Familiares de jovens que cometeram infração e cumprem medida socioeducativa fora da Fundação Casa estão pedindo ajuda ao Ministério Público e a ONGs após terem solicitação de matrícula recusada; lei assegura a esses adolescentes direito à educação
Ocimara Balmant - O Estado de S.Paulo
ESPECIAL PARA O ESTADO
Filipe Araujo/AE-21/6/2011
Exclusão. Escola Estadual Martins Pena, na zona sul, que fez transferência compulsória de aluno em liberdade assistida
Escolas públicas de São Paulo recusam adolescentes em liberdade assistida, ou seja, que cometeram infração e cumprem medida socioeducativa fora da Fundação Casa. O Ministério Público e ONGs que trabalham com a assistência a esses jovens têm recebido denúncias de familiares que não conseguem efetuar a matrícula. Há relatos de alguns que perderam o ano letivo. Pela lei, todas as crianças e adolescentes têm direito à educação.
Um dos casos investigados pela promotoria ocorreu na Escola Estadual Martins Pena, na zona sul. Apesar de terem efetuado a rematrícula no fim do ano passado, 21 alunos foram transferidos compulsoriamente para uma escola municipal. Só souberam da notícia no primeiro dia letivo, ao serem impedidos de assistir à aula.
"Foi uma expulsão branca", diz César Barros, orientador social da Crê Ser, ONG que acompanha dois dos jovens transferidos. O retorno à escola de origem só foi possível graças à mobilização das famílias e à intervenção da Defensoria Pública.
Segundo Barros, no prontuário de um deles, o endereço havia sido adulterado para justificar a transferência. "O outro, de 13 anos, mora a duas quadras da escola Martins Pena. Que sentido faria a transferência?"
Na zona leste, mais da metade dos jovens acompanhados pela organização Arte de Viver está fora da escola. "Quando um deles tenta fazer a matrícula, é colocado numa fila e fica numa espera que não tem fim. Tive casos de jovens que perderam o ano letivo", diz Nilza Rocha, gerente de serviços. Dos 123 atendidos pela ONG, 77 estão fora da escola.
Como frequentar uma escola é obrigatório para quem está em liberdade assistida, ficar fora dela atrapalha a finalização do processo. "Pedi à Secretaria Municipal de Assistência Social a relação das ONGs que trabalham na reinserção desses jovens. Quero saber em quais escolas elas enfrentam resistência", diz João Paulo Faustinoni e Silva, promotor do Grupo de Atuação Especial de Defesa da Educação (Geduc).
Além do problema estrutural da rede, que opera com carência de vagas, os técnicos citam como motivos da exclusão de razões conhecidas - como a suposição de que esses alunos são indisciplinados e de que os pais não querem que os filhos estudem com um menor infrator - a gargalos mais tênues, como a distorção entre série e idade.
Jeitinho. Para driblar a resistência, as ONGs usam diferentes estratégias no caso dos adolescentes oriundos da Fundação Casa. Como era frequente os familiares relatarem que a escola impunha dificuldades ao saber que o adolescente encaminhado cumpria medida socioeducativa, a ONG Arte de Viver mudou a abordagem. Hoje, aciona o Poder Judiciário. "Usávamos a Justiça em última instância. Agora, nem damos o encaminhamento para a mãe. Faço o relatório e solicito a intervenção do juiz", diz Nilza.
No Serviço Social Bom Jesus, na zona sul, o adolescente é instruído a não contar que está em medida socioeducativa. "Quando consegue a vaga sem ter de apresentar o papel, ele entra sem a carapuça de LA (liberdade assistida). Aí, nesse "anonimato", ele consegue assumir outro papel", diz o técnico Bruno Palhares.
Para a gestora da Crê Ser, é preciso mudar o sistema de inserção dos adolescentes que saem da internação. "O correto seria que ele saísse da escola da Fundação Casa e fosse transferido automaticamente. Hoje, quando pega a ficha, a escola já vê o LA em cima", diz Viviane Nunes.
Reação. Em nota, a Secretaria de Estado da Educação disse que não compactua com a atitude arbitrária da diretora da escola Martins Pena e, assim que a Diretoria Regional de Ensino Sul 1 tomou ciência do ocorrido, ordenou que todos os alunos retornassem para a unidade imediatamente. E disse que enviou uma comissão de supervisores à escola para orientar a direção e evitar casos semelhantes.
PARA ENTENDER
Na cidade de São Paulo há 4.447 adolescentes em liberdade assistida. Com idade de entre 12 e 18 anos, esses adolescentes cometeram algum ato infracional. Parte deles passou um período internado na Fundação Casa e outro tanto foi sentenciado a cumprir apenas essa medida socioeducativa.
Durante a liberdade assistida, o jovem vive com a família e recebe acompanhamento de um orientador social.
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