Nilson Lage, sobre a imprensa e o golpe: pior que em 64. Com Celso Vicenzi

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O colega e amigo  Celso Vicenzi envia , de Florianópolis, algumas notas sobre a palestra de Nílson Lage, jornalista veterano e professor (meu, inclusive) de muitas gerações de profissionais nas Universidades Federais do Rio de Janeiro e, depois, na de Santa Catarina, na palestra feita sexta-feira sobre “a palestra “A mídia e os golpes de Estado”, na Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Lage, que acompanhou as mudanças na comunicação no Brasil, na segunda metade do século vinte e neste início do 21, é uma das mais autorizadas figuras a falar do papel que a mídia assumiu no golpe de 1964 e o que assume agora, no golpe ainda em curso de 2016/17;
“Ao contrário do cenário atual, a mídia nos anos 60 era muito diversificada e qualificada, difícil de ser controlada”, diz ele, resistindo à simplificação de chamar a todos de “imprensa burguesa” nos discursos sócio-políticos, que não conseguem distinguir, por exemplo, entre um Correio da Manhã, em que a redação, formada por nomes de peso como Carlos Drummond de Andrade, Antonio Callado e Graciliano Ramos – entre outros – influía decisivamente na produção editorial, e um Diário de Notícias, que representava o pensamento nacionalista não-trabalhista ou um Jornal do Brasil, que promoveu um processo de modernização e uma revolução técnica no jornalismo.
“Todos esses veículos foram liquidados no processo histórico gerado pelo golpe em favor da atual unanimidade”, observou. Para Nilson Lage, “a imprensa não foi a alavanca do golpe de 64”, ao contrário do que aconteceu no golpe atual, em que teve “papel preponderante”.
“A imprensa atual sofreu uma deformação, porque é basicamente uma imprensa sem jornalistas, em que a opinião é mais valorizada que os fatos e onde raros profissionais têm autonomia para ir na contramão do grande consenso que se estabeleceu. Jornalismo é basicamente linguagem, reportagem, testemunho, seleção de informação e análise, coisa muito diferente desse jornalismo burocrático, de gabinete, feito não por iniciativa das redações, mas principalmente pautado a partir de vazamentos”.
O jornalista, diz Lage, tem cada vez mais dificuldade em serem diferentes disso, “porque vivemos uma era em que estão desaparecendo as condições para exercer a profissão, porque jornalismo é caro (apesar dos jornalistas não ganharem muito) e as empresas, que passam por dificuldades, optaram por investir em opinião, que é muito mais barato”.
Para ele, as mídias digitais ainda não encontraram fontes de financiamento que permitam a contratação de grandes equipes de jornalistas e recursos que garantam condições adequadas de trabalho, pesquisa e investigação. Posso testemunhar que é difícil, muito difícil, ainda mais porque os mecanismos de busca e difusão, hoje – notadamente o Facebook – usam mecanismo obscuros (e, para mim, suspeitos) – ao definir quem terá ou não a chamada para o acesso.
Lage disse ainda que a suposta “independência financeira” dos veículos de comunicação é apenas um discurso hipócrita e de vedação à entrada de concorrentes de orientação diferente: “as verbas dos grandes veículos de comunicação sempre veio de governos e instituições públicas ou estatais” – afirmou. “Qualquer jornal municipal não sobrevive sem a verba de uma prefeitura”, exemplificou. E arrematou: “Até mesmo a Globo foi sustentada com recursos públicos, porque os norte-americanos impediram os militares brasileiros de criar uma grande rede estatal de televisão, mas concordaram com uma rede privada que ajudasse a unificar um discurso hegemônico em todo o país, e que foi financiada com enormes quantias de dinheiro público/estatal, sobretudo nos dez primeiros anos ”.

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