Entidades repudiam fim do Braços Abertos: Doria e Alckmin buscam lucrar com o higienismo em detrimento da vida humana; veja vídeos

22 de maio de 2017 às 15h17

viomundo
por Conceição Lemes
Nesse domingo (21/05), aconteceu o que ativistas, especialistas, entidades e beneficiários tanto temiam: o prefeito de São Paulo, Joao Doria Jr., acabou com Programa De Braços Abertos, que atendia usuários de crack na região da Luz, conhecida como Cracolândia.
E o pior: numa operação conjunta da prefeitura e governo do Estado, eles foram desalojados na base da truculência, sem o menor respeito à dignidade humana, como mostra a excelente Laura Capriglione, do Jornalistas Livres , no vídeo acima.
Criado em 2014 pelo prefeito Fernando Haddad (PT), o programa baseava-se no conceito de redução de danos.
Tratado com mais dignidade e seus direitos respeitados, ele faz com que o dependente químico deixe gradativamente o consumo de crack e outras drogas.
Pesquisa feita em março do ano passado revelou que o  programa reduziu drasticamente o consumo de crack de 88% dos beneficiários.
Mostrou também que: 84,66% estavam em tratamento de saúde;  84,17% não possuíam sequer documentação antes da ação –e, no momento da pesquisa já tinham identificação; 72,75% estavam trabalhando.
Outro dado importante: 52,52% dos beneficiários recuperaram o contato com a família, condição importante para a reinserção social do dependente químico.
Portanto, mais motivos para lamentarmos a forma desumana com que os beneficiários do Braços Abertos foram tratados pela polícia, sob o olhar indiferente dos secretários de Saúde David Uip e Wilson Polara. É
“Muito triste a invasão do território da Cracolândia  nesse domingo”, critica a psicóloga sanitarista Lumena Almeida Castro Furtado, que atuou no De Braços Abertos, até dezembro de 2016, como consultora da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
Ela põe o dedo na ferida:
1 .Se a intenção fosse realmente acabar com o tráfico na região da Cracolândia, as ações de inteligência da polícia poderiam inibir a droga de chegar ali.
2. Não é amedrontando e prendendo usuários que vamos avançar nesta questão. Já temos um acúmulo internacional apontando em outra direção. Os usuários estão desesperados, sem apoio e sem perspectivas.
3. O Programa de Braços Abertos — com capacidade para acolher 500 pessoas e em processo de expansão no final de 2016 — ao romper o ciclo de repetição internação- rua e ajudar a reconstruir projetos de vida, ofertando moradia, trabalho e cuidados singulares em saúde e assistência social, vinha mudando a qualidade do cuidado a essas pessoas.
4. Não será escondendo essas pessoas com internações compulsórias em hospícios e comunidades terapêuticas longe da cidade que vamos avançar.
5. A ação de cuidado não pode ser substituída por ações higienistas. São trabalhadores e usuários acuados. O programa acolhia famílias, mães com crianças que agora ficam desamparadas. É preciso resistir!
As imagens falam por si só. À esquerda, as da Cracolândia, após Doria acabar com o Programa de Braços Abertos (fotos; Jornalistas Livres). À direita, O Braços Abertos na gestão Haddad (fotos: Divulgação)
NOTA DE REPÚDIO
Pelo cuidado em liberdade e contra políticas higienistas
O município de São Paulo é permanentemente marcado pela violência institucional dos detentores de poder político e econômico contra o povo.
Enquanto mantemos a expectativa de que autoridades governamentais acolham e assistam a todas e a todos, respeitando a diversidade, a complexidade e o conjunto de necessidades que apresentem, bem como as múltiplas formas de manifestá-las em nossa sociedade, seria omissivo e irresponsável não reconhecer o papel perverso que os poderes Estadual e Municipal protagonizam agredindo vidas humanas e territórios, acumulando persistente repertório de violências contra o direito e a dignidade humanos e o cuidado em saúde.
Na qualidade de organizações e movimentos historicamente articulados em defesa da saúde como direito garantido a todos, oferecida por meio de um Sistema universal, integral, equitativo, público e gratuito, repudiamos a ação desferida contra as usuárias e os usuários do território paulistano conhecido por “Cracolândia” nas primeiras horas da manhã do domingo, 21 de maio de 2017, assim como repudiamos o projeto político, técnico e assistencial anunciado em conjunto por aqueles poderes, representando um enorme retrocesso no cuidado pela saúde mental de nossa população e no acolhimento daquelas e daqueles que convivem com o uso de substâncias psicoativas.
O emprego de verdadeiro poder brutal, por meio de ação repressiva deformada, está orientado no estigma e na caricatura vulgar do que é a usuária e o usuário, conforme revelam declarações à imprensa concedidas pelo Prefeito Municipal João Dória.
Suas ações não atendem às necessidades, aos dramas sociais e sanitários em que tantas vidas humanas encontram-se imersas, dialogando apenas com interesses de quem deseja controlar corpos e mentes, contendo-os, quer seja biologicamente, através de internações involuntárias e compulsórias, quer seja politicamente, impedindo que se disponham livre e autonomamente pelo território, criando e produzindo suas intervenções.
Trata-se de indisfarçável projeto higienista, destinado a uma população predominantemente pobre e preta.
A mesma população que é morta nas favelas e nas comunidades periféricas e que não encontra um lugar para existir dignamente, sendo vulnerabilzada, repetidamente violada e reprimida.
Uma política efetiva de uso de drogas e redução de danos será sempre uma política que enfrenta o racismo estrutural e possibilita oportunidades de reinserção social.
Neste sentido, tanto o Prefeito Municipal João Dória, quanto o Governador Estadual Geraldo Alckmin escancaram o projeto com que estão compromissados, buscando lucrar com o higienismo e favorecer empresários e especuladores em detrimento da vida humana.
Enquanto as melhores evidências para o cuidado destas usuárias e destes usuários são opostas à violência manicomial e intervencionista das políticas de saúde pretendidas por estes governantes, as evidências e o acúmulo político dos principais Sistemas Universais, igualmente, cada vez mais rechaçam programas que não dialoguem com a experiência humana e empreguem apenas a racionalidade biomédica para propor assistência ao sofrimento e às condições humanas.
Permaneceremos ao lado da dignidade da vida humana, sobretudo daquela fragilizada e oprimida, formulando um projeto despenalizador e emancipador de cuidado, por meio do qual experiências corporais não sejam objeto de ações repressivas e disciplinadoras, antes sejam forma de problematizar a própria política e sua aplicação sobre os territórios.
Centro Brasileiro de Estudos da Saúde
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.
Instituto Silva Lane.
Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Federação Nacional de Psicólogos.
ONG Sã Consciência.
Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo.
Sindicato de Psicólogos de São Paulo.
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
Sindicato dos Psicólogos do Rio de Janeiro
Sindicato dos Psicólogos da Paraíba
Fórum da Formação para a Saúde – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Associação Brasileira de Psicologia Social – Núcleo Grande ABC
Associação Brasileira de Psicologia
Coletivo Gaúcho de Residentes em Psicologia
Movimento OCUPASUS do Rio de Janeiro
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional – ABRAPEE
Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar da Universidade de São Paulo – LIEPPE USP
Stellamaris Pinheiro – militante de direitos humanos e humanização
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES
Associação Paulista de Saúde Pública – APSP
ONG É de Lei
Rede Unida
Fórum Popular de Mulheres do Paraná
União Latino-Americana de Entidades de Psicologia – ULAPSI
Rede Sem Fronteiras de Teatro da/o Oprimida/o
Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade – Núcleo Metropolitano
Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva – ABRASBUCO
Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores – CUT.
Levante Popular da Juventude – célula de Saúde
Centro Acadêmico Emílio Ribas – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Eleonora Menicucci – ex-Ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
Juliana Cardoso – vereadora de São Paulo (PT)
Conceição Lemes – jornalista
Pedro Paulo Freire Piani – Centro de Referência em Álcool e Drogas II da Universidade Federal do Pará
Rita Louzada – Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ana Cleide Guedes Moreira – Universidade Federal do Pará / Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Ângela Soligo – Universidade Estadual de Campinas
Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais
Coletivo Gaúcho de Residentes em Saúde

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