Estudante faz sua defesa à Comissão de Inquérito da UFPE: “Vocês são apenas o braço de um governo ilegal”

viomundo

18 de fevereiro de 2017 às 01h44

  
UFPE 3
À esquerda, com microfone na mão, o estudante Leon de Sousa, um dos líderes das ocupações na UFPE
Da Redação
Em  fins de 2016, durante 62 dias, estudantes ocuparam os centros de estudos de várias unidades da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Em defesa da escola pública e gratuita, o movimento começou no campus de Vitória do Santo Antão.
Depois, rapidamente se espalhou para os do Agreste, em Caruaru, e os do Recife, na Cidade Universitária, onde foram ocupados os centros de estudos das faculdades de Filosofia e Ciências Humanas, Artes e Comunicação, Educação, Biociência, Ciências Sociais Aplicadas e Educação Física e Desportos.
As reivindicações combinavam a pauta local com a luta nacional contra a PEC 241/55 (que lá os estudantes chamam da PEC da Desgraça contra a Educação e Saúde), os projetos da Escola Sem Partido e da terceirização ilimitada, as reformas do ensino médio, trabalhista e da previdência.
Entre as pautas locais: garantia do direito à permanência estudantil (contra os cortes nas bolsas e o aumento no preço do restaurante universitário; abertura de contas na instituição; fim da criminalização da política na UFPE, com o desmantelamento do serviço de inteligência interno e a extinção dos processos contra estudantes.
Em 13 de dezembro, com a aprovação da PEC da Desgraça pelo Senado, o movimento perdeu força. Em 29 de dezembro, terminou pacificamente, com os estudantes devolvendo as unidades ocupadas.
Após vistoria por membros do Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e movimento dos “Juristas pela Democracia”, foi assinado um acordo entre essas instituições, os alunos e a reitoria da UFPE.
O reitor Anísio Brasileiro garantiu que não haveria retaliações, mas não cumpriu a promessa.
A reitoria instalou uma Comissão de Inquérito Administrativo para investigar um episódio de arrombamento, depredações e furtos no centro da faculdade de Artes e Comunicações.
Curiosamente, a reitoria “escolheu” seis alunos que lideraram a ocupação.
Nessa segunda-feira (13/02), foram ouvidos pela Comissão de Inquérito que, inicialmente,  quis barrar a entrada deles, alegando que bastava a presença do advogado.
A advogada Raquel Oliveira Sousa, que também é mãe do estudante Leon, exigiu a presença dos seis.
O presidente da comissão “permitiu desde que não fizessem baderna”! E eles entraram.
Curiosamente, também, o secretário da Comissão de Inquérito não transcreveu as respostas favoráveis aos estudantes dadas por uma  professora ouvida como testemunha. Ela que disse, por exemplo, que “eles eram muito zelosos”, “nunca tinha visto os prédios tão limpos”.
Abaixo a defesa apresentada por Leon Sousa, estudante de Artes e Comunicações, à Comissão de Inquérito Administrativo da UFPE, na segunda-feira, 13 de fevereiro:
“Nesta Terra de Pernambuco, para cada Caetano Pinto de Miranda Montenegro, sempre houve um Frei Caneca.
Eu me recuso a reconhecer a legitimidade desta Comissão para me julgar: vocês são apenas o braço de um Governo Ilegal, Ilegítimo e detestado pela imensa maioria dos Brasileiros, que intenta nos calar instalando um Estado de Exceção.
Responderei pelos meus atos perante os Juízes do Brasil, expressão legal e legítima do Poder Judiciário, não perante vocês.
Há algo que é pior: nenhum de vocês foi obrigado a integrar esta Comissão. Todos vocês tinham a opção de dizer não.
Se vocês estão aqui hoje, é porque, de maneira consciente e deliberada, decidiram servir àquele Governo Ilegal e Ilegítimo no seu intento de calar as vozes que se revoltam contra a Destruição da Universidade Pública.
Muitos outros já fizeram antes o papel a que vocês se prestam hoje.
Hannah Arendt dedicou a gente como vocês um livro fundamental, o Estudo Sobre a Banalidade do Mal.
Meus pais me deram o nome de Leon em homenagem ao Grande Lutador Leon Trotsky. Eu vou honrar esse nome. Por isso, não esperem que eu baixe meus olhos perante vocês.
Em lugar disso, eu vos acuso de amesquinharem carreiras brilhantes na Universidade de Pernambuco com a aceitação deste papel sinistro de reprimir a Legítima Luta dos Estudantes em Defesa desse mesma Universidade Pública.
Na vida, cada um escolhe o seu papel. Já dizia Cecília Meirelles no Romanceiro da Inconfidência: “Pelos caminhos do mundo, nenhum destino se perde: há os grandes sonhos dos homens, e a surda força dos vermes”.
Por isso, recuso-me a reconhecer qualquer direito de vocês para me julgar.
Nada tenho que dizer a vocês, porque nada tenho a justificar perante delegados do Governo Ilegítimo surgido de um golpe que rasgou a ordem constitucional vigente.
Eu luto pela Democracia e pela Liberdade. Vocês não me calarão, assim como no passado gente como vocês nunca calou pessoas como eu.
Eu vos olho de frente e desafio que façam todo o mal que puderem, porque a simples instalação desta Comissão que vocês integram já é por si um Ato Ilegítimo, incompatível com o Pacto de San José da Costa Rica, e apenas destinado a tentar intimidar os Estudantes que, como eu, são intransigentes na Defesa da Universidade Pública.
Vocês não me calarão, porque estamos em meio a uma Luta pela Liberdade no seio do Estado Brasileiro, e eu sei meu papel nesta luta.
Vocês não me calarão, porque eu estou consciente de que meu papel como Cidadão é Defender a República e a Constituição que o Governo Ilegal e Ilegítimo que vocês representam está aviltando dia após dia.
Vocês não me calarão, porque minha luta é justa, e porque a lata de lixo da História é o destino de gente que luta contra a Democracia, a Constituição e a República.
Em Pernambuco, no dia 13 de Fevereiro de 2017, ano do Bicentenário da Revolução Pernambucana.”

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