À frente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio Dantas capitaneou, em 1979, um movimento que culminou com a denúncia do assassinato de Vlado Herzog nos porões do DOI-Codi e que acelerou o fim da ditadura militar dez anos depois; nessa entrevista exclusiva ao 247, ele manifesta sua preocupação com a continuidade da democracia; "A gente pode discordar de quem ocupe o cargo, mas a presidência da República não pode ficar sujeita a um juiz A ou B, da primeira, da segunda, sei lá de que instância", disse; para o jornalista, fica cada vez mais claro que está em andamento uma tentativa de deposição da presidente com participação, inclusive, de pessoas que lutaram contra a ditadura, mas adverte: "Eu acredito que a fatura não será liquidada tão facilmente quantos eles imaginam, acho que haverá uma reação popular em algum momento"
24 DE MARÇO DE 2016 ÀS 17:42
Por Alex Solnik, para o 247 - À frente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio Dantas capitaneou, em 1979, um movimento que culminou com a denúncia do assassinato de Vlado Herzog nos porões do DOI-Codi e que acelerou o fim da ditadura militar dez anos depois.
Nessa entrevista exclusiva ao 247, ele, que nunca foi petista, mas que não se importa em ser chamado, pelos desinformados, de petralha, manifesta sua preocupação com a continuidade da democracia, principalmente depois dos últimos e graves acontecimentos, como o grampo na presidente Dilma e no ex-presidente Lula.
"A gente pode discordar de quem ocupe o cargo, mas a presidência da República não pode ficar sujeita a um juiz A ou B, da primeira, da segunda, sei lá de que instância", disse ele, lembrando que a questão principal – se o grampo foi legal ou ilegal – não é discutida pela imprensa. "Com que base o juiz Sergio Moro não só autorizou grampos como, com a maior pressa, pressa muito suspeita, autorizou a divulgação"?
Para ele fica cada vez mais claro que está em andamento uma tentativa de deposição da presidente com participação, inclusive, de pessoas que lutaram contra a ditadura, como o deputado Roberto Freire, de quem foi colega na Câmara, mas adverte: "Eu acredito que a fatura não será liquidada tão facilmente quantos eles imaginam, acho que haverá uma reação popular em algum momento"...
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Audálio, você começou no jornalismo em 1954, não foi?
Foi. Na "Folha".
Exatamente no ano do suicídio de Getúlio...nos tempos da imprensa chamada "marrom". O que era a "imprensa marrom"?
A "imprensa marrom" que a gente entendia, em geral, era a imprensa dedicada ao crime, ao sensacionalismo, à chantagem... a chantagem é uma das características da "imprensa marrom".
A "Folha" fazia parte da "imprensa marrom"?
Eu acho que na época, não. Era um jornal que noticiava. Inclusive, eu devo dizer que, naquela ocasião, eu não tinha a exata noção do que estava acontecendo no país. Assim como tive em 64 e como estou tendo, mais ainda, hoje. Mas, na época, era um acontecimento político, sem que a gente atentasse para o sentido de golpismo que ele encerrava. Depois, à distância, claro, a gente foi se informando e sabendo o que era isso, inclusive as tentativas de empolgar o poder e as ocorrências tipo Aragarças e outras de setores militares contra Juscelino, em 55 e 56. Mas, depois ficou muito claro para mim que ali, em 54, na verdade começava a tentativa de golpe que continua hoje, de uma maneira que a sociedade se convença que foi por meios legais, com apoio jurídico, enquanto que na verdade fica cada dia mais claro que se trata apenas de uma nova forma de golpe, uma nova maneira de abordagem para o golpe, mas com uma coisa em comum que é a pseudo luta contra a corrupção. As diferenças são poucas. No caso do Getúlio esse foi o elemento mais importante. Depois é que, em 64, além da questão da corrupção, que era vaga, o golpe se baseava na defesa do país contra a ameaça comunista.
O embaixador Lincoln Gordon convenceu John Kennedy que, se deixassem, João Goulart seria o novo Fidel Castro.
Quem seria o novo Fidel? O Jango?
Sim, o Jango. Isso eu vi num documentário americano.
(Ri) O Jango, até fisicamente não tinha condições de ser o Fidel porque ele tinha um defeito numa das pernas e também as propostas dele não tinham nada a ver. Ele propunha reformas políticas que infelizmente não ocorreram. Continuam à espera de alguém com coragem suficiente para colocar em prática.
A tentativa de golpe contra Juscelino em 55 não teve nada a ver com corrupção...era porque a UDN não queria que ele tomasse posse.
A UDN alegava...eu não me lembro bem do detalhe agora, mas acho ele não tinha obtido a maioria dos votos.
Sim, era isso. Ele se elegeu com 30%, mas na época a constituição não exigia maioria.
A lei não exigia. Assim como hoje há diversas propostas que não têm nada a ver com a legalidade em vigor. São oportunismos que vão surgindo no processo.
O que você acha que não está dentro da legalidade, por exemplo?
Uma coisa discutível, e aí eu acho que é um dos pontos centrais da crise que a gente está vivendo é o fato que se deu recentemente com o grampeamento da presidente da República e do ex-presidente Lula. Eu acho que essa seria a discussão: foi legal ou não foi? Com que base o juiz Sergio Moro não só autorizou grampos como, com a maior pressa, pressa muito suspeita, autorizou a divulgação? Quer dizer, enquanto a discussão seria em torno da legalidade do grampo, na minha opinião, não sou jurista, mas em princípio é um absurdo que se grave o presidente da República! A gente pode discordar de quem ocupe o cargo, mas a presidência da República não pode ficar sujeita a um juiz A ou B, da primeira, da segunda, sei lá de que instância.
Antes do Moro, quem autorizou foi o chefe da Polícia Federal.
Pois é, mas acho que baseado numa solicitação do Moro...
Sabe como funciona o grampo? Um policial fica na escuta, em tempo real, transcreve os diálogos e os repassa ao comandante da operação que, em caso de extrema gravidade, como um grampo do presidente da República, os deveria repassar ao chefe da Polícia Federal.
Foi uma decisão independente do juiz que toca a Lava Jato?
Não, mas só chegaria até ele com autorização da Polícia Federal. O chefe da Polícia Federal poderia tê-lo brecado. E outra coisa, conversas que não têm relação com a investigação – no caso, Lula estava sendo investigado sobre o apartamento no Guarujá e o sítio de Atibaia – devem ser desprezadas, como ocorreu na Operação Satiagraha. O responsável é o chefe da Polícia Federal, que responde ao ministro da Justiça e não ao juiz Sergio Moro.
Então, a coisa é mais grave. Apenas o fato de que a autorização foi dada pelo juiz...
Mas antes passou pela Polícia Federal e, num caso dessa gravidade, deveria ter passado pelo chefe da Polícia Federal.
Esse é um caso mais grave, uma vez que o órgão que depende do ministro da Justiça age por conta própria dessa maneira, e não só nesse caso, de modo geral, conduzindo as coisas de uma maneira parecida com um governo paralelo. Um governo paralelo é uma ilegalidade tão grande que eu estranho que não se tenha tomado há mais tempo alguma providência, independentemente do julgamento que se faça de atos de corrupção. Ninguém está aqui para defender a corrupção praticada por quem quer que seja, mas para defender a legalidade democrática que é o que está em jogo. E se um órgão federal, como a Polícia Federal, atua de modo a caracterizar um poder paralelo, atingindo o próprio presidente da República, é muito estranho que o ministro da Justiça não tenha tomado, em tempo, as medidas necessárias para frear essa marcha ilegal da Polícia Federal. E agora digo mais: o ministro da Justiça diz que vai tomar providências caso haja novos vazamentos e coisas desse tipo; eu acho que é manifestar uma concordância com as ilegalidades cometidas até agora. Parece uma coisa do tipo "se comportem bem, meninos, ou nós vamos trocar a equipe". Eu acho que não é assim. Acho que deveria ter tomado as medidas com base nos fatos já ocorridos, principalmente esse do grampo da presidente da República.
O ministro da Justiça pode trocar o chefe da Polícia Federal a qualquer momento, como já ocorreu várias vezes em vários governos.
A Polícia Federal é um órgão instituído a serviço da proteção dos direitos, da legalidade. É uma ação contra a corrupção, mas não pode ser uma ação que coloque o presidente da República na condição de subalterno, praticamente.
E outra coisa: a conversa dela com o Lula não tinha nada a ver com a Lava Jato...
Claro, claro, não tinha, era sobre a questão da posse.
Como também outras conversas que eles gravaram do Lula com o prefeito do Rio, Eduardo Paes e com o presidente da CUT, também fora de contexto e que foram divulgadas mesmo assim. Na Operação Satiagraha isso não aconteceu. E sabe porque o comandante da Satiagraha foi afastado? Porque vazou as prisões de Daniel Dantas, Naji Najas e Celso Pitta para o repórter César Tralli, da Globo.
Na verdade, foi um vazamento. Como hoje eles fazem a cada cinco minutos. Tem muitos fatos estranhos...
E você se recorda porque aconteceu a Operação Satiagraha?
Não me lembro.
Porque o Daniel Dantas teria gravado, através da empresa americana de espionagem chamada Kroll, o presidente Lula e vários ministros.
Eita!
Foi isso a Operação Satiagraha.
A partir desse fato?
Exatamente. Foi o que me contou o comandante da Operação. E a Operação foi anulada pelo STF por causa do vazamento.
Foi o único vazamento feito pelo delegado?
Exatamente.
Agora eles fazem vazamentos a granel!
Execração pública! O fato de conduzir Lula pela cidade é algo semelhante a desfilar pela cidade com o corpo de Tiradentes.
Só falta arrancar a cabeça...
Outro fato estranho foi o procurador Rodrigo Janot não ter criticado o grampo da presidente.
Pois é. É mais um fato. Aliás, uma das coisas que chamam atenção nessa questão do grampo é que não se discutiu essa questão central que é o grampeamento e que essa divulgação do conteúdo serviu para alimentar o noticiário de maneira acirrada e não se discutiu o que era fundamental: foi legal ou não foi legal? Isso não foi discutido e no dia seguinte as manchetes eram em cima dos conteúdos dos grampos e o desmentido da presidente da República, a palavra da principal autoridade do país, foi para o pé do noticiário, em duas colunas. É lançar a versão e seguir para publicar a suíte no dia seguinte...o importante é confirmar a versão que foi lançada pelo próprio veículo, isso é o anti-jornalismo.
Por que você acha que a imprensa optou por esse caminho?
Na minha avaliação eu não acho nada de espantoso. Infelizmente, a grande imprensa, no Brasil tem apoiado sistematicamente essas tentativas de rompimento da legalidade. Isso aconteceu em 61 e em 64, com Jango. É fora de dúvida que os grandes jornais, emissoras de televisão, etc não só participaram das conspirações para o rompimento da legalidade, como também foram importantes elementos de sustentação dos governos seguintes. Ninguém ignora que os grandes veículos de comunicação durante a ditadura permaneceram em silêncio, independentemente da censura oficial. Eles permaneceram em silêncio por omissão ou por apoio aos governos militares. Isso para mim é muito claro.
Por que na sua opinião isso se repete hoje? Qual é o interesse da imprensa?
A minha interpretação é que os grandes veículos são empresas como outras quaisquer e fazem parte do establishment...o que está acontecendo agora, como aconteceu em 64, significa um retrocesso muito grande para a evolução da democracia. Porque essa democracia não interessa aos grandes jornais e aos grandes grupos econômicos dos quais os veículos de comunicação fazem parte. É sabido que a concentração dos meios de comunicação é um fato que impede que a sociedade tenha uma informação correta, não só nesse momento grave que estamos passando, mas é no geral.
Você acha que a imprensa está praticando o anti jornalismo colocando nas manchetes trechos de delações antes de sua veracidade ser comprovada?
Sem dúvida. Aliás, todo esse processo tem sido baseado na presunção de culpa e não na presunção de inocência. A imprensa dá como fato o que está dizendo, por exemplo, o Delcídio Amaral. Ele resolveu abrir a torneira das delações em geral. Tudo o que ele diz, assim como outros, reconhecidamente bandidos, fizeram, simplesmente se reproduz. Isso nunca foi um princípio da imprensa democrática. A credibilidade dos meios de comunicação se dá pela apuração da verdade dos fatos e não pelo que todos os meios presumem que seja a verdade.
Esses jornais se transformaram em porta-vozes da Polícia Federal e da Lava Jato?
Isso parece, mesmo que eles não tenham combinado. Pelo fato de que eles assumem como sendo verdade... a impressão é que os vazamentos são seletivos, inclusive quando alguns são oferecidos com exclusividade para determinados veículos. Parece uma orquestração o fato de que o que uma revista publica no fim de semana seja a pauta para os outros veículos não apenas no dia seguinte, mas durante toda a semana, a fim de transformar a versão em fato.
Depois de trinta anos estamos assistindo tudo de novo?
Essa questão é uma das que me causa grande preocupação. O fato de toda a sociedade brasileira ser ameaçada e de maneira covarde porque a ela é negada a verdadeira divulgação dos fatos. A ela são oferecidas versões que são carentes da verdade. Deixo bem claro que não tenho nenhuma participação nesse ou em governos anteriores do PT, mas é um absurdo que certos lances da crise sejam divulgados como se fossem a expressão da verdade dos fatos. E quem teve participação na luta contra a ditadura, isso eu tive, e contra os crimes praticados contra aqueles que se opunham ao regime e foram sacrificados, se pergunta aonde é que está a Justiça se tudo isso é esquecido em nome da elevação de suspeitas e simples suspeitas à categoria de fatos. Tenho um grande temor de que uma situação de retrocesso contra o processo democrático se opere novamente.
E o que você acha de pessoas que também como você lutaram contra a ditadura como Roberto Freire e que agora aplaudem e estimulam esse clima?
É preciso a gente dar o benefício da dúvida, perguntar se é por serem contrários à corrupção que de fato existiu ou por decisão própria de acreditar que esse é o lado certo. Eu fui deputado na mesma legislatura que ele, e ele se portava como uma pessoa extremamente preocupada pela volta ao regime democrático. Falava com tal convicção que se tornou para muitos, que comungavam daquele sentimento, uma espécie de voz, muitos o encaravam como líder. Era tido como referência dos autênticos do MDB. E, na verdade não era. Ele era apenas, e isso fica cada vez mais claro, uma pessoa para a qual convinha naquele momento fazer aquele papel, assim como hoje a ele convém – e é vergonhoso que seja assim – participar de movimentos que podem levar o país a mergulhar num novo regime de opressão.
É o que se vê nos discursos dos deputados do PPS, do qual ele é o presidente.
Ele é um dos mais açodados participantes dessa coisa. Até acho difícil, porque ele não é burro, não, acho difícil que ele acredite que esse movimento é por uma melhoria do país. Na verdade, essa situação levou a um desmonte da economia do país. A crise não começou com o problema da economia, mas a crise econômica que o país vive resulta da crise política que surgiu no dia seguinte aos resultados da eleição de 2014. E tem como líder o candidato derrotado Aécio Neves. Parece que nele baixou o espírito da UDN de 1955. Ele não tem nenhum projeto para o país. Aliás, os integrantes desse movimento não têm projeto para o país, essa é a verdade. Talvez tenham um projeto, que acabou sendo aprovado no Senado, que é o projeto de retirar a Petrobrás da exclusividade de exploração do pré-sal.
Se é que se pode chamar isso de projeto...
Mas, na verdade, hoje é um fato, eles conseguiram. Eu acho que querer mostrar que a defesa da Petrobrás se faz com a denúncia da corrupção - é sempre importante frisar que denúncias de corrupção, uma vez comprovadas, vêm ao encontro do interesse da sociedade, mas não a corrupção como pretexto para se desmontar a economia do país, as riquezas de um país que é a sétima ou oitava economia do mundo. Eles festejam o fato de que o país é rebaixado pela agência A ou B, o que é discutível, essas agências não podem falar acima da soberania dos países, mas isso é aceito com fanfarras – "olha, a agência não sei o que retirou o crédito do país etc etc e tal". Então, na verdade, é um projeto de desmonte, talvez aí, então, a gente pode discutir se isso não significa a defesa de interesses extranacionais, interesses de fora do país.
Um dos patrocinadores desses movimentos de rua é o Grupo Ultra que tem interesse direto na Petrobrás.
Isso eu já li, não sei se isso é comprovado.
É público. E não é de agora. Há alguns anos o grupo Ultra, a Editora Abril e a Globo fundaram o Instituto Millenium, ligado ao conservadorismo americano, muito parecido com a TFP, que difunde ideias de direita por meio de colunistas como Nelson Motta, Guilherme Fiúza, Marcelo Madureira, José Nêumanne Pinto e muitos outros, mais de 200. Isso começou antes da Lava Jato.
Preparação do caminho. O Grupo Ultra financiou o golpe de 64.
Não é preocupante o fato de esses movimentos de rua rejeitarem todos os políticos?
Claro que sim. E outra coisa que se observa é que grande parte desses manifestantes revela uma profunda ignorância da história, dos fatos e está lá em defesa do que julgam ser o seu interesse. São essas pessoas algumas das quais defendem a volta do regime militar.
E o outro patrocinador disso é a Fiesp.
Ah, bom. Agora a entrada da Fiesp... isso também aconteceu durante a conspiração de 64. Várias federações etc e tal, que são a favor do impeachment, a favor da renúncia... eles querem de qualquer maneira interromper o processo democrático, porque o processo democrático pressupõe que, quem foi eleito e não tem nenhum crime, como é o caso da Dilma, contra o país, contra os interesses da sociedade não pode ser destituído...não há motivo para pedir impeachment, não há motivo para pedir renúncia, não há motivo para convocação de novas eleições. O fato é que se quer, por qualquer meio que seja, retirar a presidente da República do poder.
O que achou de o ministro Edson Facchin dizer que se considera impedido de julgar o habeas corpus do Lula?
O noticiário de rádio, que eu ouvi há pouco, revelou isso...
Facchin justificou dizendo ser padrinho de casamento da filha do advogado de Lula...e isso o impede de julgar um habeas corpus.
Olha, a primeira coisa é o fato de ter sido atendida a liminar que impede a posse de Lula no ministério. Parece ser um jogo de xadrez em que as peças estão se encaixando. Por que cai com o Gilmar Mendes essa questão?
Você não considera isso uma interferência direta do Poder Judiciário no Poder Executivo? A presidência não pode escalar os ministros que deseja?
Pois é. Aliás, o que se levou à discussão... ninguém pergunta se o Lula tem ou não tem direito de aceitar um convite para ser ministro e a presidente da República nomear um ministro...Por exemplo, um motorista de táxi que peguei hoje estava discutindo que a nomeação de Lula ao ministério é para esconder as falcatruas da Dilma. É isso que se difunde, é isso que fica na cabeça das pessoas desinformadas, das pessoas sem conhecimento do que estão falando, pessoas que simplesmente aceitam o que se divulga. Chegou-se a um ponto que eu julgo extremamente perigoso.
O ministro Gilmar Mendes, que já se pronunciou previamente contra Lula no ministério não se julga impedido de aceitar a liminar que o impede e ainda manda de volta os autos para Sergio Moro. Não é estranho?
Ele abertamente se coloca no lado contrário às autoridades constituídas do Poder Executivo. Então, seu julgamento não pode ser considerado isento, de maneira nenhuma.
E a posição da ABI, qual é?
Olha, eu não sei ainda, essa é uma das questões que me incomodam muito, a ABI que vem numa crise há muito tempo, eu participei desse processo eleitoral que eu julgava importante para tirar a ABI das mãos de aventureiros, mas não se conseguiu isso e as decisões são demoradas, não têm a necessária urgência e ao mesmo tempo parece que o pessoal que está lá não está interessado, abstraio o meu amigo Domingos Meirelles, mas acho que esse pessoal do conselho e tudo isso não têm isenção e coragem de discutir essa questão. E aí a gente volta para as entidades... inclusive a ABI, sob a direção de Prudente de Moraes, Neto foi absolutamente afirmativa no caso do Vladimir Herzog, apoiando abertamente o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo que denunciou o assassinato do Vlado. Naquela ocasião, rememorando aqueles dias, a gente faz hoje a pergunta: onde foi parar a luta da sociedade civil brasileira contra a ditadura militar? Quando nós enfrentamos essa tentativa, para mim cada vez mais clara, de usurpar os direitos da legalidade democrática.
Os militares hoje estão quietos...
Apesar dos apelos que esses grupos têm feito publicamente e são tolerados e se omite o escândalo que é Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados, ser preservado, ser blindado pelos grupos que promovem esse processo. Ele foi preservado para ter alguém que garantisse a continuidade do processo de impeachment. Isso apesar de algumas declarações aqui e ali, alguma publicação que algum jornal faz, mas é evidente que a intenção é deixá-lo ali como um cara no posto de abrir caminho para a consumação da ilegalidade. Porque a questão das pedaladas é claro que não é suficiente para – vamos usar a palavra certa – deposição da presidente da República.
Pedalada não é crime, não é roubo, ela não roubou.
Pode ser um passo em falso na administração, mas não é fato para um impeachment.
Roberto Freire jamais criticou Eduardo Cunha...
Ninguém acusou Eduardo Cunha de corrupto nessas últimas manifestações... porque os líderes do processo, do golpe, estão em silêncio, o Aécio e todo o resto em silêncio, deixando Eduardo Cunha como reserva, eu chamo, "reserva imoral". E ele está manobrando para colocar aliados dele... fez todas as manobras... claro que isso foi noticiado, mas não em manchetes como as outras questões. Manobra para impedir que a comissão funcione... manobra para colocar aliados na presidência da comissão do impeachment e assim por diante.
Comissão de impeachment que tem maioria a favor...
Claro, ele tem o gado dele, né, ele se comporta como se fosse o dono... transformando a Câmara dos Deputados numa fazenda onde ele tem o rebanho, esse rebanho de deputados que o aprovam. É espantoso que eles não tenham vergonha de se declararem aliados do Eduardo Cunha. Qualquer parlamentar que tivesse o mínimo de comportamento ético não se declararia aliado de um sujeito que já fez o que fez e continua fazendo...aí a questão das acusações não vale... todos os fatos que são conhecidos não valem para dizer que ele é um ladrão público, não é isso?
No caso da Dilma e do Lula são ilações, mas no caso dele são fatos concretos, extratos bancários da Suíça, etc.
Ele está sendo blindado, isso fica muito claro e quem critica isso é considerado lulista etc e tal. Aliás, eu quero aproveitar para dizer que, desde o Sindicato do Jornalistas, no movimento que culminou com a denúncia do assassinato de Vlado Herzog os pré-petistas já se constituíam como elementos de combate contra os que não saíssem pela rua gritando. Como presidente do sindicato, eu tive que segurar determinados setores que queriam que nós fossemos para a rua, marchar em direção ao II Exército e a minha resposta era de que isso era um absurdo, poderia fazer com que o instrumento de denúncia, que era o sindicato, fosse derrotado, fosse colocado na ilegalidade pela ditadura que tinha instrumentos à mão, na legislação trabalhista para intervir no sindicato. Cansei de ser chamado de direitista...conivente com a direita, com a ditadura...por esses pré-petistas. Eu nunca fui PT, participei de reuniões para a fundação do partido, assim como Fernando Henrique, Ulysses Guimarães e vários parlamentares chamados progressistas, mas eu percebi logo de cara... quer dizer, isso não vem ao caso, eu tenho divergências em relação ao pensamento central do PT que era aquele de que a história do Brasil estava começando a partir da fundação daquele partido... o movimento operário estava nascendo ali, em 1980...e por aí afora. Mas isso não me impede... podem dizer mil vezes que eu sou petralha, sou isso, sou aquilo, que não me incomoda, pelo contrário, eu acho que a questão central é a defesa da democracia que está ameaçada.
E o Fernando Henrique, como está se saindo?
Ele se caracteriza por ser um sujeito dúbio. Ele já disse que o impeachment não é o caminho, hoje aparece dizendo que o impeachment é bom...Mas, de qualquer maneira, ele não é o tipo oportunista da altura do Aécio Neves. Ele tem um pouco mais de dignidade, digamos.
Falta um Ulysses Guimarães?
Isso eu já ouvi várias vezes. Evidentemente, falta um líder como ele, ou um líder que se caracterize pela defesa de interesses nacionais legítimos. Falta um líder do tipo Brizola. De repente, eu me lembro até de Tancredo Neves, que era um conservador autêntico, mas era um líder em condições de levar o país para um projeto. Mas isso a gente, infelizmente, não vê.
E o que vai acontecer, Audálio?
Olha, eu sou sempre otimista em relação a determinados problemas. Eu acredito que a fatura não será liquidada tão facilmente quantos eles imaginam, acho que haverá uma reação popular em algum momento...eu tenho aquilo que eu chamo de sexto sentido... o inconsciente coletivo de repente aflora, eu acredito nisso, porque não é possível que uma manipulação desse tamanho prevaleça sem que setores da sociedade, principalmente aqueles menos favorecidos não despertem, percebendo que aquilo é contra os seus interesses.
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