Aumentam em 51,2% os registros de casos de violência contra crianças e adolescentes

Órgão faz alerta de que essa realidade pode ser ainda pior, já que não existe um cadastro integrado de dados

Rosimeire Silvarosimeire.silva@jcruzeiro.com.br

Os registros de casos de maus-tratos e abuso sexual contra crianças e adolescentes tiveram um aumento de 51,2% em Sorocaba no período de um ano. De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Tutelar de Sorocaba, até novembro deste ano foram registrados 183 casos. No mesmo período do ano passado foram 121 ocorrências. A maior incidência foi relativa ao abuso sexual, que passou de 62 casos registrados no ano passado para 81 nos primeiros 11 meses de 2014.

A presidente do Conselho Tutelar de Sorocaba, Juliana Vanessa Marchi, diz que o mais preocupante é que esses números não representam o real volume de ocorrências na cidade. Isso por que, explica ela, nem todos os casos de maus-tratos ou abuso sexual chegam ao Conselho, já que muitas denúncias são encaminhadas diretamente à polícia ou até mesmo nem chegam ao conhecimento das autoridades. Anteriormente, esse tipo de denúncia era centralizada na Delegacia de Defesa da Mulher, mas atualmente cada distrito policial pode fazer o registro, o que dificulta um levantamento específico sobre esse tipo de ocorrência. "Essa ausência de uma estatística real sobre os casos de violência contra crianças e adolescentes no município dificulta, inclusive, uma cobrança mais efetiva sobre as ações que devem ser desenvolvidas para o atendimento das vítimas e seus familiares", reconhece Juliana.

A presidente da Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Contra a Criança e o Adolescente, Ione Aparecida Xavier, afirma que a implantação de um sistema integrado de dados que centralizaria as notificações relativas a esse tipo de ocorrência está prevista no Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual, entregue oficialmente à Prefeitura no final do ano passado, mas que até o momento não saiu do papel. "Sem esse sistema integrado não há como ter o número real de casos registrados na cidade e assim se desenvolver uma gestão e planejamento de ações dentro dessa realidade", argumenta.

Além do sistema integrado de dados, o plano estabelece uma série de metas e ações a serem desenvolvidas até 2018, como a criação de uma delegacia especializada no atendimento de vítimas sexuais dentro dessa faixa etária e seus agressores, com uma estrutura adequada para realização de um atendimento específico. Outra meta a ser desenvolvida é a realização de programas psicoterápicos individuais para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e não em grupo. "Infelizmente nesse ano pouco se avançou em relação à viabilização do plano, com exceção da questão da prevenção, mas ainda é muito pouco."

A Secretaria de Planejamento e Gestão (SPG) informou, por meio de nota, que foi adquirido um software pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) para a implantação do Sistema de Acompanhamento da Família e Indivíduo (Siafi) e que atualmente os funcionários da pasta passam por treinamento para que o sistema seja implementado a partir de janeiro de 2015.


Denúncias aumentam


Para a presidente do Conselho Tutelar de Sorocaba o aumento no registro de casos de maus-tratos e abuso sexual não está relacionado necessariamente ao aumento da incidência, mas principalmente a maior disposição das pessoas em encaminhar as denúncias. Segundo ela, isso é resultado da intensificação de campanhas de orientação que são desenvolvidas junto a escolas e as comunidades.

Tanto que é crescente o número de denúncias que chegam principalmente de forma anônima nos serviços disponibilizados, como os Disque 100, 181,190 e também diretamente ao Conselho Tutelar. Até novembro deste ano, 429 denúncias anônimas foram recebidas pelo órgão, 54 a mais que o total recebido no mesmo período do ano passado. "Todos esses casos são averiguados por nossas equipes e quando é procedente são tomadas as medidas necessárias", diz.

Além das denúncias anônimas, Juliana Marchi diz que também tem crescido o número de pessoas que procuram voluntariamente o Conselho Tutelar para receber orientação sobre determinadas situações. Neste ano, já foram 6.722 atendimentos espontâneos na unidade. Durante todo o ano passado foram 6.436. "Tenho observado uma mudança até mesmo cultural, em que as pessoas passaram a ver o Conselho Tutelar como um parceiro e não mais como órgão inibidor, que pode tirar a guarda do seu filho", constata.

A delegada da Delegacia de Defesa da Mulher, Ana Luiza Job de Carvalho Salomone, confirma que hoje se percebe uma disposição maior das pessoas no encaminhamento de denúncias referentes à violência contra crianças e adolescentes, embora ainda se perceba um pouco mais de receio quando o assunto é o abuso sexual. "Os casos de maus-tratos são mais facilmente identificados e acabam envolvendo mais testemunhas, provocando um choque na sociedade e muitos acabam denunciando." Já o abuso sexual é silencioso, comenta a delegada, sendo que muitas vezes acaba envolvendo pessoas da mesma família, o que dificulta esse encaminhamento. "Por isso a importância do olhar atento dos profissionais, principalmente daqueles que atuam na área de educação e saúde, que podem identificar uma mudança de comportamento dessas crianças".

Ana Luiza afirma que a própria Lei Maria da Penha tem auxiliado na identificação de um maior número de casos de violência contra crianças e adolescentes. "Invariavelmente a agressão contra a mulher também se estende aos filhos", constata.


Perfil


De acordo com a delegada Ana Luiza, a maior parte das vítimas de maus-tratos está na faixa etária de 5 a 10 anos. Já em relação aos casos de abuso sexual, a maior incidência corre nas crianças com idade de 4 aos 8 anos, embora já tenha sido registrado caso de abuso em bebês de três meses de vida.

Ela cita que quando a violência sexual é praticada por padrastos, a maior parte dos casos ocorre em meninas de 10 a 14 anos. "A partir de quando elas menstruam esses agressores costumam parar por temer uma gravidez, mas daí se inicia um histórico de agressão física, pois existe um comportamento de possessão e eles não deixam que elas se envolvam com outras pessoas. É um ciclo de violência."

Ana Luiza diz que ainda hoje a maioria das denúncias de abuso sexual não parte das mães, mas das próprias vítimas. "Muitas alegam desconhecer a violência ou mesmo acabam sendo cúmplices da situação por medo." A delegada diz que embora esse tipo de atitude provoque indignação na maioria das pessoas, não é possível julgar, pois ninguém sabe a bagagem de vida desta mulher que a tenha deixado tão vulnerável ao ponto de permitir essa situação. "Por isso a importância dessas vítimas serem acolhidas em serviços que sejam especializados para que elas possam ser fortalecidas e retiradas desse ciclo."

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