Apesar da melhoria das taxas de atendimento no Ensino Médio, as múltiplas camadas de desigualdade presentes na sociedade brasileira impedem que esse avanço importante seja experimentado da mesma maneira pelos diferentes grupos sociais. A título de exemplo, entre os 20% mais pobres, a taxa de matrícula dos jovens de 15 a 17 anos no ensino médio é de 66,5%, frente a uma taxa de matrícula de 91,3% dos 20% mais ricos. Quando consideramos os jovens de 15 a 17 anos brancos, a taxa de matrícula no ensino médio é de 81%, frente a apenas 71,1% dos jovens pretos desta mesma faixa etária. Portanto, é importante reconhecer que há muito trabalho a ser feito e que é fundamental posicionar a equidade no centro da tomada de decisões para a universalização da matrícula e qualidade na permanência dos jovens do ensino médio.
A velocidade da expansão de matrículas no ensino médio é um fenômeno que precisa ser compreendido em toda sua complexidade.
É importante sinalizar que o Ensino Médio mais excludente, experimentado pela sociedade brasileira até os anos 1990 já apresentava problemas no que diz respeito à: a) delimitação de sua função social frente às diversificadas expectativas sociais que se manifestavam em sua órbita (preparar para a universidade, consolidar as aprendizagens fundamentais para o exercício da cidadania e da autonomia, forjar a inserção no mundo do trabalho); b) qualidade heterogênea e desigual de sua oferta, tanto em termos de infraestrutura física e pedagógica, quanto em termos das clivagens curriculares disponíveis; c) insucesso escolar, expresso, principalmente, em altas taxas de reprovação/evasão.
Com a expansão da oferta, esses problemas se tornaram ainda mais agudos, uma vez que o processo de democratização do acesso aconteceu sem o enfrentamento de uma lógica de subfinanciamento, constrangendo os sistemas públicos de ensino a universalizar o atendimento sem uma ampliação compatível dos fundos públicos alocados para esse esforço.
Além dessa dimensão mais estrutural, a profunda recomposição da demografia do ensino médio, com a inclusão de grupos sociais que antes não alcançavam essa etapa da educação básica, convocou os sistemas de ensino e as escolas a uma reorientação robusta da organização pedagógica, do currículo e dos processos de acompanhamento e suporte à aprendizagem e ao desenvolvimento dos jovens. Esse esforço de natureza curricular e pedagógica precisava produzir um paradigma educacional que respondesse ao aumento da heterogeneidade do alunado do ensino médio e a positiva diminuição/eliminação da seletividade de ingresso, que excluía os estudantes mais vulnerabilizados desta etapa da educação básica.
Caminhar rumo a uma escola que pudesse efetivamente acolher e garantir os direitos de aprendizagem para todos os estudantes se tornou cada vez mais urgente, na medida em que o Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb explicitava a crise permanente de aprendizagem dos estudantes matriculados nesta etapa da educação básica. Os dados disponíveis na série histórica do exame revelavam que estávamos distantes de garantir que padrões adequados de aprendizagem fossem alcançados pelos jovens ao final da educação básica.
Esse conjunto de elementos ocupou a agenda de política educacional de diferentes maneiras desde o final dos anos 1990. Diferentes esforços foram feitos para enfrentar os desafios de uma democratização efetiva do ensino médio que pudesse, além de garantir o acesso de todos os jovens à escola, sustentar um processo educativo emancipador, condizente com as necessidades de aprendizagem e com os desafios da inserção social autônoma no final da adolescência.
Do ponto dos fundamentos e princípios político-pedagógicos e do ponto de vista da organização curricular, a Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro de 2012, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio consolidou um consenso importante para a reorientação desta etapa da educação básica. Seus marcadores são reconhecidos de maneira positiva pela maior parte dos especialistas e pesquisadores.
Após a aprovação das DCNEM de 2012 e a partir da necessidade de uma transformação que lidasse com outras dimensões, iniciou-se um esforço legislativo em torno da produção de uma reforma mais ampla do ensino médio. A instalação da Comissão Especial destinada a promover estudos e proposições para a reformulação do Ensino Médio (CEENSI), no Congresso Nacional, é um marco importante desse deslocamento. Os esforços da CEENSI permitiram aos legisladores acessar e dialogar com gestores públicos, especialistas no tema, representações de professores e estudantes. O trabalho desenvolvido na CEENSI permitiu aos legisladores a formulação de um Projeto de Lei (PL 6840/2013) que propunha transformações bastante amplas na organização do ensino médio.
A tramitação do PL 6840/13 caracterizou-se por um debate legislativo no qual parte dos sujeitos individuais e coletivos que compõem o ecossistema do Ensino Médio enxergava problemas de concepção em algumas propostas. Os tensionamentos deram origem à substitutivos que passaram a compor a tramitação do Projeto de Lei. Até o final da legislatura em questão (2014), não houve consenso que permitisse sua aprovação pelo Congresso Nacional. A situação permaneceu indefinida até agosto de 2016, quando se consumou o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff.
Durante o governo do Presidente Michel Temer, o Poder Executivo decidiu solucionar esse impasse legislativo com a edição da Medida Provisória 746/2016. Parte dos elementos que estavam presentes no PL 6840 compuseram o texto da MP, associados a outros elementos novos. Entretanto, o caminho escolhido para encerrar o debate sobre a reestruturação do ensino médio produziu fragilidades em sua legitimidade social, uma vez que parte importante dos sujeitos individuais e coletivos que participavam da agenda política do ensino médio foram silenciados.
Mediante um Projeto de Lei de Conversão (PLC), a MP 746/2016 foi votada no Congresso Nacional e a Lei 13.415/17 foi sancionada pelo presidente Michel Temer. A partir dela, uma série de instrumentos normativos complementares foram estabelecidos pelo Ministério da Educação e pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, com vistas à implementação do chamado Novo Ensino Médio.
O processo de implementação da Reforma, ao longo dos últimos quatro anos contou com forte protagonismo dos Estados e diminuída participação do Ministério da Educação. Assim, é importante reconhecer o esforço de cada uma das unidades da federação em estabelecer os caminhos possíveis para a realização das ousadas promessas do Novo Ensino Médio. Algumas respostas positivas produzidas nesse contexto devem iluminar nossa reflexão sobre o que seria importante resguardar, ao mesmo tempo em que as graves distorções que se evidenciaram devem servir de alerta em torno do que precisa ser corrigido, ajustado ou eliminado da arquitetura da última etapa da educação básica.
3. Principais transformações no Ensino Médio a partir da Lei 13.415/17
As principais transformações no Ensino Médio definidas a partir da Lei 13.415/17 são as seguintes:
• Ampliação da carga horária mínima do Ensino Médio regular de 2.400 horas para 3.000 horas (1.000 horas anuais)
• A instauração de um programa de fomento à criação de matrículas e escolas de ensino médio de tempo integral, com transferência de recursos da União para os entes federados por um período de 10 anos.
• Divisão da carga horária mínima do Ensino Médio entre uma parte dedicada à Formação Geral Básica (vinculada às proposições da Base Nacional Comum Curricular) e uma parte dedicada à oferta de itinerários formativos (com a finalidade de aprofundamento em uma área do conhecimento específica e/ou de formação técnica e profissional)
• A possibilidade de os estudantes escolherem itinerários formativos para a conclusão do ensino médio, a partir da oferta estabelecida em sua escola ou rede de ensino.
• A possibilidade de sistemas de ensino oferecerem itinerários formativos integrados, contemplando mais de uma área de conhecimento.
• A possibilidade de os estudantes, após concluírem sua formação com um itinerário específico de uma área do conhecimento, retornarem para uma segunda formação, em outro itinerário, a depender das condições de oferta estabelecidas em cada sistema de ensino.
• Estabelecimento de um teto máximo de 1.800 horas, ao longo dos 3 anos, para a Formação Geral Básica.
• Retirada da obrigatoriedade do ensino de Língua Espanhola e da obrigatoriedade da oferta das disciplinas de Filosofia e Sociologia.
• A possibilidade de os sistemas de ensino estabelecerem parcerias com diferentes tipos de instituições para a oferta de componentes curriculares, porções ou até mesmo a integralidade de itinerários formativos voltados à educação técnica e profissional.
• A possibilidade de profissionais que não tenham formação específica em educação ou licenciatura atuarem na docência mediante reconhecimento de notório saber, de acordo com regras estabelecidas em cada sistema de ensino
• A possibilidade de reconhecer, para cumprimento das exigências de carga horária e aprendizagem dentro do ensino médio, situações formativas desenvolvidas na modalidade de educação à distância.
4. Algumas sinalizações do processo de implementação (2018-2022)
O processo de implementação da Lei 13.415/2017 desdobrou-se numa conjuntura bastante desafiadora. Por um lado, o Ministério da Educação enfrentou dificuldades para conduzir a coordenação, articulação e indução dos elementos da Política junto aos governos estaduais. Essas dificuldades foram evidenciadas em pesquisas realizadas pela própria equipe do Ministério da Educação, mas também por outros setores do governo federal, por pesquisadores e especialistas no tema. Particularmente nos anos de 2019 e 2020, as ações de coordenação do MEC sofreram descontinuidades e atrasos e os Estados precisaram construir a implementação em cada território de acordo com suas capacidades instaladas e contando com o apoio do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação – Consed e de instituições da sociedade civil, na forma de parcerias de diferentes tipos.
A Pandemia de Covid-19 aprofundou essas dificuldades, na medida em que impôs aos sistemas de ensino constrangimentos de investimento financeiro e uma série de novas e complexas necessidades que demandavam respostas urgentes, num cenário de muita incerteza. Nos anos de 2021 e 2022, parte da capacidade coordenadora do Ministério da Educação foi retomada e a assistência técnica e financeira para a implementação da Reforma se intensificou. Especialmente a partir dos programas Pro-EMTI, ProBNCC, ProIF e ProNEM.
O cenário do momento é de profunda heterogeneidade e desigualdade no processo e nos resultados de implementação das proposições do Novo Ensino Médio, ensejando o risco de aprofundamento das desigualdades educacionais já tão severas na sociedade brasileira.
A análise desse cenário impulsionou o Ministério da Educação a promover, no início da gestão 2023-2026, uma análise dos principais elementos desafiadores do Novo Ensino Médio e da oportunidade de propor uma reestruturação profunda de sua configuração. Conscientes de que esse processo precisa ser democrático, aberto e incluir estudantes, profissionais da educação, equipes técnicas das secretarias de educação, secretários/as de estado da educação, pesquisadores e toda a sociedade, submetemos à consulta pública este conjunto de proposições.
5. Proposições para a reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio
Submetemos à consulta pública da sociedade brasileira as seguintes questões:
Responda pelo link:
https://www.gov.br/participamaisbrasil/reestruturacao-da-politica-nacional-de-ensino-medio
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