Professor da Universidade Estadual de Ohio e
estudioso da violência em colégios dos EUA critica competição por ‘status
social’ no sistema educacional do país
Entrevista com
Bryan Warnick
·
Cláudia Trevisan, Correspondente
/ Washington, O Estado de S.Paulo
18
Fevereiro 2018 | 06h00
Os ataques a tiros em
escolas nos EUA estão se tornando um gênero próprio de violência, no qual os
autores costumam seguir um “rito cerimonial” que envolve a compra de armas, o
registro de suas intenções em diários, vídeos ou nas mídias sociais e a
eventual discussão do assunto com amigos, diz Bryan Warnick, especialista em
educação da Universidade Estadual de Ohio, que há cinco anos estuda o fenômeno.
Todos esses sinais estavam presentes no ataque a uma escola secundária na Flórida na quarta-feira,
no qual Nikolas Cruz matou 17 pessoas com uma AR-15. Warnick
acredita que o sistema educacional dos EUA tem características únicas que
estimulam a competição social e criam ressentimento nos que se sentem
perdedores. O professor também vê choque entre o individualismo da sociedade
americana e a disciplina das instituições de ensino
“Há casos de
violência em outras escolas ao redor do globo, com facas ou outro tipo de
armas. Mas o número de mortes e o dano que podem ser provocados são
extremamente maiores quando você tem uma arma semiautomática.” A seguir,
trechos da entrevista de Warnick ao Estado.
• Por que os ataques a tiros se
tornaram tão frequentes em escolas americanas?
Não sei se tenho
respostas definitivas sobre isso. Mas estudando os relatos e narrativas em
torno dos ataques, há elementos que se sobressaem. Há uma maneira única na
forma em que as escolas americanas participam em uma espécie de “torneio de
status social”. Além das questões acadêmicas, há forte ênfase em esportes
competitivos e no fato de as escolas serem o local para relacionamentos
românticos. Quando há uma disputa como essa, há vencedores e perdedores. Em
relatos deixados por alguns atiradores, há ressentimento contra a escola, vista
como o lugar em que vingança deve ser realizada. Ela cria ressentimento nos
jovens americanos que perdem este “torneio por status social”.
• Em estudo de 2010, o sr. disse que os
ataques seguem um ‘rito cerimonial’. O que isso quer dizer?
Há elementos comuns
que aparecem quando um estudante decide levar uma arma para a escola. Eles
falam sobre isso com seus amigos, começam a colecionar armas, fazem vídeos e
escrevem em seus diários ou se expressam nas redes sociais sobre o assunto.
Isso não ocorre sempre, mas há um certo ritual que precede os ataques. Isso
pode ser bom porque dá pistas para determinar se um estudante é uma ameaça. Mas
também dá uma sensação de que ataques nas escolas estão se tornando um gênero
próprio de violência. Há certas expectativas de como ele vai ocorrer, há certos
papéis que os estudantes querem desempenhar. O estudante que realizou o ataque
na Flórida mencionou nas mídias sociais que queria ser um “atirador
profissional de escolas”, como se esse fosse um papel estabelecido na sociedade
americana. Os sinais estavam todos lá. A documentação, as armas, as discussões
nas mídias sociais.
Ataque
em escola na Flórida mata 17
• O sr. também escreveu que a
disciplina pode estimular ataques. É isso mesmo?
Isso existe em
escolas ao redor do mundo. O que acontece na sociedade americana é que há
ênfase no individualismo e um questionamento da autoridade social. Quando você
coloca o valor do individualismo na escola, na qual existe controle e coerção,
há uma mistura volátil. Alguns estudantes desenvolvem ressentimento em relação
à disciplina e passam a ver a escola como um lugar apropriado para a violência.
Não há nada novo em forçar estudantes a fazer coisas na escola, mas quando
combinado com o individualismo, isso pode levar a uma hostilidade contra a
escola.
• O ataque é uma maneira de expressar a
individualidade?
Sim. E vemos isso nos
textos escritos por atiradores. Há algo dentro deles que querem expressar ou
dizer e esse se torna o veículo pelo qual essa comunicação acontece.
• O fato de armas serem tão acessíveis
nos EUA contribui para o fato de ataques a tiros serem uma das maneiras de
expressão desse ressentimento?
Há casos de violência
em outras escolas ao redor do globo, com facas ou outro tipo de armas. Mas o
número de mortes e o dano que podem ser provocados são extremamente maiores
quando você tem uma arma semiautomática.
• Quando esse fenômeno se tornou comum?
Alguns ataques
notórios ocorreram no fim dos anos 70 e houve um pouco mais na década de 80.
Isso explodiu nos anos 90 e vimos crescimento contínuo desde então.
• O presidente Donald Trump reagiu ao
ataque defendendo mais segurança nas escolas. Detectores de metal e pessoas
armadas são a resposta certa?
Não discordo que faz sentido implementar medidas de
segurança. Mas não há evidências que mostrem a eficácia de muitas das coisas
sugeridas. Ter policiais nas escolas não parece funcionar e não há consenso sobre
detectores de metal. Minha preocupação é que, se começarmos a militarizar o
ambiente escolar, isso reforçará a mensagem de que esse é um lugar perigoso, um
lugar em que se espera violência. Há o risco de fazer com que o ambiente da
escola pareça inseguro, precário, o que pode contribuir para a violência, em
vez de reduzi-la. Também precisamos olhar para o ambiente educacional, para a
construção de laços de confiança e para a redução deste campeonato por status
social. Mas é claro que reduzir o número de armas na sociedade americana
ajudaria bastante.
0 Comentários