Paulo Machado
Ouvidor da Agência Brasil
Brasília - Com a notícia do assassinato de Bin Laden, em solo paquistanês, por uma tropa de elite da marinha norte-americana, no domingo 1º de maio, a imprensa começou a correr atrás de fontes que fornecessem detalhes da operação. Em um prazo de cinco dias fontes oficiais da própria Casa Branca se contradisseram varias vezes.
Na ausência de informações oficiais confiáveis a própria imprensa norte-americana, enquanto procurava por “furos”, encarregou-se de produzir versões de supostos fatos, reproduzidas largamente por agências de notícias internacionais.
Nessa enxurrada de versões, Bin Laden morreu de diversas formas, protagonizou atentados que nunca existiram e mobilizou forças ocultas que aproveitaram a oportunidade para violar os mais elementares princípios da ética jornalística e do direito à informação.
Uma das fontes do jornal New York Times, um oficial anônimo, declarou que ouviu de alguém um briefing [um relato] sobre o possível conteúdo de um caderno apreendido na operação, escrito à mão, supostamente por Bin Laden, onde estariam registrados planos de atentados da organização Al-Qaeda contra os Estados Unidos da América.
Reproduzindo esta “notícia” do NYT, a BBC Brasil publicou a matéria “Bin Laden planejava novos atentados, diz imprensa americana” (*). Observe-se a ressalva: “diz imprensa americana”, ou seja, informou a seus leitores que essa informação era apenas uma versão de fatos produzida pela imprensa daquele país. A notícia começava com a frase: “Jornais americanos afirmam”.
Já a mesma notícia, reproduzida pela Agência Brasil, eliminou a ressalva da manchete original da BBC Brasil e deu o fato como verdade absoluta: Bin Laden planejava novos atentados nos Estados Unidos. A matéria, omitindo a fonte da informação, afirma : “Documentos encontrados na mansão onde foi morto o líder e fundador da rede Al Qaeda, Osama Bin Laden, indicam que ele planejava novos atentados nos Estados Unidos”.
As origens das informações sobre as atividades conspiratórias de Bin Laden são bastante confusas e todas as fontes escondem-se no anonimato.
Em um boletim (**), datado de 05 de maio, aparentemente confidencial, o Departamento de Segurança Interna dos EUA conjuntamente com o FBI, alertava seus parceiros policiais: federais, estaduais e locais, sobre uma possível conspiração da Al-Qaeda, desde fevereiro de 2010, planejando atentados ao setor ferroviário dos EUA.
Essas informações, algumas horas depois classificadas por seus autores como “enganosas, inexatas e sujeitas a alterações e, portanto, não confiáveis para serem distribuídas ao público norte-americano”, foram amplamente divulgadas pela imprensa com algumas ressalvas, nem sempre respeitadas por agências noticiosas internacionais.
Na própria notícia da Agência Brasil, sem nenhum tipo de ressalvas, as informações do boletim foram resumidas da seguinte forma: “Há informações de que um dos planos, encontrados em notas escritas à mão na casa de Abbottabad, no Paquistão, planejava descarrilar um trem para cair em uma ponte ou desfiladeiro. ‘Está claro que houve certo nível de planejamento para esse tipo de operação desde fevereiro de 2010, mas não temos informação recente indicando planos em andamento de alvejar o sistema de transporte nem sobre possíveis locais ou alvos específicos’, informa um boletim conjunto do FBI, o escritório de investigação norte-americano, e do Departamento de Segurança Interna”.
A imprensa norte-americana publicou ainda outras observações feitas por oficiais norte-americanos anônimos que caracterizariam as ações contempladas nos supostos documentos apreendidos na operação como atos “almejados“, “acontecimentos que interessavam aos agentes do Al-Qaeda tentar realizar”, mas que “não tinham avançado além da etapa conceitual”. Essas informações também não constam na matéria da ABr.
No que diz respeito à natureza do envolvimento de Bin Laden nas supostas atividades conspiratórias, a matéria publicada pela ABr afirma: “Um oficial norte-americano disse que os planos indicam que Bin Laden não era somente uma figura simbólica da rede extremista, como avalia a maioria dos analistas, mas estava diretamente envolvido em ações em planejamento pela rede”.
Na matéria publicada pela BBC Brasil o texto era o mesmo, porém a ressalva que revelava a fonte da informação foi omitida pela ABr: “Um oficial americano, ouvido pelo New York Times, disse ...”.
Quando consultamos o artigo publicado pelo New York Times (***), encontramos ainda mais ressalvas: “Ele [Bin Laden] não era apenas uma figura simbólica”, disse um oficial norte-americano, que tinha recebido um ‘briefing’ sobre os documentos e falou sob a condição de garantia de anonimato. “Ele continuou a conspirar e planejar, criar idéias sobre alvos e comunicar essas idéias a outros lideres do alto escalão do Al-Qaeda”.
As matérias da imprensa norte-americana não apresentam em momento algum evidencias de que os supostos planos e conspirações fossem de autoria de Bin Laden. Nenhum jornalista afirmou ter visto o tal caderno ou mesmo documentos onde eles eram relatados e tampouco a caligrafia de quem os escreveu, se é que realmente encontraram um caderno onde o líder terrorista mais procurado do mundo registraria provas contra si mesmo.
Observemos uma cronologia da “cobertura” midiática do evento e o contexto político de onde partiram as informações publicadas pela ABr.
Dia 02/05, segunda-feira – uma matéria publicada pela agência Associated Press-AP, divulgou um alerta (secreto?) do FBI e do Departamento de Segurança Interna de que a morte de Bin Laden poderia inspirar ataques de retaliação nos EUA e que terroristas ainda desconhecidos pela comunidade de inteligência poderiam estar agindo dentro do país.
Três dias depois (05/05) os mesmos órgãos distribuíram um segundo alerta já com algumas das informações preliminares obtidas dos supostos documentos apreendidos na casa onde Bin Laden foi assassinado. Este alerta, destinado “exclusivamente para uso oficial”, “vazou” para a mesma Associated Press-AP. Mais tarde no mesmo dia a assessoria de imprensa do Departamento de Segurança Interna fez uma declaração pública revelando o conteúdo do segundo alerta, porem enfatizando que “a alegada atividade conspiratória se baseia em informações iniciais, que são freqüentemente enganosas ou inexatas e sujeitas a alterações”. O porta-voz acrescentou: “Permanecemos num estado reforçado de vigilância, porém sem a intenção de emitir uma alerta NTAS [Sistema Nacional de Alerta sobre o Terrorismo] neste momento”.
O objetivo desta declaração foi provavelmente tapar o vazamento e acalmar a população. A matéria publicada pela Associated Press (****) aponta outros esforços do governo dos EUA no mesmo sentido, mas nunca oficialmente: “observações feitas por fontes anônimas do governo que caracterizaram as ações contempladas nos documentos encontrados na casa como itens almejados que não tinham avançado além do plano conceitual”.
Do ponto de vista jornalístico, sem acesso aos documentos e sem o pronunciamento oficial das autoridades, a imprensa estava apenas desempenhando o papel de veículo para a disseminação de mensagens que coincidentemente interessavam ao governo para legitimar a operação.
As informações repassadas à imprensa, por fontes anônimas do próprio governo, sobre o conteúdo dos documentos a respeito do envolvimento de Bin Laden no planejamento de futuros atentados e dos alvos hipotéticos da Al-Qaeda nos EUA, sem nenhuma comprovação, constituíram-se em recados extra-oficiais entregues à população.
A um só tempo a cobertura midiática valorizou a operação e legitimou os métodos empregados, servindo inclusive a públicos específicos como ao partido da oposição - os Republicanos. Valorizando as informações contidas nos supostos documentos, a cobertura justificou os métodos usados para descobrir o paradeiro do líder terrorista – leia-se o uso da tortura, autorizado pelo governo Bush.
Neste aspecto, a afirmação de que os documentos mostram um Bin Laden participando ativamente serve de contraponto as opiniões de muitos “especialistas de inteligência e peritos em terrorismo”, ouvidos pela imprensa norte-americana, de que Bin Laden tinha sido relegado à mera figura simbólica do terrorismo.
A matéria da ABr apresenta versões e especulações como se fossem fatos consumados, sem considerar a maneira como foi costurada a cobertura do assunto pela imprensa norte-americana e o contexto político necessário para explicar o que foi divulgado, quando, e porque foi divulgado.
Alguns critérios e filtros são essências na atividade jornalística, principalmente quando se usa a própria imprensa como fonte de informação e mais ainda quando essa mesma imprensa abusa de fontes anônimas.
Na cadeia que começa com os órgãos da imprensa norte-americana, passa pela BBC Brasil até chegar à ABr, as referências e ressalvas ajudariam o leitor a entender como foram produzidas, vazadas e plantadas as diversas versões e qual o grau de credibilidade das mesmas.
A divulgação de documentos, fotos e imagens da operação, pelo menos até agora, segue um ritmo ditado pelos interesses do governo dos EUA. Os “furos jornalísticos” vão aos poucos se esvaziando por absoluta falta de provas. Como resultado sobraram praticamente apenas as mensagens que fizeram a cabeça da opinião pública.
Até a próxima semana.
Ouvidor da Agência Brasil
Brasília - Com a notícia do assassinato de Bin Laden, em solo paquistanês, por uma tropa de elite da marinha norte-americana, no domingo 1º de maio, a imprensa começou a correr atrás de fontes que fornecessem detalhes da operação. Em um prazo de cinco dias fontes oficiais da própria Casa Branca se contradisseram varias vezes.
Na ausência de informações oficiais confiáveis a própria imprensa norte-americana, enquanto procurava por “furos”, encarregou-se de produzir versões de supostos fatos, reproduzidas largamente por agências de notícias internacionais.
Nessa enxurrada de versões, Bin Laden morreu de diversas formas, protagonizou atentados que nunca existiram e mobilizou forças ocultas que aproveitaram a oportunidade para violar os mais elementares princípios da ética jornalística e do direito à informação.
Uma das fontes do jornal New York Times, um oficial anônimo, declarou que ouviu de alguém um briefing [um relato] sobre o possível conteúdo de um caderno apreendido na operação, escrito à mão, supostamente por Bin Laden, onde estariam registrados planos de atentados da organização Al-Qaeda contra os Estados Unidos da América.
Reproduzindo esta “notícia” do NYT, a BBC Brasil publicou a matéria “Bin Laden planejava novos atentados, diz imprensa americana” (*). Observe-se a ressalva: “diz imprensa americana”, ou seja, informou a seus leitores que essa informação era apenas uma versão de fatos produzida pela imprensa daquele país. A notícia começava com a frase: “Jornais americanos afirmam”.
Já a mesma notícia, reproduzida pela Agência Brasil, eliminou a ressalva da manchete original da BBC Brasil e deu o fato como verdade absoluta: Bin Laden planejava novos atentados nos Estados Unidos. A matéria, omitindo a fonte da informação, afirma : “Documentos encontrados na mansão onde foi morto o líder e fundador da rede Al Qaeda, Osama Bin Laden, indicam que ele planejava novos atentados nos Estados Unidos”.
As origens das informações sobre as atividades conspiratórias de Bin Laden são bastante confusas e todas as fontes escondem-se no anonimato.
Em um boletim (**), datado de 05 de maio, aparentemente confidencial, o Departamento de Segurança Interna dos EUA conjuntamente com o FBI, alertava seus parceiros policiais: federais, estaduais e locais, sobre uma possível conspiração da Al-Qaeda, desde fevereiro de 2010, planejando atentados ao setor ferroviário dos EUA.
Essas informações, algumas horas depois classificadas por seus autores como “enganosas, inexatas e sujeitas a alterações e, portanto, não confiáveis para serem distribuídas ao público norte-americano”, foram amplamente divulgadas pela imprensa com algumas ressalvas, nem sempre respeitadas por agências noticiosas internacionais.
Na própria notícia da Agência Brasil, sem nenhum tipo de ressalvas, as informações do boletim foram resumidas da seguinte forma: “Há informações de que um dos planos, encontrados em notas escritas à mão na casa de Abbottabad, no Paquistão, planejava descarrilar um trem para cair em uma ponte ou desfiladeiro. ‘Está claro que houve certo nível de planejamento para esse tipo de operação desde fevereiro de 2010, mas não temos informação recente indicando planos em andamento de alvejar o sistema de transporte nem sobre possíveis locais ou alvos específicos’, informa um boletim conjunto do FBI, o escritório de investigação norte-americano, e do Departamento de Segurança Interna”.
A imprensa norte-americana publicou ainda outras observações feitas por oficiais norte-americanos anônimos que caracterizariam as ações contempladas nos supostos documentos apreendidos na operação como atos “almejados“, “acontecimentos que interessavam aos agentes do Al-Qaeda tentar realizar”, mas que “não tinham avançado além da etapa conceitual”. Essas informações também não constam na matéria da ABr.
No que diz respeito à natureza do envolvimento de Bin Laden nas supostas atividades conspiratórias, a matéria publicada pela ABr afirma: “Um oficial norte-americano disse que os planos indicam que Bin Laden não era somente uma figura simbólica da rede extremista, como avalia a maioria dos analistas, mas estava diretamente envolvido em ações em planejamento pela rede”.
Na matéria publicada pela BBC Brasil o texto era o mesmo, porém a ressalva que revelava a fonte da informação foi omitida pela ABr: “Um oficial americano, ouvido pelo New York Times, disse ...”.
Quando consultamos o artigo publicado pelo New York Times (***), encontramos ainda mais ressalvas: “Ele [Bin Laden] não era apenas uma figura simbólica”, disse um oficial norte-americano, que tinha recebido um ‘briefing’ sobre os documentos e falou sob a condição de garantia de anonimato. “Ele continuou a conspirar e planejar, criar idéias sobre alvos e comunicar essas idéias a outros lideres do alto escalão do Al-Qaeda”.
As matérias da imprensa norte-americana não apresentam em momento algum evidencias de que os supostos planos e conspirações fossem de autoria de Bin Laden. Nenhum jornalista afirmou ter visto o tal caderno ou mesmo documentos onde eles eram relatados e tampouco a caligrafia de quem os escreveu, se é que realmente encontraram um caderno onde o líder terrorista mais procurado do mundo registraria provas contra si mesmo.
Observemos uma cronologia da “cobertura” midiática do evento e o contexto político de onde partiram as informações publicadas pela ABr.
Dia 02/05, segunda-feira – uma matéria publicada pela agência Associated Press-AP, divulgou um alerta (secreto?) do FBI e do Departamento de Segurança Interna de que a morte de Bin Laden poderia inspirar ataques de retaliação nos EUA e que terroristas ainda desconhecidos pela comunidade de inteligência poderiam estar agindo dentro do país.
Três dias depois (05/05) os mesmos órgãos distribuíram um segundo alerta já com algumas das informações preliminares obtidas dos supostos documentos apreendidos na casa onde Bin Laden foi assassinado. Este alerta, destinado “exclusivamente para uso oficial”, “vazou” para a mesma Associated Press-AP. Mais tarde no mesmo dia a assessoria de imprensa do Departamento de Segurança Interna fez uma declaração pública revelando o conteúdo do segundo alerta, porem enfatizando que “a alegada atividade conspiratória se baseia em informações iniciais, que são freqüentemente enganosas ou inexatas e sujeitas a alterações”. O porta-voz acrescentou: “Permanecemos num estado reforçado de vigilância, porém sem a intenção de emitir uma alerta NTAS [Sistema Nacional de Alerta sobre o Terrorismo] neste momento”.
O objetivo desta declaração foi provavelmente tapar o vazamento e acalmar a população. A matéria publicada pela Associated Press (****) aponta outros esforços do governo dos EUA no mesmo sentido, mas nunca oficialmente: “observações feitas por fontes anônimas do governo que caracterizaram as ações contempladas nos documentos encontrados na casa como itens almejados que não tinham avançado além do plano conceitual”.
Do ponto de vista jornalístico, sem acesso aos documentos e sem o pronunciamento oficial das autoridades, a imprensa estava apenas desempenhando o papel de veículo para a disseminação de mensagens que coincidentemente interessavam ao governo para legitimar a operação.
As informações repassadas à imprensa, por fontes anônimas do próprio governo, sobre o conteúdo dos documentos a respeito do envolvimento de Bin Laden no planejamento de futuros atentados e dos alvos hipotéticos da Al-Qaeda nos EUA, sem nenhuma comprovação, constituíram-se em recados extra-oficiais entregues à população.
A um só tempo a cobertura midiática valorizou a operação e legitimou os métodos empregados, servindo inclusive a públicos específicos como ao partido da oposição - os Republicanos. Valorizando as informações contidas nos supostos documentos, a cobertura justificou os métodos usados para descobrir o paradeiro do líder terrorista – leia-se o uso da tortura, autorizado pelo governo Bush.
Neste aspecto, a afirmação de que os documentos mostram um Bin Laden participando ativamente serve de contraponto as opiniões de muitos “especialistas de inteligência e peritos em terrorismo”, ouvidos pela imprensa norte-americana, de que Bin Laden tinha sido relegado à mera figura simbólica do terrorismo.
A matéria da ABr apresenta versões e especulações como se fossem fatos consumados, sem considerar a maneira como foi costurada a cobertura do assunto pela imprensa norte-americana e o contexto político necessário para explicar o que foi divulgado, quando, e porque foi divulgado.
Alguns critérios e filtros são essências na atividade jornalística, principalmente quando se usa a própria imprensa como fonte de informação e mais ainda quando essa mesma imprensa abusa de fontes anônimas.
Na cadeia que começa com os órgãos da imprensa norte-americana, passa pela BBC Brasil até chegar à ABr, as referências e ressalvas ajudariam o leitor a entender como foram produzidas, vazadas e plantadas as diversas versões e qual o grau de credibilidade das mesmas.
A divulgação de documentos, fotos e imagens da operação, pelo menos até agora, segue um ritmo ditado pelos interesses do governo dos EUA. Os “furos jornalísticos” vão aos poucos se esvaziando por absoluta falta de provas. Como resultado sobraram praticamente apenas as mensagens que fizeram a cabeça da opinião pública.
Até a próxima semana.
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