Ipea corrige pesquisa sobre abuso contra mulheres

Na verdade, 26% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que mulheres com roupa curta merecem ser atacadas e não 65%


Bruno Ribeiro, Daniel Trielli, Lissandra Paraguassu e Mônica Reolom - O Estado de S. Paulo

 - Daniel Teixeira/Estadão
Daniel Teixeira/Estadão
SÃO PAULO - O dado mais comentado do estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a violência contra as mulheres estava errado. Uma semana após a divulgação da pesquisa levar a uma avalanche de reações desde a presidente Dilma Rousseff até a funkeira Valesca Popozuda, o órgão informou que 26% dos brasileiros, e não 65%, concordam, total ou parcialmente, com a afirmação de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". O Ipea é ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.
O órgão publicou uma errata, e o diretor do Departamento de Estudos e Políticas Sociais, Rafael Osório, pediu exoneração. Assinou também a nota Natália Fontoura, coordenadora de Igualdade de Gênero do Ipea. Os pesquisadores explicaram que houve uma troca entre os gráficos da questão com a pergunta sobre "mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar".
"A correção da inversão dos números entre duas das 41 questões da pesquisa reduz a dimensão do problema anteriormente diagnosticado no item que mais despertou a atenção da opinião pública", informou o texto. Até mesmo os pesquisadores do Ipea haviam admitido surpresa com o resultado durante a divulgação, no dia 27. Ainda assim, o órgão levou uma semana para descobrir o erro.
O Ipea fez um pedido de desculpas "pelos transtornos causados". "Registramos nossa solidariedade a todos os que se sensibilizaram contra a violência e o preconceito e em defesa da liberdade e da segurança das mulheres", afirmou o instituto, na nota. O estudo era o primeiro de opinião feita pelo órgão com ampla repercussão em assuntos de gênero.
O resultado errado foi o que havia causado ampla repercussão no Brasil e também na imprensa internacional. Uma campanha na internet, deflagrada pela jornalista Nana Queiroz, obteve apoio de mulheres e homens de todo o País, incluindo atrizes, atores e outros artistas posando, sem roupa, com cartazes com variações da frase "Eu Não Mereço Ser Estuprada".
A ministra de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, vestida, também participou. Nesta sexta-feira, 4, em nota, a pasta afirmou que "a correção dos dados da pesquisa corrobora o fato de que a sociedade está em processo de mudança no que toca à igualdade de gênero". Mas, também de acordo com a secretaria, é ainda "lamentável o número de pessoas no Brasil que defendem que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’", ao se referir a uma das perguntas, cujo porcentual de concordância, total ou parcial, é de 78,7%.
No Palácio do Planalto, o erro do instituto foi recebido com espanto. Em sua conta no Twitter, na semana passada, Dilma se manifestou sobre o dado equivocado. "A sociedade brasileira ainda tem muito o que avançar no combate à violência contra a mulher", escreveu. "Tolerância zero à violência contra a mulher", pediu a presidente, que ontem não escreveu nenhum tuíte sobre a falha. Nesta sexta, o posicionamento de Dilma foi feito em sua conta oficial no Facebook e ela afirmou que o novo "dado também é muito preocupante".
Números e erros. Apesar da correção, outro dado impactante foi mantido pelo Ipea: 58,5% dos entrevistados concordaram que, "se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros".
Houve, porém, outros gráficos trocados, segundo o órgão. Neste caso, com duas perguntas semelhantes, sem grande alteração nos resultados. Na frase "O que acontece com o casal em casa não interessa aos outros", 13,1% discordaram totalmente e 5,9%, parcialmente. Diante da afirmação "Em briga de marido e mulher não se mete a colher", 11,1% discordaram totalmente e 5,3% discordaram parcialmente. Os dados foram divulgados de forma invertida.
Segundo a pesquisadora do Ipea Luana Pinheiro, os erros foram descobertos quando técnicos do instituto começaram a trabalhar com o banco de dados da pesquisa e notaram as inconformidades. "O banco de dados é muito amplo e interessante e continuávamos trabalhando com ele quando notaram o erro", afirmou.
"Logo que o erro foi percebido, houve a divulgação da errata. A nova versão da pesquisa deve estar amanhã (sábado, 5) no nosso site. A elaboração da documentação da errata foi feita assim que o erro foi notado. Não houve demora na publicação da errata", disse Luana. Para o Ipea, entretanto, os erros não alteram as conclusões da pesquisa, que apontam que, para a sociedade, a vítima de estupro tem parte da culpa.
"Infelizmente, as conclusões da pesquisa se mantêm, porque a pesquisa tinha um conjunto de perguntas muito amplo. É importante analisar a pesquisa como um todo. Estatisticamente, quanto à culpabilização da mulher, ainda há uma pergunta que diz que 58,5% das pessoas concordam com a afirmação de que, se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros", justifica Luana.

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