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Mais velhos e pobres que alunos de cursos presenciais, matriculados no ensino a distância já são 15% do total de universitários do País


Carlos Lordelo - Estadão.edu
Primeiro dia de aula. Nada de professor, trote ou cabeça raspada. Lugar? A sala de um hotel no centro de São Paulo. Oito horas de sábado, 11 de fevereiro. Os 31 calouros do curso a distância de Administração da Faculdade Aiec foram conhecer a estrutura da graduação e o ambiente online onde vão estudar pelos próximos quatro anos. Em comum, têm o discurso de que, sem precisar ir à faculdade todo dia, finalmente conseguirão o diploma.

Ana Paula, caloura aos 37 anos, estuda depois que os filhos mais novos dormem - Carlos Lordelo/AE
Carlos Lordelo/AE
Ana Paula, caloura aos 37 anos, estuda depois que os filhos mais novos dormem
São 21 mulheres. Ana Paula Freitas, de 37 anos, começou a trabalhar aos 17, teve o primeiro filho aos 19. Disse que nunca pôde pagar uma faculdade. Funcionária do call center da TIM, aproveita o que chama “oportunidade única”: a empresa vai bancar 80% da graduação. Dez dias após o início das aulas, Ana Paula disse que a vida de caloura não estava fácil. “Coloco a criançada (ela tem outros dois filhos, de 2 e de 7 anos) para dormir às 9 e meia, ligo o computador e estudo até meia-noite.”
Ana Paula resume o perfil dos alunos de graduação a distância no País: são mais velhos, mais pobres e precisam ajudar no sustento da casa. Legítimos representantes da classe C, apostam na educação para melhorar de vida. E recorrem à EaD porque conseguem estudar nos horários mais oportunos, sem abrir mão do emprego ou do convívio com a família. A contrapartida: ser organizados e autônomos, já que dependem mais de si mesmos que dos professores para aprender.
O ensino a distância não é novidade no País. Já na década de 1930 eram oferecidos cursos profissionalizantes por rádio e correspondência. O Instituto Universal Brasileiro, criado em 1941, está no imaginário de gerações. Capacitou milhares de brasileiros em corte e costura e em eletrônica.
Enquanto em países como Inglaterra e Espanha, universidades de EaD nasceram já nos anos 1970, o ensino superior a distância ainda é adolescente no Brasil: seus fundamentos só surgiram em 1996, na Lei de Diretrizes e Bases. Mas o adolescente cresce rápido. O número de cursos de graduação saltou de 10, em 2000, para 930 em 2010, segundo o Ministério da Educação. A quantidade de alunos disparou, de 1,6 mil para 930 mil. Resultado: hoje 15% dos universitários estudam a distância.
Esse bolo vai continuar crescendo, segundo especialistas, porque somos um país continental onde a oferta de cursos está concentrada em grandes centros. Além disso, chegar à faculdade ainda é privilégio de uma minoria. “Jovens de centenas de municípios onde não há faculdades poderiam ser atendidos por polos de EaD”, diz o consultor João Vianney, que criou e coordenou o laboratório de ensino a distância da Federal de Santa Catarina.
Não há modelo único para a EaD no ensino superior no País, mas entre as regras que precisam ser respeitadas por todas as escolas está a obrigatoriedade de realizar, presencialmente, avaliação, estágios, defesas de trabalhos ou práticas em laboratório.
Na Aiec, por exemplo, os alunos resolvem quatro exames por semestre, que valem 50% da nota final. A outra parte da pontuação é atribuída de acordo com trabalhos, estudos de caso e exercícios. No dia 10 de março haverá o segundo encontro da turma, com atividades em grupo e aplicação dos primeiros testes.
O técnico em contabilidade Sérgio Bernardo Moraes Júnior, de 52, é um dos mais velhos do grupo de novos alunos da Aiec em São Paulo. Ele veio transferido da Upis, faculdade particular mantida pelos mesmos gestores da Aiec em Brasília. Está pegando matérias de três períodos diferentes - e espera que desta vez consiga pegar o diploma.
Assim que terminou o então ensino médio, Sérgio ingressou em Engenharia Civil na Unicamp. Após dois anos de curso, seu pai sofreu um acidente. Sérgio voltou a capital para cuidar do pai e assumir o escritório de contabilidade da família. Não conseguiu retornar para a Unicamp e só por volta de 2004 decidiu começar a estudar Administração, no Mackenzie, à noite. "Mas não seguia o horário pleno porque não conseguia chegar para a primeira aula", explica.
Três anos e meio depois, recebeu uma proposta de emprego e mudou-se para Brasília. Após adaptar-se à nova cidade, matriculou-se na Upis. Fez três períodos, dos quais apenas um completo. Trancou o curso. Ficou desempregado, reabriu a matrícula. Estudou mais dois meses e chegou um convite para voltar a São Paulo, em meados de setembro do ano passado. "Eu tinha me saído muito bem na primeira avaliação e não queria jogar a nota fora. Tentei negociar com a coordenação para eu só fazer as provas do segundo bimestre, mas não deixaram, claro. Aí me sugeriram estudar a distância."
Finalmente na Aiec, Sérgio vê nos colegas um problema parecido com o dele: a falta de horários para frequentar uma universidade. "Uma coisa é você fazer faculdade aos 18, 19 anos, quando não tem tanto compromisso", lembra. "O que leva as pessoas à EaD é o tipo de vida que elas levam. Não acredito que seja a primeira opção de cara."
Restrições
O MEC financia universidades públicas que já ofereciam graduações a distância por meio do programa Universidade Aberta do Brasil, hoje com 131 mil alunos. Mas impõe restrições à expansão da EaD. Exige, por exemplo, que os cursos tenham polos presenciais. Desde 2007, controla com mais rigor a abertura de cursos e é mais exigente em relação a infraestrutura e material didático. “A oferta de um curso a distância não ocorre pela mera transposição de um projeto de curso concebido para ser ofertado presencialmente”, afirmou o MEC, em nota.
O sergipano Márcio Smith, de 22, admite que buscou a EaD achando que seria mais fácil. “Entramos eu e mais dois amigos. Eles desistiram no primeiro semestre, eu passei com dificuldade. Percebi que precisava encarar a faculdade de outra maneira.” Ele faz a graduação tecnológica em Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Estácio. Começou no polo de Aracaju, mas recebeu proposta de emprego e mudou-se para Lajeado (RS). Desde o ano passado vive em São Paulo e, mesmo sem diploma, já assumiu a gerência de TI da academia Companhia Athletica no Morumbi, zona sul. “Ganho o triplo do meu salário de Aracaju e trabalho menos. E ainda estudo na hora em que eu quiser.” Ele cola grau no fim deste ano.
Preconceito
A percepção de que a EaD é uma opção de segunda linha se choca com dados do Enade, prova que mede o rendimento dos estudantes da graduação. Em 2009, o MEC divulgou pela primeira vez uma pesquisa que comparava o desempenho de universitários nas modalidades presencial e a distância. Os formandos em EaD tiveram, em geral, 6,7 pontos a mais no exame que seus colegas de cursos presenciais em Administração, Matemática, Pedagogia e Serviço Social.
Mesmo diante de resultados como esse - e do fato de que o diploma não indica a modalidade do curso -, há empresas que evitam contratar graduados em EaD. Um preconceito que, segundo especialistas em RH, vai desaparecer conforme o mercado ganhe profissionais mais habituados ao uso das tecnologias de informação e comunicação. “As companhias vão dar menos importância à modalidade, mas vão continuar querendo saber em qual instituição o candidato se formou”, diz Irene Azevedo, diretora de negócios da consultoria LHH/DBM.
Por outro lado, a professora da FEA-USP e da FIA Tânia Casado vê com reservas a EaD. Segundo ela, ainda existe no Brasil uma “cultura de sala de aula” muito forte, em que o aluno deposita suas expectativas de aprendizagem nas mãos dos professores. “Em que medida o estudante brasileiro, de qualquer idade, está maduro para o ensino a distância, quando não temos a cultura da autonomia nos estudos?”, questiona a especialista em carreiras. “Além do mais, trata-se de uma modalidade nova, sem metodologias consagradas.”

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