Ela acrescentou que o que torna suspeita a reportagem é o fato de Temer ser um autor de um best-seller de direito constitucional, que não diria um “despautério” desses. Apenas quando a transcrição oficial completa do Palácio do Planalto foi publicada, a colunista finalmente admitiu que Temer havia dito a tal frase, mas, em vez de retratar as acusações falsas ou se desculpar com Inacio Vieira e com o The Intercept Brasil por ter sugerido que o vídeo teria sido fraudado, ela apenas publicou a parte relevante do discurso de Temer, como se ela mesma tivesse descoberto a citação e estivesse informando seus seguidores. Mesmo após admiti-lo, a jornalista alegou de forma ligeiramente amargurada que os oponentes do impeachment estavam transformando a questão em um carnaval e comemorando a revelação.
Mesmo tento sido forçada a fazê-lo por ter se complicado para defender Temer, ao menos uma colunista do Estadão reconheceu a existência de uma reportagem de tamanha importância. O resto da grande mídia brasileira a ignorou por completo. Imagine a seguinte situação: o recém-empossado presidente de um país admite para uma sala repleta de oligarcas e imperialistas que ele e seu partido deram início ao processo de impeachment da presidente eleita por razões políticas e ideológicas, e não pelos motivos previamente alegados. Toda a grande imprensa brasileira finge que nada aconteceu, se recusa a informar os brasileiros sobre a admissão do presidente e ignora as possíveis repercussões sobre o caso do impeachment.
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