No Uruguai, oposição pressiona coalizão de Mujica

Há dez anos que a Frente Ampla, coalizão de mais de dez partidos de tendência esquerdista, governa o Uruguai. Apesar de sua figura central, o cultuado presidente José Mujica, não poder se candidatar à reeleição, até pouco tempo atrás a continuidade do bloco no poder após as eleições deste ano era dada como certa.
Entretanto, nos últimos meses os ventos sopraram para a oposição, principalmente para o candidato de centro-direita Luis Alberto Lacalle Pou, de 41 anos. As últimas pesquisas antes do primeiro turno, neste domingo (26/10), indicam que ele está cerca de 10 pontos percentuais atrás de Tabaré Vázques, antecessor e candidato à sucessão de Mujica.
Vázques tem entre 43% e 46%, segundo as pesquisas, e Lacalle Pou, entre 31% e 33%. Mas a oposição alcança ou até mesmo supera o candidato governista se forem considerados os percentuais do terceiro colocado, Pedro Bordaberry, do Partido Colorado, que teria em torno de 15% dos votos. A atual situação indica um segundo turno disputado e de resultado imprevisível.
Sucesso econômico
Especialmente no segundo mandato, o de Mujica, a Frente Ampla ganhou reconhecimento nacional e internacional por suas políticas moderadas de esquerda. Em 2013, a revista britânica The Economist elegeu Mujica "presidente do ano"– o que pode ser justificado pelo impressionante desempenho econômico do Uruguai.
Nos últimos quatro anos, o PIB do país cresceu em média 5,5% ao ano; o índice de pobreza caiu de 34%, em 2006, para 11,5%, em 2013. O desemprego alcançou a baixa histórica de 6%. Em meados de 2012, as agências de avaliação de risco elevaram o país à categoria de "investment grade", ou seja, bom para investimentos. De fato, os investimentos internacionais diretos aumentaram, assim como a demanda por títulos uruguaios.
A razão para o sucesso não é inteiramente nova. Trata-se de um governo de esquerda que adota políticas econômicas orientadas para o mercado. O curso escolhido pelo Ministério da Economia do Uruguai não inclui experimentações populistas, como as que ocorrem do outro do lado do Rio da Prata, na Argentina.
Em vez de abusar das máquinas de imprimir dinheiro, como faz o governo argentino, o Uruguai financia políticas de redistribuição dos aumentos moderados nos impostos. Essa é a base que compõe uma próspera economia de mercado, com produções ramificadas em 12 áreas econômicas e várias indústrias fortes, como de software, madeira, turismo e, principalmente, logística.
De acordo com pesquisas, apenas 6% dos 3,4 milhões de uruguaios não estão satisfeitos com a própria situação econômica, enquanto 45% da população descrevem sua situação como boa ou muito boa. Os demais ao menos não perceberam nenhuma piora. Dois terços dos uruguaios esperam que a própria renda aumente no ano que vem.
Além disso, as políticas sociais liberais associaram ao Uruguai e ao presidente Mujica uma imagem progressista, reconhecida internacionalmente. A legalização da maconha e do casamento gay, o asilo a refugiados da Síria e a promessa de recepção de prisioneiros de Guantánamo são vistos dos dois lados do Atlântico como medidas precursoras, não apenas para os países latino-americanos.
Mas são precisamente essas medidas que, na opinião de alguns, levaram longe demais a orientação esquerdista e liberal do governo. A liberalização do aborto é uma questão controversa até mesmo dentro da coalizão governista.
Alguns setores da sociedade entendem que muito pouco foi alcançado, enquanto outros reclamam das pressões tributárias, mesmo que a renda tenha aumentado. Além disso, a proximidade com governos populistas – ainda que mais em termos táticos do que de convicção – desagrada a muitos eleitores.
Anseio por renovação
Pesa também o fato de que a Frente Ampla não conseguiu se renovar. Nas eleições deste ano aparecem os mesmos políticos de dez anos atrás. Vázquez tem 74 anos de idade, e Mujica, 79.
Lacalle Pou, candidato da oposição, explora claramente essa insatisfação. Ao invés de atacar a Frente Ampla, ele elogia suas conquistas e promete aprofundá-las. Suas críticas são voltadas para aspectos como educação e segurança pública, que ainda deixam a desejar.
Ele também prega um distanciamento cauteloso do Mercosul, uma vez que o acordo de livre-comércio com Argentina, Brasil, Paraguai e Venezuela acaba sendo mais um entrave do que um incentivo aos investimentos estrangeiros.
Assim como o candidato de oposição no Brasil, Aécio Neves, Lacalle Pou almeja que seu país se alinhe a outros parceiros, como os Estados Unidos, a União Europeia e a Aliança do Pacífico – acordo de livre-comércio de sucesso, que inclui países do México ao Chile
Tabaré Vázques (c) foi presidente até 2010, quando foi sucedido por José Mujica
Lacalle Pou agrada grande parte da população. Muitos uruguaios desejam uma renovação do sistema político e não acreditam que a Frente Ampla seja capaz disso. Por muito tempo, a coalizão governista foi a antítese dos partidos conservadores Blanco e Colorado, que governaram o país por quase cem anos, até 2005. Boa parte da população deseja agora novas perspectivas.
É possível que a Frente Ampla conquiste o apoio dos últimos eleitores indecisos, mas caso não consiga se eleger no primeiro turno, Lacalle Pou poderá ganhar a eleição pelo Partido Blanco, com a ajuda do Colorado no segundo turno, em 30 de novembro. Como mostram pesquisas recentes, as chances de a oposição chegar à Presidência são reais.
Autor: Pablo Kummetz (rc)
Edição: Luisa Frey

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