Decisão de Cármen Lúcia 'representa defesa política do governo pelo Judiciário'

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Para diretor de um dos sindicatos que assinam ação civil pública pedindo suspensão da propaganda do governo Temer em defesa da PEC 287, "Supremo hoje é um dos pilares de sustentação do regime"

por Eduardo Maretti, da RBA publicado 06/04/2017 19h08
ROSINEI COUTINHO/STF
Cármen Lúcia
Para Cármen, suspensão da campanha “subtrai” do governo "os meios para divulgação da proposta de reforma”
São Paulo – A decisão da presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, divulgada ontem (5), de autorizar o governo federal a retomar a divulgação de propaganda sobre a reforma da Previdência, tem aspectos claramente “antijurídicos”. Além disso, “representa a defesa política de um governo por parte do Judiciário”, segundo o diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio Grande do Sul (Sintrajufe-RS), Ruy Almeida. “Entendemos que isso é totalmente descabido na relação entre o Supremo e o Palácio do Planalto.”
Na liminar em ação civil pública concedida ao Sintrajufe e outros oito sindicatos pela juíza Marciane Bonzanini, da 1ª Vara Federal de Porto Alegre, suspendendo a campanha publicitária do governo Michel Temer, as entidades argumentaram que a Constituição Federal delimita as finalidades da campanha midiática governamental, que deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. A decisão da juíza de primeira instância havia sido confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que rejeitou recurso da Advocacia-Geral da União (AGU).
As decisões de primeira instância e do TRF-4 pela suspensão da propaganda são tecnicamente sólidas, diz Almeida. “Deixavam pouco espaço para argumentação da União e os recursos eram juridicamente frágeis. No entanto, não podemos fugir de fazer uma avaliação política do que está acontecendo no Supremo, que hoje é um dos pilares de sustentação de um regime que visa a retirar direitos e atacar os trabalhadores”, acrescenta. Segundo ele, as entidades vão recorrer da decisão de Cármen Lúcia e têm 15 dias úteis de prazo a partir da publicação do despacho. 
Segundo Almeida, “há alguns anos o Supremo vem tomando uma série de decisões de blindagem ao governo de ocasião e de ataques a trabalhadores, a servidores públicos, à população e à sociedade em geral, principalmente os segmentos mais fragilizados, e essa decisão da ministra presidente Cármen Lúcia, politicamente, segue essa linha”.
Entre os argumentos que utilizou, a ministra do STF disse que a suspensão da campanha publicitária institucional do governo federal sobre a reforma da Previdência, “especialmente quando os debates do Parlamento já foram há muito iniciados, importa risco de grave lesão à ordem pública administrativa, por subtrair da administração pública os meios necessários para divulgação da proposta de reforma”.
Na avaliação do diretor da Sintrajufe-RS, esse trecho da decisão da presidenta do STF ignora o argumento principal para pedir a suspensão da campanha, de que a campanha de Temer não tem conteúdo educativo, informativo ou de orientação social. “Com todo respeito à presidente do Supremo, na nossa opinião, essa passagem de sua decisão é antijurídica.”
Ao suspender a propaganda, a juíza federal Marciane Bonzanini anotou que a campanha do governo, utilizando recursos públicos, abala o princípio democrático, “pois traz consigo a mensagem à população de que a proposta de reforma da Previdência não pode ser rejeitada e de que nenhuma modificação ou aperfeiçoamento possa ser feito no âmbito do Poder Legislativo”.
Segundo os sindicatos, o governo federal não apresentou nenhum estudo atuarial que justifique haver déficit na Previdência ou que a instituição vai entrar em colapso. “Estamos procurando colocar a realidade com base em dados oficiais, não numa propaganda enviesada, com uma série de manipulações dos dados orçamentários e sem clareza para demonstrar que o contribuinte precisa contribuir com a Previdência por 49 anos e ter 65 anos de idade pra se aposentar”, diz Almeida.

Incoerência

De acordo com o diretor, a decisão de Cármen Lúcia é incoerente com decisão anterior do ministro Celso de Mello, que pediu, em 17 de fevereiro, aos presidentes da República, da Câmara dos Deputados e das comissões que analisam a PEC 287/2016, que prestassem informações sobre a falta de estudo atuarial comprovando o déficit da Previdência.
“Me parece que acaba não tendo coerência em relação com o que o próprio Supremo tem apresentado nessa questão. A coerência é outra, ela está na blindagem ao governo e na defesa do regime, um regime que ataca os trabalhadores”, acrescenta Almeida. 

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