Promotoria apura denúncias contra clínica de recuperação



Há indícios, inclusive, de humilhações e castigos físicos sofridos pelos pacientes

Jornal Cruzeiro do Sul

Leandro Nogueira
leandro.nogueira@jcruzeiro.com.br


Cárcere privado, tortura com luvas de boxe e choque elétrico para não deixar marcas. Esta é parte da denúncia que levou o Ministério Público (MP) a iniciar uma investigação no Centro Terapêutico Araçoiaba, uma clínica de recuperação de dependentes químicos que funciona no quilômetro 124 da rodovia Raposo Tavares (SP-270), em Araçoiaba da Serra. Os problemas seriam exclusivos do setor onde permanecem os pacientes em regime de internação compulsória e involuntária. O promotor de Justiça Jorge Alberto de Oliveira Marum instaurou inquérito civil para apurar os indícios de maus-tratos a pacientes, que também incluem castigos físicos; humilhações; falta de atividades sociais, educativas e religiosas; má qualidade da alimentação servida; acomodações sem ventilação, higiene e conservação inadequadas; falta de acompanhamento para tratamento psiquiátrico e psicológico dos casos e privação de contato com familiares.

O Centro Terapêutico Araçoiaba alegou, em nota enviada por sua assessoria de comunicação, que sempre preservou os direitos e os interesses dos seus pacientes, notadamente dos adolescentes, em processo de recuperação. E que dispõe de infraestrutura completa, adequada e equipada, além de um corpo clínico multidisciplinar, composto por profissionais especializados nas diferentes áreas da saúde. Na nota, também consta que a clínica é a principal interessada em esclarecer tais denúncias, que são infundadas. Acrescenta que não não foi notificada, oficialmente, da instauração do inquérito civil, mas tão logo o seja, tomará providências para esclarecer os fatos.

Na portaria de instauração do inquérito, assinada no último dia 24, o promotor informa que, se comprovados, tais fatos correspondem a graves violações dos direitos humanos dos pacientes e das normas de saúde pública. Ele estabeleceu o prazo de 15 dias, após a notificação, para que o Centro Terapêutico Araçoiaba apresente, entre outras informações, os documentos que comprovam a legalidade do funcionamento, dos médicos e todos os outros profissionais que lá atuam, além de cópias dos prontuários médicos e psicológicos de cada paciente. E ainda, se houver casos de internação pagas pelo poder público, indicar os valores diários e mensais do pagamento referente a cada interno.
 
Comissão da OAB 
A Comissão de Direitos Humanos da Subseção em Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil levou um relatório ao Ministério Público no dia 13 de agosto, informando que constatou no Centro Terapêutico Araçoiaba sérios problemas de habitação, sociológicos para a recuperação dos adolescentes ali internados, e principalmente com relação à segurança e dignidade dos internos, que relatam terem sofrido abusos que podem ser equiparados a torturas, sendo necessária intervenção urgente das autoridades competentes. A clínica ressaltou que não teve acesso ao conteúdo do documento, tampouco a oportunidade de responder as acusações.

Para fazer o relatório, os representantes da OAB visitaram o local em conjunto com a Vara da Infância e Juventude de Sorocaba, profissionais do Judiciário, oficial de Justiça e agente de defensoria. Menores teriam declarado à comissão que eventuais transgressões às regas impostas pela administração eram reprimidas com agressões. Um deles teria confirmado que sofreu choque elétrico, que deixou marcas no braço, mas que já tinham desaparecido. Há também relatos das agressões com luva de boxe, que muitas vezes ocorreriam no próprio quarto. Existiria um quarto pintado na cor rosa para onde os menores seriam levados para sofrerem agressões.

No relatório também é citada a existência de quartos semelhantes a porões, com altura demasiadamente pequena entre o piso e o teto, com a parte de cima da beliche a poucos centímetros da laje, demonstrando insalubridade, escuridão e se tratar de local sem ventilação. As janelas dos quartos estariam sem vidros e no lugar destes, foram colocados madeira, papelão ou cobertor. "Percebe-se assim que não há trabalho de recuperação para os internos, não há atividade pedagógica, não há acompanhamento e atividade escolar e como alguns internos são menores são internos compulsórios, há claro descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente", opinou a Comissão de Direitos Humanos da OAB-Sorocaba ao MP.

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