MP do principado diz que grupo indicava bancos a
agentes públicos latino-americanos por propina
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Jamil Chade/Enviado especial, O
Estado de S.Paulo
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Setembro 2017 | 05h00
ANDORRA
- Investigações conduzidas pelo Ministério Público de Andorra apontaram
que a Odebrecht introduzia políticos latino-americanos a bancos com os quais
ela tinha relações especiais no principado.
O objetivo é que eles
abrissem, nessas instituições, contas que seriam usadas para receber dinheiro
de propina, em troca de contratos públicos em seus respectivos países.
Fachada da Odebrecht em São Paulo Foto: JF
Diorio/Estadão
Documentos confidenciais do processo em andamento
em Andorra revelam que o esquema foi identificado e envolveu políticos do Peru,
Panamá, República Dominicana e Equador. Ao Estado,
investigadores não descartam que o mesmo sistema tenha sido utilizado para
outros depósitos em outros países.
O acordo de leniência
fechado pela Odebrecht em dezembro de 2016 no Brasil, EUA e Suíça revelou como
a construtora pagou propinas em diversos mercados latino-americanos, com um
esquema que o próprio Ministério Público da Suíça chamou de "altamente
profissional". Agora, documentos revelam que a empresa chegou até mesmo a
ajudar aqueles que iriam receber a propina a esconder o dinheiro.
De acordo com o MP de
Andorra, o "grupo Odebrecht era cliente da entidade bancária Banca Privada
de Andorra (BPA), além de ter apresentado outros clientes ao banco". Os
documentos revelam que a empresa intermediou a abertura de contas de
"diversas pessoas politicamente expostas", uma categoria conhecida
como PEP e que exige dos bancos saber a origem dos recursos depositados nas
contas secretas.
"O objetivo era
de que abrissem contas bancárias com o BPA para efetuar os pagamentos desde o
grupo Odebrecht", constata a procuradoria, que ainda aponta para uma
estratégia deliberada de esconder os "beneficiários finais das
empresas" mantidas pela Odebrecht.
Para operar a partir
de Andorra, a empresa criou duas companhias de fachada: a Lodore Foundation e a
Klienfeld. "Através dessas sociedades se efetuam pagamentos de dezenas de
milhões de euros que não parecem responder a prestações reais, senão ao
pagamento de comissões", disse.
No dossiê, documentos
do Ministério Público Federal, no Brasil, também avaliam as descobertas das
autoridades de Andorra. Num deles, os procuradores brasileiros apontam que
"existem indícios de que se trata de vantagens ilícitas, uma vez que, na
mesma linha do relato da autoridade de Andorra, não foram informadas ou
identificadas causas econômicas para esses pagamentos".
A partir de uma das
empresas, a Klienfeld, eram pagas as "taxas" pelas obras do Consórcio
Autopistas del Coral, na República Dominicana. Da mesma conta, os documentos
apontam que se "intervém na compra da SUPER VIA", com pagamentos às
sociedades de Alecksey Mosquera, ex-ministro de eletricidade do Equador. Outro
beneficiado foi Miguel Atala Herrera, vice-presidente de Petróleos do Peru,
além de "obras públicas realizadas pelo Grupo Odebrecht no
Peru".
No caso do Panamá, a
construtora brasileira teria usado contas "opacas" dos pais de um dos
ministros do gabinete da presidência do país. O beneficiário teria sido
Demetrio Papadimitriu, ex-chefe de campanha do presidente do Panamá, Ricardo
Martinelli.
Tesouro. Apenas pela conta número 1246018133, da Klienfeld,
um total de US$ 99,9 milhões teriam sido movimentados pela Odebrecht. Uma das
movimentações destacadas foia compra de títulos do Tesouro americano, "US
Treasury Bills", por um valor de US$ 99,7 milhões. Em seguida, o dinheiro
foi repassado ao Banco Espírito Santo, na Suíça.
De acordo com as
investigações, as "manobras de engenharia financeira, destinada a ocultar
a proveniência e destino de fundos, e evitar mês à mês, a identificação das
operações que vão permitir a conversão dos fundos em títulos da dívida
americana é uma camuflagem para sua posterior transferência para a Suíça".
A Klienfeld foi a
mesma offshore usada para transferir recursos para contas dos ex-diretores da
Petrobras, como Renato Duque, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, além de
Jorge Luiz Zelada e Nestor Cunat Cerveró.
Num despacho do juiz
federal Sérgio Moro, de 19 de fevereiro de 2016 e que também faz parte do
dossiê em Andorra, fica claro que a Justiça brasileira fez a ligação entre a
empresa offshore com a Odebrecht graças aos dados descobertos pelos
investigadores do principado europeu.
"Até então não
estava claro se a conta Klienfeld seria controlada de fato pela Odebrecht ou se
foi apenas utilizada por esta para pagar propinas a agentes da Petrobras",
disse. "Pelo que informam agora as autoridades de Andorra, a conta teria
por controladora a própria Odebrecht", constata Moro.
Já a Lodore
Foundation, também com contas no BPA, teria sido criada para "canalizar
uma série de capitais provenientes de sociedades do grupo Odebrecht",
inclusive para receber recursos vindos de contas na Suíça.
O BPA, usado
amplamente pela Odebrecht, acabou sofrendo uma intervenção por parte das
autoridades de Andorra em 2016 e seus executivos foram presos. Um ano antes, o
Departamento do Tesouro americano havia classificado o banco preferido da
Odebrecht no principado como "uma preocupação maior de lavagem de
dinheiro".
Segundo as autoridades americanas, o banco teria
ajudado o crime organizado russo a lavar dinheiro, além de ter aceito recursos
de políticos estrangeiros que teriam desviado recursos de seus países.
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