Polícia descarta que bala perdida tenha atingido dançarino

Já prestaram depoimento à Polícia Civil oito dos dez PMs que participaram de um suposto confronto com traficantes horas antes de o corpo de DG ter sido descoberto; todos negaram ter atirado no dançarino

Marcelo Gomes, Thaise Constancio e Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo
RIO - O tiro que atingiu e matou o dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, de 26 anos, foi disparado de propósito em sua direção, concluiu a Polícia Civil. O delegado Gilberto Ribeiro, da 13ª Delegacia de Polícia (DP), descartou nesta quinta-feira, 24, que o rapaz tenha sido atingido por bala perdida. "Se você quer chegar à conclusão de que uma bala perdida atingiu Douglas, que estava passando lá atrás, é impossível. Tirar essa conclusão é viagem", disse o responsável pela investigação das mortes de DG e de Edilson da Silva dos Santos, de 27 anos.
Já prestaram depoimento à Polícia Civil oito dos dez PMs que participaram de um suposto confronto com traficantes horas antes de o corpo de DG ter sido descoberto. Segundo Ribeiro, todos negaram ter atirado no dançarino. Contudo, disseram que viram um vulto pulando o muro traseiro da creche. O delegado afirmou que não há contradições nos depoimentos dos PMs. As armas que utilizaram foram apreendidas e enviadas à perícia balística.O corpo do dançarino foi encontrado na manhã desta terça-feira no pátio de uma creche no morro Pavão-Pavãozinho (Copacabana, zona sul do Rio), junto a um muro com 10 metros de altura. Ele foi enterrado nesta quinta à tarde. Após o sepultamento, protesto realizado por moradores da favela e black blocs causou tumulto nas ruas de Copacabana.
A princípio não é possível confirmar que DG foi torturado ou espancado, disse o delegado. "Não podemos sustentar que houve tortura, mas vamos nos aprofundar. A priori, não há indicação de espancamento."
Também já foram interrogados um irmão de criação de Edilson Santos, um adolescente que o socorreu e PMs que o levaram ao Hospital Miguel Couto, onde já chegou morto. Santos foi baleado na cabeça durante o protesto de moradores do Pavão-Pavãozinho, na noite de terça, que terminou em tiroteio e confusão na favela e no bairro. Investigadores da Corregedoria da PM e da 13ª realizaram nesta quinta-feira perícia complementar na creche Lar de Pierina, onde DG morreu.
O comércio na Rua Sá Ferreira, que dá acesso ao Pavão-Pavãozinho, fechou as portas no fim da manhã. Sem se identificar, comerciantes disseram que a ordem partiu de homens que seriam ligados ao tráfico de drogas na favela, onde desde dezembro de 2009 há uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
Amarildo. Antes do enterro, o secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, disse, em entrevista à TV Globo, que o crime será elucidado e que não se deve comparar a morte de DG à de Amarildo de Souza, pedreiro assassinado por policiais da UPP da Favela da Rocinha em julho do ano passado. O corpo de Amarildo nunca foi achado.
"Em 30 anos, quantos Amarildos o crime não produziu nos fornos de micro-ondas (pneus empilhados onde corpos eram incendiados) no (complexo do) Alemão (agrupamento de favelas na zona norte)? Não quero isentar a polícia dos seus erros, mas não podemos esquecer o passado. Segurança pública é um jogo que não se vai ganhar. É um jogo que se empata e se procura controlar", disse.
Anistia. A mãe do dançarino, Maria de Fátima da Silva, de 56, afirmou que uma moradora do Pavão-Pavãozinho testemunhou a morte de DG. Ela tenta convencer a mulher a prestar depoimento. "Ela assistiu a toda a tortura, me falou como foi (a morte). Ele levou o tiro e terminou de ser morto na creche. Meu filho foi assassinado com requintes de crueldade", disse.
O advogado Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, anunciou que vai procurar a Anistia Internacional, para que a morte de DG ganhe repercussão e o Judiciário brasileiro seja pressionado. Para ele, a Anistia tem força para encaminhar o caso à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU).

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