Com dado sigiloso do Detran, empresa assedia motorista


 
Firma usa lista de CNHs que serão suspensas para "vender facilidades" a condutor

Promessa de empresas é de reduzir ao mínimo possível o período sem carta para o infrator, por R$ 450, em média


RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO 

Empresas de "assessoria" usam dados sigilosos do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) de São Paulo para oferecer serviços a motoristas cujas carteiras de habilitação estão ameaçadas de suspensão em consequência de infrações de trânsito.
Essas "assessorias" ligam para os condutores e os procuram pelo nome propondo agilizar a regularização da CNH do motorista. Nem o nome nem o telefone do condutor são divulgados oficialmente pelo Detran.
O órgão usa apenas o "Diário Oficial" do Estado para notificar os motoristas, com a publicação do registro da carteira de habilitação.
Conhecendo apenas esse número, uma série de 11 algarismos, não é possível descobrir o nome do condutor.
O motorista também é avisado pelo Detran por carta. Só ele e o órgão deveriam saber da suspensão da CNH.
Uma das empresas, a SP, de São João Clímaco, zona sul de São Paulo, disse à Folha que recebe lista com "nome e telefone" de "uma pessoa que trabalha no Detran", cujo nome não revelou.
Obter o "mailing" tem um custo, que Karol, como a funcionária da empresa se identificou, não disse.

ASSÉDIO
As empresas, que se dizem "parceiras do Detran", ligam para convencer o motorista a contratá-las para apresentar recurso e diminuir o tempo de suspensão da CNH -que varia de um mês a um ano.
Motoristas são procurados assim que é publicada a lista com os números de CNHs que estouraram os 20 pontos. O Detran dá prazo de 30 dias para recurso. Se for negado, o condutor tem a carteira apreendida e é obrigado a fazer curso de reciclagem.
A promessa das "assessorias" é reduzir ao mínimo o período sem carta, cobrando R$ 450, em média.
Se o motorista fizer tudo por sua conta, dentro da lei, gasta cerca de R$ 200 -sem contar o tempo dedicado.
Os condutores são surpreendidos pelo assédio das empresas.
"Comecei a receber as ligações das empresas e fiquei sem saber o que fazer", diz Ana (nome fictício), uma empresária de São Paulo.
A competição no setor, segundo Karol, da SP, é acirrada. É comum, por exemplo, clientes se irritarem por terem recebido "umas dez" ligações antes, diz. "Tem muito picareta no mercado."
Algumas empresas propõem ao motorista até não fazer o curso de reciclagem -o que é irregular. Em 2010, o Detran suspendeu a CNH de 433 mil dos 19,5 milhões de motoristas no Estado.
OUTRO LADO
Órgão nega vazamento de informações


DE SÃO PAULO

O Detran afirmou que o seu banco de dados não tem o telefone dos motoristas; apenas o nome, endereço e a carteira de habilitação.
O órgão disse não ter informações sobre o envolvimento de funcionários na venda de dados sigilosos. Se isso acontecer, acrescentou, o caso será investigado e as medidas cabíveis, tomadas.
A Folha contatou duas das empresas de "assessoria" em recursos de multa. A SP disse que se limita a oferecer o serviço. A Ideológica Assessoria negou ter acesso aos dados do Detran. Segundo José Domingos da Silva, proprietário da empresa, o nome do cliente consta do sistema eletrônico disponível nas autoescolas; procurado, o Sindicato Estadual das Autoescolas negou.
DEPOIMENTO
Após receber ligações, me senti meio delinquente 


ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

De repente, me senti meio delinquente. A carta do Detran dava 30 dias para que eu apresentasse minha defesa. O despachante dizia: "Pra resolver sua vida, são R$ 1.200".
Em casa, o telefone começou a tocar. "Sabemos que está com problemas no Detran." Três moças me ligaram. Para a primeira, perguntei quanto custava a solução. "R$ 800", respondeu. As outras duas já me pegaram sem paciência.
Ao saber que tinha 45 pontos na carteira, a primeira sensação foi de espanto. Eu não recebera avisos de multa porque mudei de casa e não alterei o endereço.
Mal analisei as multas e passei a sentir vergonha. Passar no semáforo vermelho, dirigir sem cinto, falar ao celular. Deixei de seguir as regras de trânsito.
Segundo os despachantes, com propina, minha pena seria reduzida de três ou seis meses para um mês.
Fiquei tão atarantada que botei o carro à venda, comprei uma bicicleta e carreguei o bilhete único.
Imbuída de certo espírito cívico e decidida a não pagar propina, fui ao Detran.
Fui atendida em 20 minutos e entreguei o recurso. Em 16 dias, voltei lá para saber qual seria minha pena.
Um simpático escrivão disse que eu perdi o direito de dirigir por um mês e deveria fazer a reciclagem. Contei que haviam dito que pegaria até seis meses.
Ele sorriu: "É mentira. Com esse tipo de multa, e sem histórico no Detran, sempre pega um mês. Esses caras vendem vento".
Eu me matriculei num curso online de reciclagem. Pagarei R$ 100. Farei a prova e voltarei a dirigir -mais consciente, prometo.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0606201103.htm
ANÁLISE
Os pecados de compra e venda de dados sigilosos oficiais


GUARACY MINGARDI
ESPECIAL PARA A FOLHA 

No ano de 1995 a Assembleia Legislativa de São Paulo iniciou uma CPI para investigar o crime organizado e suas ligações com o aparelho do Estado.
Um dos primeiros alvos foi o Detran, onde se supunha haver envolvimento de funcionários com o crime. Sobre a relação deles com organizações criminosas, nada foi descoberto, porém quanto à ligação com organizações legais ou que trabalham na margem da legalidade, muitos fatos foram levantados.
O que mais chamou atenção foi que empregados de recuperadoras de veículos tinham acesso ao banco de dados do Detran, ou seja, tinham uma senha oficial e a permissão para pesquisar nesse sistema.
Além disso, surgiram denúncias sobre envolvimento de servidores com despachantes, seguradoras etc.
Por isso as denúncias recentes não são exatamente uma novidade, apenas outra versão do mesmo problema, a falta de distinção entre o público e o privado que impera em vários setores do serviço público brasileiro, onde obter vantagens por intermédio do cargo que ocupa é a regra, não a exceção.
Na cultura policial a cessão de informações privilegiadas, ou mesmo a venda, para determinadas empresas, nunca foi vista como falta grave, apesar de ser ilegal.
Muitos policiais que se consideram honestos fizeram disso uma fonte de renda extra.
Já o acerto com o criminoso sempre foi avaliado como mais nocivo, coisa feita por corruptos.
A ideia é que negociar com as "pessoas de bem" é apenas um pecadinho venial, quase que sem importância.
E os que são pegos sempre se defendem alegando que é um caso irrelevante, um crime sem vítima.
O que é incorreto, porque a vítima é a sociedade, que paga impostos para obter serviço de primeira, mas ele só está à disposição de alguns que pagam por fora.
Há cerca de 200 anos, o Ocidente apostou na criação de um serviço público que fosse neutro, profissional e especializado.
No Brasil essa história tem menos de cem anos. Talvez por isso o trabalho ainda esteja pela metade. Temos profissionais especializados, falta alcançar a neutralidade.

GUARACY MINGARDI é cientista político e especialista em segurança públicahttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0606201104.htm
Vândalos picham monumento a Zumbi com frases racistas 
Imagens de câmera da polícia podem identificar os pichadores
CRISTINA GRILLO
DO RIO 

O monumento a Zumbi dos Palmares, na av. Presidente Vargas, centro do Rio, amanheceu ontem pichado com frases racistas.
Na base do monumento, os pichadores escreveram "invasores malditos, macacos", "fora para a África" e desenharam uma suástica.
A estátua do rosto de Zumbi dos Palmares recebeu um "banho" de tinta branca.
Perto do monumento está instalada uma câmera da Polícia Militar. Carlos Roberto Osório, secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, diz que pediu à Secretaria de Estado de Segurança que as imagens captadas sejam analisadas, para verificar se é possível identificar os pichadores
"Além do crime de dano ao patrimônio público, eles cometeram outro ainda mais grave, o de racismo. Foi um ato muito agressivo."
O monumento foi pichado durante a madrugada de ontem. Pela manhã, equipes da prefeitura iniciaram a limpeza. No início da tarde, as frases ofensivas e a tinta branca já haviam sido apagadas.
O monumento é uma homenagem a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, foco de resistência à escravidão no século 17, no Estado de Alagoas.
Recentemente, o monumento havia passado por obras de restauro e limpeza. Já havia sido pichado em várias ocasiões anteriores, mas nunca com termos racistas.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0606201115.htm



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