Beatriz Cerqueira: “Não nos acovardaremos diante das lutas que têm que ser feitas”; ouça relatos de ex-presos políticos de Minas

viomundo

10 de abril de 2017 às 11h55


Ato realizado em 1º de abril na frente do antigo Dops de Minas Gerais. A partir de 31 de março de 2018, será o Centro de Memória, Verdade e Justiça . Fotos: Lidyane Ponciano
por Conceição Lemes
Av. Afonso Pena, 2.351, Belo Horizonte. Para os jovens, significa apenas endereço do Departamento de Investigação Antidrogas da Polícia Civil de Minas Gerais.
Já para os que têm 50, 60, 70 anos ou mais, portanto viveram os anos de chumbo, é sinônimo de treva, pesadelo, tortura, dor, sofrimento, morte.
Aí, funcionou o Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops/MG),um dos símbolos da ditadura militar no Estado.
Finalmente, o lugar será transformado em Centro de Memória, Verdade e Justiça.
Data para a inauguração: 31 de março de 2018.
Nilmário Miranda, secretário de Direitos Humanos do governo de Minas, anunciou a medida no encerramento do Congresso Extraordinário de Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG), em Belo Horizonte.
Foi durante ato realizado, em 1º de abril, na frente do prédio de trágico passado.
A manifestação reuniu trabalhadores, jovens, militantes de movimentos sociais, sindicalistas e ex-presos políticos, entre os quais o próprio Nilmário.
Ouça-o.
Realmente, a CUT/MG  inovou.
Chamou um congresso que não estava previsto, para rememorar o Golpe de 1964, as lutas que o sucederam e tirar lições para o Golpe de 2016, que estamos vivendo.
“Se nós não rememorarmos essas datas, a elite passa uma borracha neste período da história”, justifica Beatriz Cerqueira, presidenta da CUT/MG.
“Considerando que estamos diante de um novo golpe, debatemos a conjuntura para planejar a greve geral de 28 de abril, para que ela realmente barre as reformas da Previdência e trabalhista e a gente derrote o governo ilegítimo”, prossegue.
“Relembramos também os lutadores e lutadoras que pagaram com suas vidas por defender tudo que nós defendemos”, acrescenta Beatriz. “Não nos acovardaremos diante das lutas que têm que ser feitas.”
CERCA DE 5 MIL PESSOAS PARTICIPARAM 
O Congresso Extraordinário da CUT/MG  aconteceu nos  dias  31 de março e 1º de abril.
Foi  na Assembleia Legislativa, que se tornou local de resistência ao Golpe de 2016 no Estado.
Cerca de 5 mil pessoas participaram do congresso.
Do começo ao encerramento, houve vários momentos marcantes.
A citação nominal dos mineiros assassinados e/ou desaparecidos durante a ditadura militar, acompanhada da exibição de um banner com fotografias de cada um deles.
A homenagem também aos assassinados no Massacre de Ipatinga, em 7 outubro de 1963, numa fase pré-golpe.
A marcha pelas ruas de Belo Horizonte em 31 de março como parte do Dia Nacional de Mobilização contra as reformas da Previdência, trabalhista e a terceirização.
Mas o mais emocionante foi o ato pela Memória, Verdade e Justiça, em 1º de abril, diante do antigo Dops mineiro.
Outros ex-presos políticos que passaram pelos seus porões falaram no ato.
Um deles foi Betinho Duarte, que integrou o Comitê Brasileiro de Anistia e atualmente faz parte da Comissão Nacional da Verdade.
Relembrou a primeira prisão, em 14 de maio de 1968, e quem foram os seus torturadores.
Ficou 30 dias no Dops/MG.
O sociólogo e mestre em Educação Jorge Pimenta filho ficou preso no Dops mineiro durante 60 dias.
Marco Antonio Plei passou primeiro pelo Dops de Minas: “Fui preso em 1968 e espancado barbaramente.Escreveram ‘veado’ nas minhas costas e me soltaram de cuecas na rua”. Depois, ficou encarcerado quatro anos e meio  em Linhares, no Espírito Santo.
A prisão de Luiz Dulci, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República dos governos Lula (de 2003 a 2010), foi bem depois: em 1980, devido à greve de professores.
No ano anterior, professores, faxineiras, porteiros, serventes fizeram a primeira greve do setor pós-1964.
Terminada, criaram  o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais — o Sind-UTE/MG.
Como na época era proibido chamar de sindicato, chamaram-no inicialmente de União dos Trabalhadores de Ensino em Minas Gerais.
No ato de 1º de abril, na porta do Dops de Minas, Dulci relatou essa história e deixou um recado para as novas gerações.
O momento mais comovente foi a homenagem aos mortos e desaparecidos políticos mineiros.
Beatriz Cerqueira, coordenadora-geral do Sind-UTE/MG e presidenta da CUT/MG, fez a leitura dos nomes, um a um. Ouça.
Carlin Moura, ex-prefeito de Contagem (PCdoB-MG), em texto publicado em 1º de abril em sua página no Facebook, observa:
A melhor forma de homenagear e agradecer estes bravos heróis nacionais cujos nomes poucos conhecem nos dias de hoje, é nos mantermos informados sobre este passado aterrorizante e refletirmos sobre um futuro igualmente aterrorizante que, do mesmo modo, vem se impondo a nós brasileiros hoje, em pleno século XXI.
De fato, quem não conhece o seu passado, está condenado a repeti-lo.
Daí a proposta de Betinho Duarte de que o Centro da Memória, Verdade e Justiça de Minas tenha o nome da ex-presa política Inês Etienne Romeu.
Mineira de Pouso Alegre, Inês  foi a única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), depois de 96 dias de martírio nesse centro clandestino de tortura da ditadura. Foi ainda a última presa política a ser libertada no Brasil. Ela faleceu em 27 de abril de 1975.
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