Paulo Machado
Ouvidor da Agência Brasil
Ouvidor da Agência Brasil
Brasília - Empresas concessionárias de serviços púbicos têm a outorga
do Estado (são contratadas por ele) para oferecer ao cidadão telefonia,
transportes, serviços financeiros, seguros, saúde, educação, rádio,
televisão e mais uma série de atividades essenciais e vitais para o
funcionamento da sociedade.
Quando esses serviços falham, ou funcionam de maneira precária, o
cidadão continua pagando por eles, mas sem obter o que precisa.
Para regular e fiscalizar a ação dessas empresas o Estado criou as
chamadas agências reguladoras e uma série de siglas invadiram o universo
da relação sociedade-Estado: Anatel, Aneel, Ans, Antt, Anac, entre
outras, intermediando interesses privados contra necessidades públicas
do cidadão.
“Contra” seria uma expressão muito forte? Parece que não, quando
constatamos que ano após ano os lucros das empresas crescem à custa da
precarização da qualidade dos serviços prestados ao mesmo tempo que
cresce a insatisfação dos cidadãos registrada pelo aumento de
reclamações nos órgãos competentes.
É uma lógica perversa: para lucrar mais os concessionários reduzem
custos, dispensam empregados como fizeram os bancos, minimizam
investimentos em infra-estrutura, como fazem as empresas de telefonia.
As relações capitalistas de mercado, que normalmente deveriam
prevalecer, premiando os mais competentes e punindo os ineficientes, são
invertidas graças a um oligopólio, a uma reserva de mercado para
algumas poucas empresas protegidas e abrigadas sob um pequeno
guarda-chuva: a concessão do Estado praticada em nome do povo.
À medida que mais e mais pessoas ascendem social e economicamente
cresce a demanda pelos serviços essenciais, mas o oligopólio as enxerga
apenas pelo lado lucrativo desses novos “clientes”.
Resta ao Estado fazer ver que, antes de serem “clientes”, são cidadãos
buscando condições básicas para o exercício pleno de direitos e deveres,
ou seja, de cidadania.
É aí que entra a informação e conseqüentemente a mídia. Informação
sobre a qualidade dos serviços essenciais é informação sobre a qualidade
da cidadania que se pratica.
Em uma tentativa de começar a mudar as relações empresas
concessionárias x consumidores, em 2008, o governo editou a chamada Lei
dos SACs (*) – Serviços de Atendimento aos Consumidores, por meio dos
quais é realizado o relacionamento do cidadão com os prestadores de
serviços.
Na matéria Governo multou em mais de R$ 50 milhões empresas que descumpriram regras do SAC,
publicada pela ABr, a diretora do Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor – DPDC, do Ministério da Justiça, Juliana Pereira, fez um
balanço de como anda o cumprimento da Lei, mas o leitor Nilson Pêra
protestou:
“A matéria ‘Governo multou em mais de R$ 50 milhões empresas que
descumpriram regras do SAC’ não diz quantas empresas que descumpriram
regras pagaram a multa. Pelo que sabemos, são raras. Assim, não adianta
nada se as empresas são multadas, mas não pagam as multas. O Governo
deve cobrar rigorosamente dos devedores das multas e dos impostos, ao
invés de ficar
elevando os impostos. É sabido que tem grandes grupos privilegiados que devem ao fisco e simplesmente não pagam.”
elevando os impostos. É sabido que tem grandes grupos privilegiados que devem ao fisco e simplesmente não pagam.”
O leitor não tem razão quando diz que são raras as empresas que pagaram
as multas – nenhuma empresa pagou até agora, segundo a assessoria de
imprensa do Ministério da Justiça, mas a notícia não informou isso, nem
que dos R$ 50 milhões em multas, R$ 18 milhões foram aplicadas
diretamente pelo Ministério da Justiça e R$ 32 milhões pelos Procons dos
estados. No caso do Procon –DF, por exemplo, dos mais de R$ 3 milhões
em multas aplicadas, apenas R$ 18 mil foram pagos (0,6%).
Há ainda outros R$ 300 milhões em multas a duas operadoras de telefonia
(Claro e OI), que também não foram pagos. Trata-se de processos
administrativos resultantes em ações coletivas, das quais as empresas
recorrem à justiça para não ter de pagar.
Ali o processo judicial pode rolar anos antes de uma decisão
definitiva. São recursos e mais recursos facultados pela lei. Enquanto
isso, consumidores indignados como Nilson Pêra continuam pagando por
serviços e atendimentos precários, ao arrepio da lei.
Mas ao contrário da qualidade dos serviços essenciais que recebe, o
cidadão tem direito à qualidade da informação sobre esses serviços.
Noticiar que o governo aplicou as multas é apenas uma parte da
informação a que tem direito, mas pode criar a falsa impressão de que a
lei está sendo cumprida.
Verificar na prática como anda o pagamento dessas multas é mais uma
parte dessa informação, aprofundar a apuração e saber por que o governo
não aciona outras medidas punitivas para fazer valer a lei pode ser mais
uma parte importante dessa informação. Só assim a verdade aos poucos se
completará.
Texto do art 56 da Lei nº 8.078 de 1990 (Defesa do Consumidor):
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam
sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem
prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas
específicas:
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão
aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição,
podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar,
antecedente ou incidente de procedimento administrativo. (grifo nosso)
A Agência Brasil acolheu a demanda do leitor e respondeu prometendo:
“Agradecemos a mensagem do leitor. Vamos voltar ao assunto aproveitando a
sugestão de pauta do leitor”. Em 14 matérias publicadas entre 2009 e
2010 sobre o assunto a tônica tem sido noticiar a aplicação das multas.
Até a próxima semana.
(*) – para acessar a íntegra da lei: http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/4/docs/portaria_mj_2014_2008.pdf
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