Ruas de Sorocaba têm 'donos' a quem flanelinhas pagam aluguel


Polícia Militar diz que não há legislação para coibir a prática Por: Erick Pinheiro


 Jornal Cruzeiro do Sul
Leandro Nogueira
leandro.nogueira@jcruzeiro.com.br

As ruas e praças das regiões mais movimentadas de Sorocaba têm proprietários clandestinos que pedem ou impõem contribuições financeiras aos motoristas que precisam estacionar. Organizam-se paralelamente à legislação para lotear as vagas que deveriam ser de livre direito da população. Flanelinhas ouvidos pela reportagem dizem que os donos das ruas são "os que chegaram antes" e na versão deles, isso é definido pacificamente. A atividade rende a partir de R$ 800 mensais. Há flanelinhas que pagam "aluguéis" aos donos, como se o espaço público fosse privado. 

A Prefeitura atribui a responsabilidade para a Urbes. A Urbes informa que a atividade dos guardadores de carros não é questão de trânsito, mas de segurança pública. A Polícia Militar diz que não há legislação para coibir a prática e que quando acionada, leva o flanelinha até a delegacia, mas não tem como impedir que ele esteja no mesmo local no dia seguinte. Já o Ministério Público informa que está analisando o material divulgado pela imprensa para avaliar alguma medida junto à Prefeitura. A maioria dos motoristas declara que só paga os guardadores porque teme encontrar o carro danificado ao voltar.

Nelson, é como apresenta-se o flanelinha que fica na praça Frei Baraúna. Assume que ele e outros três guardadores que agem naquela região pagam aluguel semanal para um homem de apelido Macarrão, que estaria preso. "É um cara que trabalhou aqui há uns 20 anos, é de idade, o dono do ponto porque foi o primeiro e depois passou para o filho, para os primos", explica o locatário. "De cinco dias (trabalhados) a gente paga um para a pessoa. Já cheguei a pagar R$ 100, R$ 120, o preço abaixa ou aumenta, depende do movimento que às vezes está bom ou ruim, a gente conversa", explicou. 

Questionado se considera correto ter que entregar parte do dinheiro, respondeu que não vai ficar brigando por causa disso. "Ele é amigo, palavra de homem para homem. Se eu não pagar ele coloca o primo dele no lugar e fico sem o trampo", prevê. Vestindo calça jeans, camiseta e bonés bem conservados e limpos, Nelson não usa colete refletivo e nem exige valores fixos, apenas pede contribuição a critério do motorista. "Cobro o cartão da Zona Azul e uma caixinha, e a turma gosta", declarou. Outro homem que trabalha com ele, relutou para falar que o seu nome era Bruno. De bem menos conversa, negou que paga aluguel e declarou que consegue cerca de R$ 50 ao dia, metade do valor informado pelo primeiro.

Na praça Arthur Fajardo, o Largo do Canhão, a abordagem aos motoristas é feita por Laudomir de Andrade, 49 anos de idade. Declara que não paga aluguel para ninguém e está no local há quase 15 anos, chega às 7 horas e só deixa a praça quando sai o último carro. Diferente dos outros locais da cidade, a maioria dos motoristas consultados no Largo do Canhão não se importam em contribuir com Laudomir. Uma delas é a recepcionista Rosângela, que pediu para não ter o sobrenome divulgado e disse que contribui com ele faz tempo porque é conhecido e quando não tem nada para pagar ele não faz "cara feia".
 
Ela estaciona ali diariamente e calcula que no período de um mês contribui com cerca de uns R$ 15. O flanelinha Laudomir diz que só pede, não exige e nunca estipula valor, mas tem o trabalho reconhecido pelos motoristas. O filho dele estuda na escola pública em frente à praça e com o dinheiro que consegue como flanelinha diz que sustenta a família de seis pessoas. Questionado como faz para não ter o ponto invadido, ele lembrou de quando a praça era frequentada por prostitutas, vários outros flanelinhas também ficavam ali e ele nunca tentou impedí-los.

A leitora do Cruzeiro do Sul, Estela Hashimoto Costa, questiona se a ação dos flanelinhas na região do Poupatempo é extorsão. Ela declara que desde que o órgão estadual foi implantado na rua Leopoldo Machado os profissionais que como ela, trabalham nas proximidades, sofrem com a ação dos flanelinhas. "Todo dia é um diferente que aparece e cada vez mais abusivo. Hoje, por exemplo, eu disse que não queria que olhasse o carro e ele queria me convencer dizendo que é Zona Azul e existe a obrigatoriedade de pagar R$ 2 a hora", reclamou a leitora no dia 23 de abril. A reportagem esteve no local nesta semana e verificou que o ponto ainda é disputado por mais de um flanelinha. Assim que a equipe chegou, um jovem parou de sinalizar para os veículos e entrou em um bar, onde permaneceu até a saída da reportagem. Outro, aparentando ter menos de 18 anos, deixou o local fazendo ameaças ao primeiro com uma pedra na mão. 

Na última semana de abril, a reportagem presenciou a discussão de dois jovens em uma área pública de estacionamento para vários estabelecimentos comerciais e escritórios no início da avenida Antonio Carlos Comitre. Gritando palavrões, o que chegou depois reivindicou o ponto e expulsou o primeiro do local. Para o Cruzeiro do Sul, o que partiu alegou que não se desentenderam pelo ponto, e que o outro havia ficado ofendido porque ele recomendou que deixasse de usar o dinheiro com crack. Sobre a saída, afirmou que já tinha tirado R$ 100 naquele dia e estava voltando para casa, isso por volta das 15 horas.
 
PM desconhece loteamento de estacionamentos 
O chefe de Seção de Assuntos Civis do 7º Batalhão da Polícia Militar do Interior, capitão Vanclei Franci, disse que a Polícia Militar não tem a informação que os estacionamentos em área pública têm donos que cobram aluguéis. Já a presença de guardadores de carro é velha conhecida, mas explicou que não há embasamento legal para a PM agir repressivamente contra os flanelinhas porque se mandar sair dali vai ferir o direito de ir e vir. Porém declarou que a corporação atua quando é acionada por um motorista que se diz constrangido, ameaçado ou que acusa o flanelinha de ter provocado danos no veículo. "A viatura da PM deve ser acionada de imediato para que o policial possa tomar as providências e conduzir o acusado para a delegacia", declara. Mas reconhece que possivelmente o acusado responderá em liberdade e poderá estar no mesmo local no dia seguinte

O oficial da PM explica que a ação dos flanelinhas ainda não é prevista como crime e por isso resta à PM agir quando o denunciante o acusa de constrangimento ou ameaça. Quanto aos danos, orienta que é preciso que o dono do carro tenha visto o flanelinha praticando ou possua provas de que foi mesmo provocado por ele, pois do contrário, não há como penalizar. "Quando o flanelinha quer forçar a barra o motorista precisa acionar a viatura porque ninguém é obrigado a pagar o que ele está pedindo", orientou. Declarou que a PM tem o cadastro de 25 flanelinhas que atuam na região central de Sorocaba e que em patrulhamento os policiais costumam abordá-los e verificar se têm antecedentes criminais, mas quando não é procurado, acaba ficando nessa situação, porque não há embasamento legal para agir.

A Urbes informou que o ato de exigir o pagamento de valores para a "guarda" do veículo sob o risco de que este venha a sofrer danos, constitui crime de extorsão. Que cabe à Urbes a atribuição de fiscalizar o estacionamento regulamentado e do desrespeito às regras do Código de Trânsito Brasileiro. Portanto, nos casos de incômodo provocado por intimidações ou outras posturas dos "flanelinhas", a Polícia Militar deve ser acionada para adotar as medidas cabíveis.

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