A mentira tem grana curta



Moradores do Sorocaba H alegam que precisaram alterar salário para comprar casas que hoje não conseguem pagar

Gilson Hanashiro/Agência BOM DIA
A desempregada Jhennifer de Souza, 25 anos, mostra a conta de sua casa no conjunto Sorocaba H, para onde mudou desde 2008. Com dois filhos para criar, ela recebe a auxílio do bolsa família e renda cidadão. “Ou como ou pago a casa”, diz

A desempregada Jhennifer de Souza, 25 anos, mostra a conta de sua casa no conjunto Sorocaba H, para onde mudou desde 2008. Com dois filhos para criar, ela recebe a auxílio do bolsa família e renda cidadão. “Ou como ou pago a casa”, diz
Rodrigo Rainho 
Agência BOM DIA
A realização do sonho da casa própria pode se transformar em pesadelo para as famílias de baixa renda, que ganham até um salário mínimo. Mutuários da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) reclamam da falta de flexibilidade da empresa para renegociar os contratos, que têm financiamento que pode durar décadas.
E o pior. Para deixar as áreas de riscos, geralmente castigadas pelas chuvas, os moradores alegam terem precisado mentir o quanto ganhavam, declarando maior renda, para se enquadrar nas regras da CDHU e conseguir financiar a moradia. O conselho, segundo eles, teria partido da própria Prefeitura de Sorocaba.
O secretário de Habitação e Urbanismo, José Carlos Comitre, aceitou receber o BOM DIA, mas no dia da entrevista simplesmente resolveu não atender ao repórter. A secretária da Cidadania, Maria José de Almeida Lima, em nota, afirmou que “a denúncia é totalmente improcedente”.
Dura realidade /  Para ver de perto a situação dos moradores, o BOM DIA visitou o Conjunto Habitacional Sorocaba H, na zona norte. O que se viu foram casas precárias e críticas à cobrança de dívida da CDHU.
“Ou pago casa, água e luz ou pago comida. Para ficar em dia nas contas da casa, minha família teria de passar fome”, diz Jhennifer Cristine Figueiredo de Souza, 25. Ela pagava R$ 80 por mês pela casa em que mora na Alameda da Paz. Renegociou a dívida, pagou R$ 70 de parcelas, mas parou.
A mulher tem dois filhos: Hudson Breno, 1, e Robson Breno, 6. Desempregada, recebe pouco mais de R$ 100 de auxílio-moradia e Bolsa Família. Sobra pouco para pagar a casa.
Por situação parecida passa Vilma Figueiredo de Souza, 45, mãe de Jhennifer. Moradora da Alameda Fraternidade, ela confessa que deve quase dois anos de mensalidades para a CDHU.
Entrada abusiva / A inadimplência é motivada, segundo moradoras, por conta da entrada da renegociação. Mutuários que devem muitos meses têm de pagar um valor inicial muito alto para ter a casa regularizada. “A prestação é barata para quem tem emprego. Eu dependo do bolsa família do governo. Não pago a CDHU há um ano e meio”, diz Vilma. “Quando fui renegociar, no último mutirão da companhia, só aceitaram se eu pagasse R$ 160 de entrada. Um absurdo. Recebo R$ 176 de renda cidadã e de bolsa. Pago R$ 140 de luz. Não posso pagar mais de R$ 40 para a casa. A CDHU deve ouvir mais a gente e entender nosso lado.”
A deficiente física Margarida Crispin, moradora da Alameda da Paz, sofre ameaça de despejo. “Eu morava em uma área de risco em outro bairro. Não pagava nada lá. Vim para cá e minha vida virou um pesadelo. Não consigo pagar a parcela de R$ 94, mas ao mesmo tempo não posso renegociar, porque o valor da entrada é alto.”
Ainda segundo ela, o pagamento da conta de água está atrasada e a energia elétrica foi cortada.
Moradora aprova plantão, vizinhas reclamam
No  dia 25, a CDHU promoveu dois plantões em Sorocaba e Votorantim para receber os mutuários e ajudá-los a renegociar dívidas com a companhia. A diarista Andréa Domingos, 31 anos, foi ao Sabe Tudo do Habiteto Ana Paula Eleutério e regularizou sua situação.
Ela explicou que seu marido ficou desempregado por alguns meses e a falta de renda dificultou o pagamento da casa por quase um ano. “Nós pagávamos R$ 97. Depois da renegociação, pagaremos 60 vezes de R$ 109”, diz Andréa, tranquila e em harmonia. “Nos atenderam rápido. A atendente da CDHU fez os cálculos e perguntou se eu poderia pagar a entrada de R$ 223 em junho. Aceitei porque agora meu marido está trabalhando.”
Andréa recebeu a casa da CDHU há dois anos, após um sorteio realizado pelo Governo do Estado. O êxito de Maria não é compartilhado por Nivaldo Camargo, 42, que não conseguiu pagar a entrada de R$ 120 exigida pela CDHU no plantão. Além de sentir o receio de ser despejado, reclama dos Correios, que não passam na região, segundo ele.  “Minhas cartas chegam com atraso de 10 dias”, afirma Nivaldo. “Os ônibus são insuficientes para atender a demanda do bairro.”
Ao que parece, a CDHU construiu um conjunto de casas e deixou os moradores na mão.
Problemas nas residências são ignorados pela companhia, segundo os mutuários entrevistados no Sorocaba H.
Kátia Marcelino Scudeler, 28, diarista, convidou o fotógrafo para flagrar os problemas de acabamento da casa. Infiltração na parede da sala e nos azulejos do banheiro, forros que soltam com a ventania, telhas de má qualidade. A segurança do conjunto é falha, segundo uma das moradoras. A vigilância não estaria fazendo a ronda com cuidado.
Plantão convoca 337 mutuários de Sorocaba
Para  a  regularização  financeira  e contratual, o plantão do  dia 25 conseguiu atrair  104 mutuários, como Andréa Batista, dos quais 11% já fizeram uma pré-negociação.  A cidade tem 2.992 unidades.
2.614
mutuários da CDHU estão em Sorocaba, 36% inadimplentes
São Manuel e Botucatu receberão  plantões
A  CDHU  possui  19.928 contratos na região de Sorocaba - inadimplência de 35%. A campanha “Fique em dia com a sua casa” já passou por  Itapetininga,  Itapeva,  Itu,  Sorocaba  e Votorantim.
‘Empresa dá alternativas’
Companhia afirma  renegociar parcelas mínimas de R$ 27 em até 25 anos
A  Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano é sensível às particularidades de cada mutuário e tem como princípio esgotar todos os esforços para que seus mutuários consigam quitar o financiamento do seu imóvel. Nesse  sentido, oferece diversas oportunidades e alternativas de renegociação de dívida.
Na campanha “Fique em dia  com a sua casa”, o débito pode ser parcelado mediante amortização mínima de 10% do total e o FGTS pode ser utilizado para a quitação do saldo devedor.
O  prazo  contratual também pode  ser prorrogado. Se o mutuário efetuou algum acordo com a CDHU no passado e não conseguiu cumpri-lo, pode agora fazer nova renegociação com parcela mensal mínima equivalente a 5% do salário mínimo (R$ 27). Quem quitar o débito à vista é isento de juros de mora.
No conjunto Sorocaba H, a companhia tem 462 mutuários  e  uma  inadimplência de 37%,  quase a mesma da cidade de Sorocaba. “Esclarecemos também que os materiais utilizados   no empreendimento,  inclusive  as  telhas, atendem as especificações técnicas. Neste condomínio, a  CDHU recebeu apenas uma reclamação da unidade nº 28, referente a problema no aquecedor solar, que foi resolvido em maio de 2010. Não há registro de reclamações das outras unidades citadas pela reportagem” ,disseram em nota.
No  entanto, a equipe técnica da companhia fará uma vistoria nos imóveis para verificar se existem problemas e tomar as providências cabíveis se for o caso. “Ressaltamos que as famílias beneficiadas pela CDHU passam pelo processo de habilitação, no qual têm de comprovar os requisitos para participar do programa, entre eles possuir renda mensal entre um e dez salários mínimos, morar ou trabalhar na cidade há pelo menos três anos, não possuir imóvel ou financiamento de imóvel. Após a assinatura do  contrato, os mutuários têm prazo de até 25 anos para quitar  o  financiamento  do  imóvel.”
As  prestações ainda teriam subsídio do governo  estadual, sendo calculadas de acordo com a renda de cada família.
Aquelas que ganham até três salários mínimos  vão desembolsar 15% dos rendimentos. O valor da menor prestação cobrada hoje é de R$ 81.

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