Executivos de empreiteiras conhecem rotina de privações

Sede da Polícia Federal em Curitiba.
CURITIBA E SÃO PAULO — Acostumados a uma vida de luxo, os executivos das principais empreiteiras do país conseguiram manter na cadeia pelo menos um dos antigos hábitos: beber água mineral importada. A entrada de garrafas de Evian é uma das poucas benesses permitidas na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, onde eles estão confinados há 30 dias. Obrigados a dividir celas de seis metros quadrados, deixaram para trás uma vida em coberturas de 600 metros quadrados, casas de praia e a rotina de viagens ao exterior.
Na cadeia, levam uma vida espartana. Não têm direito a assistir TV e podem tomar banho de sol por uma hora. Não há cama para todos, e alguns dormem em colchonetes. Recebem ainda chocolates e biscoitos, produtos que não estragam, já que não há geladeiras. Visitas de familiares, só uma vez por semana.
BANHOS DE SOL ALTERNADOS
Os executivos ocupam uma das duas alas da carceragem, onde dividem três celas. Na outra ala, estão o doleiro Alberto Youssef, um dos delatores do esquema, e o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano. A divisão foi feita para evitar constrangimentos. Os banhos de sol ocorrem em momentos alternados, para que delatores e delatados não se encontrem.
A rotina é ler e bater papo. Não há relatos de problemas de convivência, afinal, são velhos conhecidos que se frequentam desde os anos 90, como comprovam as investigações. Por enquanto, vestem as próprias roupas, não precisam usar uniforme de presidiário.
Pessoas com acesso à carceragem contam que, nos últimos dias, o ânimo dos executivos mudou. Possivelmente, pela perspectiva, cada vez mais real, de passarem as festas de fim de ano na cadeia.
A vida em seis metros quadrados nada lembra a do apartamento de 400 metros quadrados e cinco vagas de garagem do presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, no luxuoso Alto de Pinheiros, bairro da Zona Oeste paulistana. Com vista para o Parque Villa Lobos e localizado em bucólico condomínio com quadras de lazer, piscinas e academia, o imóvel não era o único refúgio do executivo antes da prisão: pelo menos desde 2005, ele é dono de uma casa com quatro quartos em condomínio em Maresias, no litoral norte de São Paulo. Perto do mar, Pinheiro desfruta os mesmos benefícios do prédio na capital (quadras de esportes e piscinas), e com um adicional: funcionários do condomínio prestam serviços na praia.
JOGADOR DO BAHIA É ÍDOLO
Nos interrogatórios da Operação Lava-Jato, investigadores buscaram dados sobre fluxos de propina e combinações de preços em contratos da Petrobras, mas também a resposta para uma curiosidade: por que José Aldemário era conhecido como Léo? O executivo ficou em silêncio. A resposta, garante um influente advogado baiano e conterrâneo do executivo, está no elenco do Esporte Clube Bahia campeão da Taça Brasil de 1959. Mais especificamente em Léo Briglia, artilheiro do time que teria marcado a infância de Pinheiro.
O executivo dedicou os últimos 20 anos à construtora do bilionário César Mata Pires, genro do ex-governador e ex-senador Antônio Carlos Magalhães. A ligação familiar não foi motivo de bonança para a empresa de Pires durante o governo de Paulo Souto (DEM), em função de uma briga entre os filhos de ACM.
No entanto, a chegada do petista Jaques Wagner ao governo da Bahia, em 2007, representou uma virada para a OAS, que se transformou em aliada de primeira ordem do poder estadual. Principal executivo de Pires, Léo Pinheiro virou figura íntima de Wagner. A ponto de, nas últimas eleições, sugerir ao petista o nome do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli para suceder a ele no governo. Procurado pelo GLOBO, Wagner não quis falar sobre a amizade com Léo.
Quando a polícia chegou ao apartamento do executivo para prendê-lo, encontraram o advogado da OAS, que parecia aguardar a chegada dos agentes. Pinheiro estava em Salvador, e por isso, foi preso no Hotel Pestana, na Praia do Rio Vermelho.
IDAS FREQUENTES AO EXTERIOR
O medo de ser preso é, para a PF, uma das explicações para as onze viagens ao exterior realizadas pelo executivo entre junho e outubro deste ano a destinos como Nova Iorque, Joanesburgo, Madri e Buenos Aires. Viagens realizadas tanto na primeira classe de voos de carreira, quanto no Cessna Citation CJ4 da OAS, jatinho de luxo com oito lugares, que custa R$ 9 milhões em sua configuração mais básica.
Colaboradores próximos classificam o executivo baiano como um sujeito movido por poder, até mais do que por dinheiro, do qual não parecia ter muito tempo para desfrutar, segundo subordinados. Mesmo relato associado ao presidente da UTC, que também está preso, Ricardo Pessoa.
Apontado como coordenador do clube das empreiteiras que repartia as licitações da Petrobras, Pessoa assumiu o controle acionário da UTC em 1997, quando a empresa, na época pertencente à OAS, enfrentava dificuldades. Alçado ao posto de presidente, Pessoa se mudou para São Paulo. Até ser preso, vivia numa cobertura de 600 metros quadrados no bairro dos Jardins. Em abril deste ano, investiu R$ 1,5 milhão na compra de dois conjuntos comerciais em um edifício do mesmo bairro.
Eduardo Leite, da Camargo Corrêa, também fez recentemente investimento no mercado imobiliário. Há um ano, comprou um apartamento de R$ 5,5 milhões no bairro da Vila Nova Conceição, também em São Paulo, imóvel de padrão bem superior ao apartamento onde vivia, em Moema, declarado por R$ 762 mil.
A aquisição simboliza a ascensão social e financeira do executivo, descrito por colegas como focado e determinado. Leitoso ingressou na Camargo Corrêa em 1994, como trainee de assistente comercial. Em trajetória semelhante a Dalton Avancini, presidente da empresa também preso na Operação Lava-Jato, foi subindo degrau a degrau, até ser nomeado vice-presidente comercial da construtora em 2011.
Com ganho anual declarado próximo de R$ 1 milhão, pôde engordar o seu patrimônio. Em 2010, ele havia declarado R$ 1,9 milhão em bens. Em 2013, o montante saltou para R$ 5 milhões. O apartamento da Vila Nova Conceição foi dividido com a mulher, que, após a promoção do marido na Camargo Corrêa, montou uma empresa de decoração num conjunto comercial do bairro do Itaim Bibi. Leitoso cultiva ainda o hábito de guardar dinheiro em espécie. Em sua última declaração de renda, informou à Receita ter R$ 245 mil em espécie. Apesar de não viajar para muitos destinos no exterior, como os seus colegas, passou 20 dias em Miami, em julho.
COBERTURA DE R$ 3,2 MILHÕES
Quem também escolheu os Estados Unidos para passar parte dos dias antes da prisão na Lava-Jato foi o presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada. Além de Los Angeles e Dallas, Almada curtiu dias de descanso na Europa, mais especificamente em Paris. Desde janeiro de 2013, Almada é dono de um apartamento de cobertura duplex, com 651 metros quadrados de área privativa, mais 350 metros quadrados de área comum, no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo. Pela morada, pagou R$ 3,2 milhões.
O diretor da área internacional da OAS, Agenor Medeiros, também preso na operação da PF, mora em apartamento de 450 metros quadrados, no 12º andar de edifício da Vila Nova Conceição, outro bairro de alto padrão em São Paulo. Mas, seja pela exigência do trabalho, por lazer, ou o medo de ser preso, foi o único que conseguiu viajar ao exterior tanto quanto Léo Pinheiro nos meses que antecederam a última fase da Lava-Jato: foram 11 viagens ao Peru, ao Paraguai, ao Panamá, à Argentina, à África do Sul e à Espanha.

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