26 de setembro de 2017 às 11h54
Da Redação
O Viomundo inicia hoje uma série especial de reportagens, Cartas de Minas, do jornalista Marco Aurélio Flores Carone.
Há 13 anos ele é uma pedra no sapato do tucanato mineiro, em geral, e do senador Aécio Neves, em particular.
Nascido em Visconde do Rio Branco, Zona da Mata de Minas, Carone é filho de políticos cassados pela ditadura militar.
O pai, Jorge Carone Filho, foi vereador e prefeito de Visconde do Rio Branco. Depois, deputado estadual, federal e prefeito de Belo Horizonte, quando foi afastado pelo golpe de 1964. Em 1966, foi cassado.
A mãe, Nysia Coimbra Flores Carone, elegeu-se deputada federal pelo MDB após o marido ser cassado. Mas acabou cassada pelo AI-5, em 13 de dezembro de 1968.
Ambos foram anistiados. Depois, o pai ainda se elegeu deputado federal pelo PMDB.
Ao contrário dos pais e dos avôs paterno e materno, igualmente atuantes na política, Carone preferiu ser um observador atento dos bastidores da política mineira.
Em 2005, criou na internet o Novo Jornal, fechado em 20 de janeiro de 2014, quando Carone foi preso.
Uma ação direta do grupo de Aécio no judiciário e na polícia, instigados por Andréa Neves, a irmã, e o todo poderoso Danilo de Castro, secretário do governo Antônio Anastasia.
Carone teve o seu local de trabalho literalmente saqueado pela polícia mineira.
Computadores, pen-drives, impressoras e documentos apreendidos no ato de prisão SEQUER foram relacionados.
O encarceramento durou até 4 de novembro de 2014, sendo que, nos três últimos meses, Carone ficou incomunicável.
Ou seja, nove dias após o segundo turno da eleição de 2014, quando Aécio disputou a presidência com Dilma Rousseff e perdeu.
Na época da prisão, o bloco parlamentar Minas Sem Censura (MSC) denunciou: foi armação e teve a ver com o mensalão tucano e a Lista de Furnas no contexto das eleições de 2014.
Mas não foi apenas por causa desses dois escândalos:
“Minha prisão teve a ver não só com denúncias anteriores, mas principalmente com as que eu iria fazer na sequência; uma delas era sobre a Operação Norbert e a conta da família de Aécio no paraíso fiscal de Liechtenstein”, denunciou Carone ao Viomundo em matéria publicada em 10 de abril de 2016.“O então procurador-geral da República, doutor Rodrigo Janot, sabia disso tudo desde a notificação que lhe enviei em 23 de março de 2015, dando os detalhes”, relembra.
De fato, após sair da prisão, Carone enviou várias cartas a autoridades que cuidavam de temas e personagens relacionados a Minas Gerais.
Com base nessa experiência, recentemente, surgiu-lhe então a ideia das Cartas de Minas.
“O meu objetivo é trazer à luz fatos que aconteceram no passado e estão influenciando o que ocorre hoje”, afirma Carone.
“Elas serão destinadas especialmente a autoridades para as quais escrevi e enviei documentos, comprovando o que eu falava”, salienta.
A primeira, logo abaixo, é para o ex-PGR, Rodrigo Janot.
PS do Carone: Como em Minas TUDO é possível, aviso que todos os documentos e conteúdo das cartas já estão com o Viomundo. Além disso, encaminhei-os para cinco pessoas de extrema confiança em outros estados.
O brasão da família de Rodrigo Janot
Prezado Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros:
Que tempos difíceis, doutor Janot!
Imagino que nunca imaginou passar pelos perrengues dos últimos meses.
Quando tive a ideia de lhe escrever esta carta, as delações premiadas dos irmãos Batista (Joesley e Wesley) e do executivo Ricardo Saud e o acordo firmado entre eles e a PGR, então sob seu comando, eram motivo de foguetórios.
Que reviravolta, hein?!
Vivemos uma gigantesca crise de representatividade, decorrente de um modelo feudal implantado em nossas instituições, que deveriam ser republicanas e não são.
Hoje, vigora a lógica da Idade Média.
Sei que a sua atenção está voltada para outros escândalos, mas tenho que lhe falar sobre Minas Gerais, sua terra natal, onde a situação é particularmente pior.
O suserano Aécio Neves transformou autoridades do Estado (muitas) e da República (várias) em vassalos, dentre os quais o seu desafeto, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Aliás, aproveitando este contato, gostaria de fazer uma pergunta que é de milhões de brasileiros: como o ministro Gilmar consegue ser sorteado para relatar praticamente todos os processos de Aécio, desafiando as leis da probabilidade?
Pois é, enquanto no Rio de Janeiro, o ex-governador Sérgio Cabral e quadrilha estão presos, as investigações referentes aos 12 anos de corrupção e desmandos de Aécio e Antônio Anastasia permanecem paralisadas.
A maioria, sob a guarda do ministro Gilmar que, em público, acintosamente, vive de amores com o Aécio.
Há pouco, aliás, descobri que o ministro Alexandre de Moraes – por quem Aécio até rompeu acordos para que ele ocupasse a vaga de Teori no Supremo — tem, pelo menos, umas dessas investigações em mãos.
É a do empresário Oswaldo Borges da Costa, o Oswaldinho, como é conhecido em Minas o ex-presidente da Codemig, a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais.
Talvez não saiba, mas Minas foi a matriz do modelo de corrupção implantado no Rio de Janeiro.
Com um detalhe: os volumes, aqui, foram 10 vezes superiores.
E por que, em Minas, nada se apura, nem se pune?
Certamente, suponho eu, o senhor sabe o motivo.
A minha hipótese: os processos deixaram de ser judiciais e as investigações que os fundamentam, em função do sigilo e não publicização, transformaram-se em arquivo morto nas prateleiras do STF e em outros tribunais, permitindo prescrições e outras impunidades.
Do contrário, como explicar a prisão da irmã [Andréa Neves] e do primo [Frederico Pacheco de Medeiros, o Fred] de Aécio, em 18 de maio de 2017, por sua recomendação, e depois a colocação deles em prisão domiciliar [por decisão, respectivamente dos ministros Edson Fachin e Marco Aurélio], enquanto continuam soltos Oswaldo Borges da Costa, Paulo Vasconcelos e Alexandre Accioly?
E o fato de Paulo Vasconcelos, marqueteiro da campanha de Aécio estar livre, enquanto seus dois colegas de profissão, João Santana e Mônica Moura, amargaram cinco meses de cadeia (atualmente, em prisão domiciliar) e só sairam após pagamento de fiança de R$ 31,4 milhões?
E o que dizer de Antônio Palocci, tesoureiro informal na campanha de Dilma, estar preso e condenado a 12 anos de prisão, e Oswaldo Borges da Costa, acusado da mesma prática na campanha de Aécio, continuar solto, sem nenhuma punição?
E o fato de nem se ter notícia de investigação de Danilo de Castro, Dimas Toledo, Dimas Fabiano, Djalma Moraes, Alberto Pinto Coelho, Alexandre Silveira e Rubens Lessa?
Esses 11 homens mais a Andréa são as pessoas de confiança de Aécio Neves.
Andréa é o cérebro que falta ao senador.
O Fred, como bem o senhor sabe, também ficou conhecido nacionalmente há quatro meses, ao ser incumbido por Aécio de transportar de São Paulo para BH os R$ 2 milhões de dinheiro vivo da JBS.
Antes, foi secretário adjunto do governo de Minas (janeiro 2003-junho 2008), secretário-geral (julho 2008 a março 2010), diretor da Cemig (janeiro de 2011-2015), além de ter trabalhado nas campanhas eleitorais do primo, como a de 2014, na qual foi administrador financeiro.
Já o Oswaldo Borges da Costa é, desde 2003, intermediário de Aécio com o setor da construção civil e correlatos. Ao longo desse período, assim como nas campanhas eleitorais, atuou como tesoureiro informal do senador.
Oswaldinho é casado com a filha mais velha do falecido banqueiro Gilberto Faria que, por sua vez, casou-se em segundas núpcias com a mãe de Aécio, dona Inês Maria.
A seu pedido, doutor Janot, o ministro Fachin determinou no final de junho a abertura de inquérito contra Oswaldinho, por conta de fraudes em licitações na Cidade Administrativa e recebimento de propina do esquema da Odebrecht/Brasken.
Paulo Vasconcelos é publicitário e marqueteiro de Aécio desde os tempos de deputado federal, tendo sempre arrecadado recursos paras campanhas dos tucanos.
Como bem sabe, delações e documentos comprovaram que, em 2014, Paulo Vasconcelos recebeu recursos R$ 3 milhões “não contabilizados”, da Odebrecht.
Lembra-se que ele usou um contrato de fachada – suposta campanha publicitária da Odebrecht em Angola – e notas frias?
Na verdade, o dinheiro destinava-se à campanha à presidência de Aécio Neves.
O inquérito em junho de 2016 foi redistribuído para o ministro Gilmar Mendes.
Cansou-se?!
Eu não posso perder esta oportunidade ímpar, por isso peço-lhe um pouco mais de paciência, para este “microcurrículo” dos demais homens de Aécio:
Alexandre Accioly: Empresário, amigo e “laranja” de Aécio Neves em diversos negócios espalhados pelo Brasil. Já foi acusado pela Odebrecht de operar uma conta de Aécio Neves na Ásia.
Danilo de Castro: Secretário do governo de Minas de 2003 a 2014, portanto, nas gestões Aécio e Anastasia. Nessa condição, assinou todos os aditivos de contratos do governo de Minas com agência de publicidade SMP&B, de Marcos Valério.
Foi quem também negociou “acordos”, com integrantes dos poderes Legislativo e Judiciário e Ministério Público estadual. Em função da conversa gravada de Aécio, é citado na delação de Joesley Batista como o “que resolve as demandas não oficiais perante o governo de Minas Gerais”.
Dimas Toledo: Operava para o Aécio desde 1998, quando era diretor de Furnas. Foi quem, em 2002, fez uma operação monstro para levantar recursos para as campanhas de tucanos e aliados, e, depois, elaborou a famosa lista, que leva o seu nome.
Nela, Dimas arrola nomes e quantias recebidas por candidatos que se se beneficiaram do esquema que ele organizou.
Dimas Fabiano: Filho de Dimas Toledo, é deputado federal pelo PP-MG. É investigado na Lava Jato por ter recebido, via Aécio, R$ 3 milhões da Odebrecht.
Djalma Moraes: Presidente da Cemig de 2003 a 2014. Operou junto com Dimas Fabiano o esquema de Aécio Neves no setor energético.
Alberto Pinto Coelho: Vice-governador de Antônio Anastasia (2011-2014). Eleito quatro vezes deputado estadual (PP), foi o operador de Danilo de Castro nos sucessivos mandatos na presidência da Assembleia Legislativa de Minas.
Alexandre Silveira: Ex-delegado da Polícia Civil e ex-diretor do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), ocupou várias secretarias nos diversos governos do PSDB em Minas Gerais. Operava para Danilo de Castro o esquema de perseguição, pela Polícia Civil, a adversários do governo.
Rubens Lessa: Atualmente, dono de quase todas as linhas de ônibus de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Em 2003, tinha uma empresa que fretava ônibus velhos. Na época, assumiu a presidência do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Minas Gerais, passando a operar para Aécio Neves o esquema em todo o setor.
O senhor há de convir que há tratamento VIP para o Aécio e sua turma.
Por insisto numa pergunta, que fiz logo no início: por que praticamente nada se apura, nem se pune o esquema de corrupção e desmandos envolvendo — há anos — Aécio Neves e sua turma?
Além daquela hipótese, há esta, por enquanto especulação: Oswaldo Borges da Costa, Paulo Vasconcelos e Acioly teriam firmado acordo de delação premiada e ela estaria parada nas mãos de Gilmar Mendes.
Confirma isso?
Há uma terceira hipótese: a de que os pedidos de prisão contra os três estariam parados com o ministro Gilmar Mendes.
É verdade?
Por tudo isso, em pelo menos em uma coisa nós concordamos: a não prisão de Aécio desmoraliza o judiciário nacional e ainda coloca em risco a própria República.
Agora, cá entre nós, o senhor também contribuiu para desmoralizar o Judiciário brasileiro, hein!?
A propósito, quando vi o flagrante seu atrás das caixas de cerveja, me escondi debaixo da mesa de tamanha vergonha — onde estou até agora.
É daqui que concluo esta breve carta.
PS: Tenho mais duas cartas prontinhas para lhe enviar. São com base naqueles documentos que já lhe enviei há um tempão, lembra-se? Será que o senhor deixou os documentos na gaveta e sua sucessora pretende considerá-los?
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