Empresário pego na Lava Jato diz que doleiro fazia “contatos políticos” no Ministério da Saúde

Em depoimento à PF, executivo Leonardo Meirelles afirmou que Alberto Youssef ‘viabilizava reuniões’ entre diretores da Labogen e a Saúde

por Fausto Macedo
O empresário Leonardo Meirelles, dono da Indústria e Comércio de Medicamentos Labogen Química Ltda, revelou que o doleiro Alberto Youssef, o “Primo”, alvo maior da Operação Lava Jato, “fazia contatos políticos para viabilizar reuniões entre representantes da empresa e o Ministério da Saúde”.
Meirelles também foi preso pela Lava Jato, investigação deflagrada em março pela Polícia Federal para estancar esquema de lavagem de R$ 10 bilhões. Na última sexta feira, 4, a Justiça Federal concedeu liberdade provisória ao empresário com fiança estipulada no valor de R$ 200 mil.
Em depoimento à Polícia Federal, Meirelles revelou que Youssef é dono da Quality Holding Investimentos e Participações e firmou uma promessa de aquisição da Labogen, abarcando 80% das ações. A Labogen, informou, tem um passivo de R$ 24 milhões.
Segundo ele, desde 2010 o doleiro “já aportou R$ 3 milhões na Labogen”. Os aportes foram feitos em nome de “Primo”. Essa informação confirma suspeita da PF no sentido de que o verdadeiro controlador da Labogen é o doleiro.
Meirelles não indicou, porém, quem seriam os “contatos políticos” de Youssef dentro da Saúde.
A Labogen é um laboratório de produtos farmacêuticos que, segundo a investigação da PF, teria sido favorecida em contrato de R$ 150 milhões do Ministério da Saúde. A PF suspeita que a Labogen, com folha salarial de apenas R$ 28,8 mil, foi usada de ‘laranja’ pelo doleiro Youssef para que outra empresa assumisse o acordo, fechado em dezembro de 2013, sob amparo de uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP).
Criada no âmbito da Saúde, a PDP previa a produção de medicamento para tratamento de hipertensão pulmonar. No dia 26 de março, o Ministério da Saúde suspendeu o contrato sob suspeita.
Meirelles disse que os contatos da Labogen sobre o assunto eram feitos com Eduardo Jorge Valadares Oliveira, diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde, área do Ministério responsável pelas Parcerias.
O empresário cita também Leonardo Paiva, subsecretário da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério (SCTIE/MS). Ainda segundo Meirelles, um funcionário da Labogen, Marcos Moura, “era quem mantinha os contatos institucionais com o Ministério da Saúde, inclusive com Carlos Gadelha (secretário da SCTIE/MS)”.
A PF questionou Meirelles sobre um e-mail enviado para ele por seu colega na Labogen, Pedro Argese, em que este diz que Eduardo Jorge teria orientado a empresa a se compor com a indústria EMS. O e-mail diz: “Hoje pela manhã estive em reunião na indústria farmacêutica EMS, laboratório que detém o primeiro lugar no ranking quanto ao faturamento. Somente no ato da visita soube que foi por determinação e indicação do sr. Eduardo Jorge que é o diretor da SCTIE (Brasília). Fato esse derivado aos contatos realizados. Pediu assim para que nos compuséssemos e firmássemos parceria com a EMS e Labogen para as futuras PDPs.”
A PF pediu a Meirelles que explicasse o conteúdo do e-mail interceptado. Ele afirmou que “se trata apenas” dos resultados das reuniões que mantiveram no Ministério da Saúde.
Segundo Meirelles, “a indicação da EMS foi feita em razão de já possuir registro do medicamento acabado, qual seja citrato de sidenafila 20mg e 50mg, sendo mais fácil a Labogen se associar a uma farmacêutica para viabilizar a execução da PDP”.
Ele disse que o termo “determinação”, atribuído a Eduardo Jorge, “foi mal usado por Pedro Argese”.
“Não existe qualquer interesse de Eduardo Jorge ou qualquer outra pessoa do Ministério da Saúde na EMS”, declarou Meirelles.
Ele afirma que não tem informação sobre pagamento de propinas. “Os contatos sempre foram institucionais e técnicos, não tendo conhecimento de qualquer tráfico de influência, corrupção ou benefício envolvendo aqueles funcionários públicos e os projetos da Labogen”, ressaltou no depoimento à PF.
Meirelles disse, ainda, que não tinha conhecimento da origem dos valores que Alberto Youssef movimentava em suas contas. Segundo ele, todos os contratos de câmbio feitos a mando de Youssef não possuem declaração de importação e “não foram objeto de pagamento de qualquer tributo”.
Admitiu que Youssef “sempre pagou” a ele 1% de comissão a cada movimentação solicitada pelo doleiro na conta de suas empresas, independente de contrato de câmbio. Ele afirmou que as corretoras que utilizava para fazer os contratos de câmbio e remeter dinheiro para o exterior a serviço de Youssef eram a Levycam, Pionner, Graco e Multimoney – esta última, disse, fazia compra e venda de moeda física em nome de laranjas.
Meirelles afirmou à PF que o doleiro Enivaldo Quadrado, ex-sócio controlador da corretora Bônus Banval e condenado no processo do Mensalão, “era empregado de Youssef”.
Quando a PF deflagrou a Operação Lava Jato, o Ministério da Saúde informou que o acordo entre a Labogen e outros laboratórios “trará economia, em 5 anos, de R$ 29,8 milhões”. O Ministério destacou que segue “rigorosos critérios técnicos, com o aval de comissões da própria Pasta, BNDES, Anvisa e outros órgãos.
Segundo o Ministério da Saúde, “o processo de escolha da Labogen foi transparente, numa reunião do Comitê de Competitividade e grupo executivo do Complexo Industrial da Saúde, em dezembro de 2013, com a participação de 250 pessoas”.
A defesa de Alberto Youssef não foi localizada.
O Ministério da Saúde esclarece que não tem contrato com o laboratório Labogen. Além disso, não realizou pagamentos no âmbito da PDP firmada com o Laboratório da Marinha, a Labogen e a EMS, cujo termo de intenções foi assinado no fim do ano passado.
Pelo cronograma do projeto, apenas em 2015, quando já estivesse ocorrendo entrega do medicamento, seriam realizados pagamentos exclusivamente ao Laboratório Público. O Laboratório da Marinha somente compraria matéria-prima farmacêutica do laboratório Labogen em 2015, após analisar e atestar junto ao Ministério da Saúde e a Anvisa e produção nacional integral
Com relação à Labogen, cabe destacar que das cinco propostas de PDP de que a empresa fazia parte, apenas a para a produção do citrato de sildenafila foi aprovada, com valor anual de R$ 6,2 milhões, enquanto as quatro rejeitadas somariam R$ 323 milhões. Portanto, o projeto aprovado do Laboratório Farmacêutico da Marinha, com experiência reconhecida, representa apenas 2% das propostas com participação da Labogen apresentadas ao Ministério da Saúde, não havendo ainda nenhum contrato firmado.
Após tomar conhecimento do teor do relatório da Polícia Federal sobre a Operação Lava-Jato, o Ministério da Saúde suspendeu o termo de intenções da PDP e determinou a abertura de procedimento interno de apuração.
O intuito das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, avaliadas com base em critérios técnicos, é transferir a um laboratório público brasileiro a capacidade tecnológica para produzir insumos, medicamentos e equipamentos de saúde que sejam estratégicos para o SUS. O modelo garante, além de redução de preços, que o Brasil amplie seu parque fabril na área da saúde, dando-lhe mais proteção diante de oscilações no mercado internacional que afetem a oferta destes itens.
Para constituí-las, o Ministério da Saúde atualiza e envia aos laboratórios públicos nacionais a relação de produtos estratégicos que deseja adquirir, incentivando-os a criar projetos para atender esta demanda.

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