Parlamentares querem ajuda do Ministério da Justiça para coibir abusos em Goiás

  • 21/04/2015 18h10
  • Cavalcante (GO)
Juliana Cézar Nunes - Enviada Especial Edição: Talita Cavalcante
Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados vão procurar o Ministério da Justiça e outros órgãos federais para solicitar apoio no encaminhamento de ações e políticas públicas na cidade goiana de Cavalcante, a 300 quilômetros de Brasília. A comissão promoveu uma audiência pública na cidade nessa segunda-feira (20) e recebeu uma série de denúncias de trabalho doméstico infantil, abuso e exploração sexual de meninas da comunidade quilombola Kalunga e da própria cidade.
Por medo de retaliações, oito pessoas prestaram depoimento à comissão em uma sala reservada. Conselheiras tutelares e educadores sociais da cidade afirmam que já receberam até mesmo ameaças de morte. Existem denúncias ainda da existência de uma rede de aliciadores para o tráfico de pessoas que levaria meninas quilombolas para o turismo sexual na região e para o trabalho infantil doméstico em Brasília e Goiânia.
Paulo Pimenta, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, participa de audiência em Cavalcante para apurar denúncias de abusos contra meninas do povo Kalunga (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Audiência pública em Cavalcante (GO) debate situação de meninas kalunga  Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Quilombola da comunidade do Engenho, Dalila Reis Martins, de 28 anos, contou na audiência pública que meninas kalungas vêm sendo submetidas há décadas ao trabalho infantil e a abuso sexual. Muitas delas seriam vítimas de uma rede de aliciadores que levaria meninas quilombolas para Brasília, Goiânia e Minaçu (norte de Goiás). Dalila passou por essas violações durante a infância e a adolescência. Foi submetida a trabalho infantil em Cavalcante e Brasília. Hoje trabalha para acolher outras meninas quilombolas na mesma situação.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), teme que as denúncias apresentadas na audiência pública aumentem as ameaças à população. “Vamos atuar nesse acompanhamento para que efetivamente qualquer ameaça a qualquer pessoa que tenha participado desse evento seja considerada uma ameaça à comissão, portanto crime de responsabilidade da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança, caso seja necessário", destaca Paulo Pimenta, que também espera atuação mais firme em Cavalcante da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).
"Já ajudei oito meninas, nove com a última agora, já ajudei a sair das casas das pessoas. É PM, é gente que trabalha no Ministério Público, é gente que trabalha na Esplanada, é advogado que sabe que não pode fazer isso", aponta Dalila, para quem o problema só vai se resolver com políticas públicas. “As famílias quilombolas estão vulneráveis por falta de apoio para desenvolver atividades econômicas, agrícolas, por falta de escolas, espaços de esporte e lazer. Vemos os pais de muitas meninas no alcoolismo e não sabemos como ajudar. São essas meninas que acabam indo para o trabalho doméstico e, em seguida, são submetidas a abuso e à exploração sexual.”
A Polícia Civil de Cavalcante ainda não abriu inquéritos para investigar a possível existência de uma rede de aliciadores de meninas quilombolas para o trabalho infantil doméstico em outras cidades. O Ministério Público local, no entanto, confirma que tem recebido denúncias sobre meninas que são levadas da comunidade quilombola Kalunga para Brasília e Goiânia. O delegado da Polícia Civil Diogo Barreira diz que há poucos agentes para fazer as investigações. Ele responde pelas delegacias de Cavalcante e Alto Paraíso, ambos na região da Chapada dos Veadeiros. “Os últimos concursos priorizaram as grandes cidades, que precisam de policiamento, mas o interior ficou desguarnecido.”
A deputada estadual de Goiás Adriana Accorsi (PT) acompanhou a audiência pública em Cavalcante e recebeu vários relatos de policiais sobre a falta de estrutura para o trabalho. “Falta até mesmo carro adequado para operações nas áreas rurais e quilombolas. A delegacia não conta com agentes ou psicólogos capacitados para ouvir as vítimas de violência sexual”, conta a deputada, que também é delegada da Polícia Civil. Ela e outros deputados estaduais presentes na audiência comprometeram-se a pressionar o governo de Goiás a reforçar as ações e políticas públicas em Cavalcante.
O prefeito da cidade, João Neto, afirma que o orçamento do município é insuficiente para todas as demandas dos 10 mil habitantes.“Não queremos acobertar nada e ninguém. Mas temos um município extenso, com uma área rural grande, e que demanda muitos recursos. Clamo para que os governos estadual e federal nos auxiliem”, destaca. “Temos uma cidade bonita, com muitos atrativos naturais e que não pode ficar mais conhecida pela violência sexual contra suas meninas do que por suas riquezas naturais e pela sua diversidade cultural.”

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