Os médicos cubanos e a destruição de Lula e do PT

sul 21

Médicos cubanos que trabalhavam no RS foram homenageados no Aeroporto Salgado Filho. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Carlos Frederico Guazelli (*)
Antes mesmo de assumir a Presidência da República, o candidato recém eleito tem tratado de ampliar e aprofundar a série de retrocessos implantada no Brasil desde o afastamento ilegítimo da Presidenta Dilma Roussef. Assim é que, mercê das ameaças por ele dirigidas aos seus profissionais de saúde, bem como das declarações estapafúrdias que proferiu acerca de sua capacidade, Cuba decidiu romper o convênio estabelecido com a Organização Pan-Americana de Saúde, mediante o qual milhares deles prestaram, e ainda prestavam assistência até o mês passado, a milhões de brasileiros.
Como se sabe, implantado em 2013 o “Programa Mais Médicos”, diante do desinteresse da maioria dos médicos brasileiros em ocupar os postos de atendimento oferecidos nas periferias das grandes e médias cidades, e nos distantes rincões do interior de nosso vasto país, Cuba e Brasil firmaram dito convênio, por intermédio daquela organização internacional. Mercê disso, cerca de vinte mil profissionais cubanos, nos últimos cinco anos, atenderam a mais de cento e treze milhões de pessoas em nosso país, as quais não eram até então atingidas pelas políticas públicas de saúde a que tinham, e têm direito.
Dada sua notória qualificação em matéria de prevenção e assistência médica às famílias, especialmente no que respeita aos contingentes populacionais suscetíveis de contrair moléstias relacionadas à pobreza, os resultados do trabalho dos médicos cubanos logo se fizeram sentir. Por isso, malgrado a visível má-vontade das entidades da classe médica brasileira e, claro, dos órgãos da mídia oligopólica, foram vencidas as tentativas de sua obstaculização pela via judicial, e dada sua ampla aprovação popular, o programa foi renovado a partir de 2016, já a pedido do governo golpista.
O amplo apoio recebido pelos médicos de Cuba, de parte do público-alvo de suas ações – repita-se: os milhões de habitantes das favelas e vilas das grandes e médias cidades brasileiras; das pequenas comunidades do interior; das aldeias indígenas; dos quilombos e dos povoados perdidos, gente antes absolutamente desprovida dos mais elementares serviços de saúde – apenas replicou a aprovação que estes profissionais têm tido nos cento e sessenta e quatro (164) países em que atuaram, e continuam atuando há décadas.
A extinção desta exitosa política pública, oriunda dos governos petistas, inscreve-se na agenda de destruição política da esquerda brasileira, iniciada com a deposição ilegal de Dilma e a instalação do governo usurpador, dedicado a fazer passar pautas que o eleitorado sempre rejeitou; que prosseguiu com a condenação e prisão de Lula, e sua proibição de disputar o pleito no qual era o amplo favorito; e que culminou com a vitória do candidato fascista, após campanha marcada pelo uso de estratagemas de duvidosa legalidade.
Outros fatos recentes vêm-se somar à indução da saída dos médicos cubanos, como indicativos seguros da intenção destruidora acima aludida: a nova fase da interminável “operação lava-jato”, cujos notórios alvos não é preciso declinar; o interrogatório de Lula, agora na inacreditável ação instaurada a propósito do sítio de um amigo em Atibaia e do “pedalinho” de D. Marisa Letícia, procedido pela sucessora de seu algoz, a qual, aliás, exibiu no ato a mesma truculência e (mal) disfarçada hostilidade para com o réu, nutridas por seu predecessor e guia; a nova (?!) denúncia oferecida contra o ex-Presidente, mais Dilma e dirigentes do PT, pela formação de uma “organização criminosa” – que outra coisa não seria senão o próprio partido…
Não bastasse alijá-lo do poder, assim como a seus partidários, a direita brasileira – a serviço do capital financeiro internacional e do rentismo que capturaram o Estado – visa também, explicitamente, à destruição, não apenas política, mas também pessoal, da maior liderança popular de nosso país. Esta é a forma mais segura que os detentores reais do poder, e seus operadores vislumbraram para desconstituir os avanços sociais empreendidos nos últimos quinze anos – os quais, vê-se agora, não foram tão acanhados quanto se pensava. E, sobretudo isso, para impedir qualquer possibilidade de retorno ao governo do líder e da agremiação que comandaram o processo político em que tais conquistas se deram.
O instrumento precípuo para o cumprimento desta tarefa, continua sendo a parcela do sistema de justiça que, desde o processo e julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, recebeu sinal verde para a repressão seletiva dirigida contra Lula, o PT e seus aliados – em articulação estreita com o pressuroso oligopólio midiático. Como já referido algumas vezes neste espaço – sem qualquer pretensão de originalidade, aliás, até mesmo porque outros também o têm feito – a judicialização da política tem servido, nos últimos anos, com o vergonhoso beneplácito, quando não o apoio explícito dos tribunais superiores, à criminalização preferencial das lideranças da esquerda brasileira.
Não admira, pois, que a chefe nacional do ministério público tenha iniciado ação penal, perante a dita Suprema Corte, na qual chega ao cúmulo de sustentar que o maior partido brasileiro – partido de massa, de centro-esquerda, admirado em todo o mundo como referência contemporânea da esquerda democrática – não passa de mero agrupamento delitivo, simples súcia de ladrões, criada com a única finalidade de arrecadar dinheiro para seus dirigentes…
O efeito esperado destes movimentos combinados, não pode ser outro senão a deliberada extinção política, simbólica e, repita-se, inclusive física do grande líder pernambucano, de seus correligionários e de seu partido.
Por trás, por cima, pela frente, por todos os seus lados da desmontagem meticulosa das políticas públicas criadas, nos últimos tempos, em favor dos setores desfavorecidos de nossa iníqua sociedade, mal e mal se encobre outra destruição – também sistemática e progressiva – tendo por objeto as riquezas naturais, a começar pelas imensas reservas de óleo e gás, entregues aos estrangeiros na bacia das almas; o patrimônio nacional, com venda das estatais, como a Petrobras, a preço de banana; e os serviços públicos, submetidos à lógica perversa do mercado e passados quase de graça às empresas privadas.
Assim, ao encerramento ou redução drástica do “Mais Médicos”, se seguirão a transformação, já em curso, do “Bolsa-Família” em mera política assistencial limitada; o sufocamento orçamentário das universidades públicas e dos institutos federais de educação; o sucateamento do SUS e da Previdência Social pela falta de aportes, devido à famigerada “PEC do Teto dos Gastos”; enfim, o abandono e/ou a desconstrução de todas as políticas de inclusão social adotadas nos últimos quinze anos, e a precarização generalizada do serviço público.
A recentíssima publicação, pelos próprios órgãos oficiais, dos últimos e alarmantes números relativos à miséria e à pobreza, são o mais eloquente sintoma do pavoroso panorama de retrocesso imposto ao nosso desditoso país. De fato, depois de quase vinte anos de contínua redução, tanto o número de pobres, quanto o de pessoas vivendo abaixo do nível de pobreza voltaram a crescer: enquanto aqueles passaram a ser mais de cinquenta e dois (52) milhões, ou seja, cerca de um quarto de toda a população; o total de compatriotas nossos que vivem aquém da pobreza – isto é, com renda mensal menor que cento e cinquenta reais (!!) – atingiu mais de quinze (15) milhões.
Eliminados todos os vestígios da incipiente e tímida experiência recente de desenvolvimento econômico e social, bem como quaisquer resquícios de soberania nacional e popular, com a posse do tosco capitão reformado – acima de quem só existirá Deus – será enfim completada a tarefa de restituir o Brasil à triste condição de colônia.
(*) Defensor Público aposentado, Coordenador da Comissão Estadual da Verdade/RS (2012-2014).
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