Verba municipal da Marcha para Jesus motiva ação do MP


 Jornal Cruzeiro do Sul

Wilson Gonçalves Júniorwilson.junior@jcruzeiro.com.br 

O Ministério Público Estadual (MPE) acusa o prefeito Vitor Lippi (PSDB) de destinar ilegalmente verbas públicas para a realização do evento Marcha para Jesus, entre os anos de 2006 e 2010. Além do chefe do Executivo, constam como acusados na ação de improbidade administrativa, ingressada na Vara da Fazenda Pública de Sorocaba, o secretário de Cultura, Anderson Santos, o deputado estadual Carlos Cézar (PSB) e o Conselho de Pastores Evangélicos de Sorocaba. Os valores para financiar o evento de caráter religioso, R$ 340 mil, foram repassados por intermédio de emendas parlamentares do pastor Carlos Cézar, na época que era vereador. Por esse motivo, o promotor de Justiça Orlando Bastos Filho, autor da ação, chegou a dar nome de "mensalinho sorocabano" ao acordo feito anualmente entre o Executivo e Legislativo para a liberação de recursos do orçamento do município para os vereadores. Segundo ele, desta maneira, Lippi conseguiu cooptar os parlamentares para garantir o apoio político para seu governo. 

A ação foi distribuída em 6 de fevereiro e a Justiça deu prazo de 15 dias para os acusados se manifestarem por escrito. Após o período, o juiz da Vara da Fazenda Pública, Marcos Soares Machado, vai decidir se acata ou não a denúncia movida pelo MP. Caso haja condenação, os acusados terão que devolver aos cofres públicos, entre multas e o valor do dano ao erário (R$ 340 mil), a quantia de R$ 2,94 milhões. Além disso, terão outras sanções como a perda da função pública, dos direitos políticos por 8 anos e impossibilidade de firmar contrato com o poder público. 

Na acusação, após instauração de inquérito civil em dezembro de 2010, o Ministério Público questiona os repasses públicos destinados a realização da "Marcha para Jesus", conforme prevê o artigo 19 da Constituição Federal. "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público", aponta a lei. 

De acordo com o promotor Orlando Bastos Filho, em 2006, a Prefeitura de Sorocaba organizou o evento, sem abertura sequer de um processo administrativo. Segundo ele, não foram realizadas licitações e todos os pagamentos foram feitos diretamente às empresas, sem nenhuma formalidade administrativa para saber como os serviços acabaram sendo contratados. "Não há qualquer empenho, muito menos notas fiscais que justifiquem as despesas. Em suma, tudo, e por tudo, informal e ilegal", argumenta o MP. 

De 2007 a 2010, a formatação do encaminhamento da verba, via Prefeitura de Sorocaba, teve a forma mudada, sendo o repasse encaminhado diretamente à Associação dos Pastores, por intermédio de emendas parlamentares de Carlos Cézar, na época vereador em Sorocaba e atualmente deputado estadual. Segundo o MP, somente em 2009, o Conselho de Pastores Evangélicos de Sorocaba foi prestar conta do dinheiro repassado em 2007, R$ 30 mil em 3 de setembro e mais R$ 30 mil em 15 de outubro. Naquele ano, o evento começou a fazer parte do calendário oficial do município, sempre ocorrendo no mês de novembro, por intermédio de projeto de lei apresentado pelo vereador Carlos Cézar. No ano de 2006, o Marcha para Jesus ocorreu em setembro. "Nunca se viu, em administração, o procedimento de despesas confeccionado dois anos após, com efeitos retroativos", criticou o promotor. 

Até 2009, os repasses foram de R$ 60 mil, sendo elevados para R$ 100 mil em 2010. Conforme apontou o MP, o prefeito Vitor Lippi atravessou o secretário de Cultura, Anderson Santos e sempre com ordens de pagamento feitas de "boca", sem qualquer formalidade. O promotor frisou que as informais despesas contrariam todas as regras de administração pública e revelam a intenção clara de Lippi, em apenas beneficiar a entidade para atender os interesses defendidos pelo pastor e vereador. "O prefeito ordenava, diretamente, ou por um segundo, a entrega do numerário, sempre com extrema proximidade do evento, e tal era cumprido, sem a menor formalidade, como se estivesse o alcaide (prefeito) cuidando com seu gerente bancário pessoal." 

Sobre o caso do secretário Anderson Santos, que vai ser citado somente a partir de 2007, já que não respondia pela pasta em 2006, o promotor disse que mesmo tomando conhecimento das despesas, o acusado nunca fez nada para defender o erário, "ajoelhando-se" à determinação de Lippi. 

"Mensalinho sorocabano" 

Na mesma ação, o promotor fez uma menção às emendas parlamentares no orçamento municipal, estabelecidas em acordo entre o Executivo e o Legislativo. No ano passado, em reunião ocorrida no gabinete do prefeito Vitor Lippi, no sexto andar do Paço, ficou definido um valor de R$ 700 mil para cada um dos 20 vereadores, totalizando R$ 14 milhões ao todo em emendas para 2012. 61,7% deste dinheiro, R$ 8,638 milhões foram repassados a entidades assistenciais. O restante, R$ 5,322 milhões, será empregado para a execução de obras em diversas regiões da cidade, além de incentivo a eventos esportivos e culturais. 

Bastos Filho informou que com este acordo entre Legislativo e Executivo, os vereadores conseguem, com dinheiro público das emendas, trabalhar em seus redutos eleitorais, em troca de apoio político. "O prefeito contenta a Câmara, garantindo o necessário apoio parlamentar", disparou.

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