Muitos foram pegos em crimes leves, como furtos, mas não são libertados pela Justiça por falta de endereço e documentos
Bruno Paes Manso - O Estado de S.Paulo
Para retirar moradores de rua do centro de São Paulo, além usar os abrigos, o poder público tem encaminhado boa parte deles para prisões. Estudo da Pastoral Carcerária em parceria com o Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) aponta que 27% dos presos do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros I, na zona oeste da capital, morava na rua ao ser detido.
Essa unidade, feita para 520 pessoas, tem atualmente 1.282 presos. O CDP de Pinheiros I foi escolhido pelos pesquisadores por ser o destino da maioria dos moradores de rua presos em flagrante. Foram ouvidas 200 pessoas que entraram no CDP até 10 de maio. "O número é ainda maior. Muitos dos entrevistados resistem em admitir que moram na rua para diminuir os problemas com a Justiça", afirma o advogado José Jesus Filho, da Pastoral Carcerária.
Outros dados ajudam a confirmar a elevada proporção de moradores de rua no local. Quase metade dos presos nesse CDP (42%) é acusada de furto - crime leve, que permite ao acusado aguardar a conclusão do inquérito em liberdade. Na população carcerária paulista, esse índice é de 12%. Defensores públicos que atendem nas varas criminais da Barra Funda afirmam que o furto é a principal acusação envolvendo moradores de rua.
Além disso, quando foram detidos, 63% dos homens não tinham nenhum documento. Não estavam trabalhando ou exerciam atividades informais e descontínuas 57% dos entrevistados. A maioria (69%) foi presa por policiais militares e 80% disseram ter sofrido violência no momento da prisão. "Esse é mais um dado que deixa claro como em São Paulo a questão social se tornou caso de polícia", diz a advogada Luisa Luz de Souza, coordenadora da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, da Faculdade de Direito da USP.
Segundo Luisa, entre as medidas que tornaram a vida do morador de rua mais difícil na cidade está a atuação efetiva da Guarda Civil Metropolitana (GCM) na abordagem dessa população desde o ano passado. No CDP de Pinheiros, 9% dos detidos foram presos em flagrante pela GCM. O reforço do policiamento no centro e a designação de coronéis da reserva da PM para a chefia de 25 subprefeituras também reforçam o aspecto repressivo das políticas destinadas a esse grupo. "Resgatar os laços familiares e oferecer tratamento de saúde e emprego ajudam a tirar essa população da rua. De nada vai adiantar mandá-los à prisão."
No último censo, São Paulo tinha 13.666 moradores de rua. Isso significa que 2,5% deles estão no CDP de Pinheiros I.
Bateria de carro. Na semana passada, a defensora pública Virginia Sanches Rodrigues Catelan, que atua no Departamento de Inquérito Policiais e Polícia Judiciária (Dipo), tinha casos de moradores de rua para resolver. "São muito comuns e chegam todo dia." Em uma ocorrência do dia 29 de maio, um homem e uma mulher foram acusados do furto de uma bateria de carro que estava na mochila de um deles. De nada adiantou não haver queixa de furto e eles alegarem que eram catadores de lixo.
O juiz negou a liberdade provisória, porque os dois não portavam documentos, não tinham residência nem trabalho fixo. A mulher permanece presa no CDP de Franco da Rocha e o homem foi mandado para o CDP de Osasco.
Em outro caso, que chegou ao Dipo na terça-feira, um morador de rua havia sido preso em flagrante, acusado pelo furto de um chocolate, dois cremes dentais e um produto de limpeza. "Esses crimes são leves e, se condenada, a pessoa cumpre a pena em liberdade. Mesmo assim, a regra no Judiciário é mantê-los detidos, porque não têm endereço e trabalho fixo. No fim, são punidos duas vezes, porque não têm direito à moradia."
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