Islamistas desafiam Exército e quarto massacre desde golpe deixa 80 mortos

Milhares de manifestantes atendem ao chamado de líderes islâmicos e tomam as ruas do Cairo em ‘Dia de Fúria’ para pedir a volta do presidente Mohamed Morsi; ofensiva contra mobilização convocada pela Irmandade Muçulmana aproxima país de guerra civil


Andrei Netto - ENVIADO ESPECIAL
O Egito deu nesta sexta-feira, 16, mais um passo em direção à guerra civil. O "Dia de Fúria", convocado pela Irmandade Muçulmana, foi marcado por protestos que deixaram ao menos 80 mortos em todo o país. O palco principal foi o bairro de Ramsés, um dos mais tradicionais do Cairo, onde milhares de islamistas se reuniram para denunciar a morte de 680 manifestantes na quarta-feira e exigir a volta do presidente deposto Mohamed Morsi.
O novo massacre, o quarto desde o golpe de Estado, em julho, parecia questão de tempo. A tensão era perceptível após os líderes da Irmandade convocarem novos protestos na quinta-feira, mesmo após o Ministério do Interior informar que revidaria com munição real. Foi o que ocorreu.
Na madrugada, o Cairo parecia uma cidade fantasma. As ruas estavam vazias em razão do toque de recolher decretado pelo presidente Adli Mansour. Com o passar das horas, as dúvidas sobre a capacidade de mobilização da Irmandade não existiam mais. No momento da oração do meio-dia, várias concentrações de islamistas se formaram em mesquitas da capital, em especial diante da mesquita de Fatah, na Praça de Ramsés. No início da tarde, milhares de pessoas gritavam palavras de ordem contra o governo interino e pediam o retorno de Morsi.
Logo, um helicóptero militar passou a sobrevoar a região lançando advertências aos manifestantes. Sem se intimidar, os islamistas entoaram gritos contra o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o general Abdel Fattah al-Sisi.
Entre os manifestantes havia faixas e cartazes com rostos de militantes mortos em confrontos anteriores. Outros carregavam máscaras e óculos de natação para se proteger dos efeitos do gás lacrimogêneo. "A polícia do Egito é assassina e já matou mais de 2 mil pessoas. Isso não pode continuar", disse ao Estado o advogado Said Morsi, de 38 anos. "Queremos Morsi de volta ao poder."
Como ele, muitos islamistas traziam seus nomes escritos na pele para facilitar a identificação dos corpos em caso de novo massacre. "Não temos medo de morrer", afirmou o engenheiro de software Ahmad Wahid.
Às 14 horas, a presença das forças de segurança tornou-se mais ostensiva. No Elevado 15 de Maio, que corta o Cairo, manifestantes atacaram um comissário de polícia. Imagens de TV mostraram homens em trajes civis disparando rajadas de AK-47 contra a polícia. O centro da capital virou uma praça de guerra. Durante mais de seis horas houve choques e disparos com munição real sobre o viaduto. Em fuga, militantes saltavam de vários metros de altura, temendo ser atingidos.
Muitos corriam entre as colunas de fumaça provocadas por nuvens de gás lacrimogêneo ou pela fumaça de pneus queimados. Surpreendidos pelo tumulto, comerciantes da região armavam barricadas diante da entrada dos prédios e expulsavam islamistas que tomassem as ruas de Ramsés. No fim da tarde, em outro ponto da capital, mais uma intensa troca de tiros ocorreu às margens do Rio Nilo. No total, 1.004 pessoas foram presas, segundo o governo
Enquanto os confrontos ocorriam, o Exército sitiou o centro do Cairo, interditando a passagem de automóveis e de pedestres em toda a região da Praça Tahrir, símbolo da revolução, que permaneceu vazia. Indiferentes aos massacres, os apoiadores do golpe passavam buzinando pelos postos de controle, saudando a intervenção. Sherif Halil, trabalhador da indústria do turismo, esperava a noite chegar. "Às 19 horas, tem o toque de recolher", disse. "Aí, fica mais fácil caçar os terroristas."
Nesta sexta, a Irmandade anunciou a convocação de uma semana de protestos diários contra o governo. O chamado mostra como é profundo o impasse político. Nenhuma das forças envolvidas acena nem sequer com a possibilidade de negociações.

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