A mãe que vai enterrar o filho nascido dentro de uma cela da ditadura


ADEUS A PAULO FONTELES

Hecilda Fonteles Veiga, presa em 1971, deu luz à Paulinho Fontelles, que morreu desta quinta-feira, homem de vida digna e intensa em defesa da justiça e do Brasil
por Diógenes Brandão* publicado 27/10/2017 12h03, última modificação 27/10/2017 12h31
UFPR
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Hecilda Veiga – uma das mulheres no fronte – é professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará
As falas da Pólis – Falecido na madrugada desta quinta-feira (26), vítima de um infarto, após uma complicação causada por uma broncopneumonia, Paulo Fontelles Filho, mais conhecido como Paulinho Fontelles, nasceu na prisão, durante a Ditadura Militar.
Sua mãe, Hecilda Fonteles Veiga, era estudante de Ciências Sociais quando foi presa, em 1971, em Brasília, com cinco meses de gravidez. Hoje, vive em Belém (PA), onde é professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA). 
Num depoimento reproduzido na 36ª audiência pública da Comissão da Verdade de São Paulo, a mãe de Paulo contou. 
Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer”. 
Depois, fui levada ao Pelotão de Investigação Criminal (PIC), onde houve ameaças de tortura no pau de arara e choques. Dias depois, soube que Paulo também estava lá. Sofremos a tortura dos 'refletores'. 
Eles nos mantinham acordados a noite inteira com uma luz forte no rosto. Fomos levados para o Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro, onde, além de me colocarem na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à 'tortura cientifica', numa sala profusamente iluminada.
A pessoa que interrogava ficava num lugar mais alto, parecido com um púlpito. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. 
De lá, fui levada para o Hospital do Exército e, depois, de volta à Brasília, onde fui colocada numa cela cheia de baratas. Eu estava muito fraca e não conseguia ficar nem em pé nem sentada. 
Como não tinha colchão, deitei-me no chão. As baratas, de todos os tamanhos, começaram a me roer. Eu só pude tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo.   
Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Foi uma experiência muito difícil, mas fiquei firme e não chorei. Depois disso, ficavam dizendo que eu era fria, sem emoção, sem sentimentos. Todos queriam ver quem era a fera' que estava ali. 
Assista o vídeo com a entrevista com a professora, militante, mãe e esposa Hecilda Fonteles Veiga.
* Diógenes Brandão, filiado ao PT em Belém do Pará, é blogueiro e membro da Comissão Organizadora do Encontro Nacional dos Blogueiros e Ativistas Digitais

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