Cai em 30% número de doadores de órgãos



Muitas vezes a demora da família em decidir pela doação inviabiliza o procedimento


Rosimeire Silvarosimeire.silva@jcruzeiro.com.br 

O número de doadores de órgãos em Sorocaba teve queda de 30% nos cinco primeiros meses deste ano, no comparativo ao mesmo período de 2011. Até a primeira quinzena de maio, apenas 12 doações foram registradas pela unidade regional do Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos (Spot), responsável pela captação no Estado de São Paulo. No ano passado, foram 17 doadores. A recusa de familiares em autorizar a doação é apontada como a principal causa dessa redução.

De um total de 25 notificações de pacientes com morte encefálica registradas pelo Spot neste ano, menos da metade tiveram a autorização da captação de órgãos para transplantes. No balanço geral do ano passado, a recusa de familiares teve um índice de negativas ainda maior. Dos 119 pacientes diagnosticados com morte cerebral, apenas 41 tiveram a doação autorizada por familiares, sendo que destes 27 realmente puderam ser captados por estarem em condições de serem transplantados. A enfermeira Simone Thomé, responsável pelo trabalho de captação em Sorocaba e outras 48 cidades da região, diz que muitas vezes a demora da família em decidir pela doação faz com que ocorra uma falência de alguns órgãos, que não podem mais ser utilizados. Neste ano, 40 órgãos puderam ser usados para salvar outras vidas, sendo três corações, 24 rins, 12 fígados e um pulmão. No mesmo período de 2011, foram 51 órgãos ( 32 rins, 15 fígados, 2 corações, e pâncreas e 1 osso).

Simone diz que a sazonalidade no número de doadores está relacionada principalmente a campanhas de conscientização da comunidade sobre a importância desse gesto. "Sempre que sai alguma informação na mídia, as pessoas se mostram mais dispostas a colaborar, por isso é fundamental que esse assunto seja sempre lembrado para que mais vidas possam ser salvas." A enfermeira reconhece que a abordagem da família em uma situação tão difícil é o momento mais delicado. Mesmo com o conhecimento técnico adquirido em uma pós-graduação em captação de órgãos e mais de dois anos de experiência nesta área, ela diz que muitas vezes ainda tem que segurar a emoção, principalmente quando estão envolvidas crianças. "Existe muito desconhecimento das pessoas sobre a morte encefálica e as famílias ainda acreditam que possa acontecer algum tipo de milagre para sua recuperação ou dizem que não querem que o sofrimento do paciente se prolongue." Alguns situações, no entanto, ainda provocam espanto na enfermeira, como o caso de uma família que admitiu estar sendo egoísta, mas que ainda assim não iria autorizar a doação. "Contra posicionamentos como esse não há como argumentarmos."

A queda no número de doadores em Sorocaba não se repete em nível estadual. De acordo com dados da Secretaria de Estado da Saúde, no primeiro trimestre de 2012 houve um aumento de 17% no volume de doações no comparativo ao mesmo período do ano anterior, que passou de 206 para 242 captações. 

Exemplos de solidariedade
Apesar da resistência de algumas famílias em autorizar a doação, Simone Thomé diz que muitas situações são verdadeiros exemplos de total solidariedade ao próximo. Entre os casos que mais a emocionaram, ela cita a de uma jovem grávida que sofreu um AVC e recebeu o diagnóstico de morte encefálica, mas o bebê se mantinha saudável e foi retirado por uma cesárea. Apesar de todo o sofrimento, o marido fez questão de doar todos os órgãos. "Ainda hoje me emociono ao recordar esse caso." 

Outra situação inusitada recordada por Simone foi o caso de um coração captado em Sorocaba e levado para Curitiba. Quando a equipe de transplante chegou na capital paranaense recebeu a informação de que a paciente que recebeu o órgão era uma sorocabana, que havia ido a passeio para Curitiba e depois de passar mal teve que ser internada às pressas e acabou recebendo o coração doado por um conterrâneo. 

Gesto de amor
A dor de ter perdido uma irmã de 22 anos de idade, vítima de atropelamento, não impediu que a família da publicitária Simone Rosa, 34 anos, deixasse de tomar uma decisão baseada no amor para evitar que outras famílias também sofressem com a perda de um ente querido. Depois de nove dias de internação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e o diagnóstico de morte encefálica, Simone diz que ela e os pais não pensaram duas vezes ao atender o pedido para a doação dos órgãos da irmã. "Ela sempre manifestou esse desejo em vida e não poderíamos deixar que a dor sentimos naquele momento pudesse impedir que atendêssemos o seu desejo. Foi um momento difícil e a decisão deve ser rápida, mas temos a certeza que fizemos o que deveria ser feito", diz.

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