3 meses após início de ação para internações cracolândia está cheia



folha de são paulo

O jovem de 16 anos acende o cigarro de maconha no quintal de casa, na frente do pai. "Melhor aqui do que fumando crack na rua", diz o desempregado Samuel de Paula, 45, morador de Itapevi, na Grande São Paulo.

Com os dedos queimados pelo acender de cachimbos, o filho dele fugiu após 18 dias de internação. O adolescente é um dos 590 internados após o início do plantão judiciário para atendimento a dependentes químicos no Bom Retiro (centro).
O programa, iniciado há três meses não conseguiu amenizar o fluxo da chamada cracolândia, que segue apinhada de dependentes.
Com sede no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) do Estado, a iniciativa sofre com problemas estruturais, segundo juízes que atuam ali desde 21 de janeiro.
Demora para conseguir vagas, falta de ambulâncias para transportar dependentes e de equipes para lidar com viciados em surto foram algumas das falhas detectadas pelo desembargador Antônio Carlos Malheiros.

Recuperação de viciados em crack

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Avener Prado/Folhapress
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Thomas Watanabe Fantine, 20 anos, e sua mãe Sheilla Watanabe Fantine, 45 anos; dependente de crack, Thomas acaba de sair de internação
"As vagas faltam, sim. Acabam aparecendo depois que o Judiciário determina o aparecimento", disse Malheiros. "Com essa demanda terrível tem que se reestruturar para ser mais ágil. A falta de estrutura é uma marca da Saúde de forma geral", afirmou.
A alta demanda gerou casos de falta de vagas, segundo Malheiros. "Teve uma mãe que me procurou e disse que estava havia quatro dias ali esperando que o filho, numa maca, fosse internado. Imediatamente subi e pedi ao juiz que determinasse e a vaga saiu", disse o desembargador, que coordena o plantão.
O plantão judicial foi criado para agilizar internações. Nos três meses, houve 177 processos para isso -nem toda a internação necessita da intervenção direta da Justiça.
A presença do juiz serve, por exemplo, para que se determine a internação compulsória, que ocorre contra a vontade do dependente e independe do aval da família.
Nos três meses, 3.295 pessoas foram atendidas no centro, que se transformou numa espécie de pronto-socorro de dependentes e seus parentes em busca de ajuda.
A medida foi criada um ano depois da ação policial na cracolândia para coibir o tráfico e incentivar usuários a buscar tratamento. O tráfico persiste e os dependentes estão espalhados pelas ruas.
Apenas uma pessoa foi internada por medida judicial. Nas demais, ou o dependente aceitou o tratamento ou a internação ocorreu de forma involuntária - quando a família autoriza mediante indicação de um psiquiatra.
À FORÇA
No caso do filho de Samuel de Paula, ele mesmo agarrou o jovem de 16 anos pelo braço e o levou à força até o Cratod, no dia 21 de janeiro.
O desempregado havia acabado de flagrar o rapaz vendendo crack na rua Dino Bueno, região da cracolândia.
O garoto fugiu pela porta da frente após ficar 19 dias no hospital psiquiátrico Pinel (Pirituba). "Aqui o protejo. Deixo ele fumar para não ser extorquido nem aliciado ou que o matem na rua. Do portão para dentro, eu sou a polícia".
Depois da fuga, o rapaz voltou para casa. "Me disseram que se quisesse poderia sair. Passei pelo porteiro e vim embora", disse o jovem. "Lá só tomava remédio e ficava trancado. Não tinha atividade quase", disse ele, que parou de estudar na 5ª série e tem passagens pela Fundação Casa.
Segundo o pai, o garoto voltou para casa sozinho de trem. "Mas e agora? Se o Estado não foi capaz de retê-lo até o fim do tratamento, vou ficar numa loteria, sem saber o que fazer".
OUTRO CASO
"Um mês foi muito pouco. Saí e estou me segurando para não usar", diz Thomaz Watanabe Fantine, 20.
Viciado em crack há cinco anos, ele foi internado [no interior de SP] por 25 dias, após se cortar na frente de funcionários do governo. "Fiquei num lugar para louco. Não quero esse tratamento".
Após ter alta, foi deixado na Cracolândia. Não voltou ao crack por causa dos remédios. "Peguei carona num ônibus e vim para a casa da minha mãe [na zona norte]".
Sheilla Watanabe, 45, a mãe, não trabalha mais como pintora de parede para cuidar do filho. "Sem um bom tratamento, voltará às ruas".
Editoria de Arte/Folhapress

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