Em 2018 voto nulo só interessa aos inimigos do povo


PAULO MOREIRA LEITE


Ricardo Stuckert
Como se não bastassem as imensas  dificuldades enfrentadas pela resistência democrática para defender os direitos de Lula disputar a presidência,  apareceu uma conversa fora do lugar.
A tese é assim. Caso Lula seja impedido de candidatar-se, como boa parte dos analistas acreditam, não restará a seus herdeiros políticos, aliados e eleitores, alternativa melhor do que anular o voto como forma de protesto e denúncia.
Num momento em que todo cuidado é pouco, e nenhum passo em falso deixará de prejudicar os interesses e reivindicações da maioria dos brasileiros, é bom debater essa questão.
Reação  frequente em momentos de desencanto popular com a política, minha opinião é que o voto nulo é sempre uma decisão delicada. Mas pode justificar-se, ou não, conforme o momento político.
Sob a ditadura militar, quando a vida política era limitada a dois partidos criados pelo regime, que disputavam apenas cargos nas câmaras de vereadores e no Congresso, sem   nenhum poder real de ação política, havia uma base legítima para se defender a anulação dos votos. Era uma forma de denúncia numa situação sem horizonte  e sem esperança.
Ainda assim, sempre se poderá lembrar a campanha de 1974. Realizada numa virada para baixo do regime, a eleição daquele ano marcou uma derrota espetacular da ditadura e sem dúvida ajudou a abrir caminho para a democratização.
Um problema do voto nulo, em 2018, é que, apesar do provável veto a Lula, as eleições diretas para presidente não foram abolidas.
Apesar dos permanentes esforços da elite dirigente   em desmoralizar e criminalizar o voto popular, ele  continua sendo encarado pela grande maioria dos brasileiros como um instrumento importante de ação política.
Mais uma vez: em 1965, o regime cancelou as diretas para presidente, governador de Estado e prefeitos de capital e estancias minerais. Em 2018,  a população conseguiu preservar o direito de debater escolhas políticas para encaminhar as melhores soluções para seus problemas. Caso venha a se efetivar, o veto a Lula implicará na perda do direito de escolher livremente seus  candidatos. Mas não representa o fim do direito de voto -- mesmo com restrições.
Neste ambiente, a  realização de eleições pode  fortalecer um possível candidato-substituto que vier a ser escolhido para representar Lula e o PT na eleição. Ele falará em nome de um projeto político vitorioso, com apoio do mais popular presidente que a República brasileira já produziu. 
Protagonista maior de nossa história, a importância de Lula é única,  como liderança e como personalidade pública. Ele já se  mostrou insubstituível em várias ocasiões -- confirmando essa condição também na prisão.  
Cabe lembrar um ponto que ele sempre foi o primeiro a reconhecer, contudo. Apesar de sua liderança  individual gigantesca,  Lula é a expressão de um projeto coletivo,  que sintetiza de vontade de mudanças, partilhada por milhões de trabalhadores e pelo povo explorado. 
As conexões entre ele e o Partido dos Trabalhadores são tão claras, coerentes, comunicando-se entre si. Tanto que Lula lidera as pesquisas presidenciais enquanto o PT possui  a maior aprovação entre os partidos políticos brasileiros.
Neste aspecto, uma segunda consequência nefasta da conversa de anular o voto implica em apagar todo papel efetivo que o PT possa vir a ter na campanha presidencial. Depois da cassação de Lula, promove-se a renuncia voluntária de seu partido a assumir qualquer papel relevante em 2018. 
Estamos falando do maior partido operário de nossa história, aquele que anima a central sindical de maior influência e que, em 2014, elegeu a maior bancada de parlamentares. A quem interessa silenciar tudo isso? 
Numa de suas mais felizes e conhecidas afirmações, Karl Marx disse que os homens não têm o direito de escolher as condições em que atuam politicamente -- pois estão condenados a agir sob condições dadas objetivamente pela conjuntura.
Desse ponto de vista, é preciso levar a defesa de Lula a seu limite máximo. Nenhuma concessão ou recuo pode ser aceitável. Planos B só servem para dispersar, enfraquecer.  
A irresponsabilidade histórica também não ajuda. 
Enfrentando derrotas sucessivas desde a deposição de Dilma Rousseff seria absurdo deixar de utilizar uma oportunidade inegável para criar uma oportunidade política para barrar um novo retrocesso e até promover uma virada na situação. Quem sabe, com um pouco de sorte, pode até ser possível reconquistar a presidência, que parece quase garantida com a presença de Lula na campanha. 
Sabemos que não existe espaço vazio nas lutas políticas. Num país onde o direito de voto persiste como o principal instrumento de participação política da maioria, os principais beneficiários de uma campanha pelo voto nulo  se encontram fora do PT,  até em forças que trabalham dia e noite contra o partido e contra Lula.
Com a conversa do voto nulo, os herdeiros políticos de Lula deixarão um imenso espaço aberto para a atuação de auto-nomeados substitutos e mesmo aventureiros com graus variados de escrúpulos.
Negativo por definição, o voto nulo é acima de tudo dispersivo. Seus maiores beneficiários habitam a nuvem de candidatos presidenciais com déficit de apoio popular, em busca desesperada de uma vitaminada em seus votos.  
Basta procurar conhecer detidamente os humores e conexões do eleitorado, para reconhecer que até o fascismo de Bolsonaro pode se beneficiar com a decisão.
Alguma dúvida?

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